Redação

Atividade avança na Terra Indígena Yanomami, sete meses depois do STF ter determinado que governo federal colocasse em pauta um plano para retirada dos invasores.

Maior reserva indígena do país em extensão territorial, a Terra Indígena Yanomami, local onde duas crianças foram mortas após serem sugadas por uma draga, tem vivido uma explosão de invasões de garimpeiros ilegais. Segundo cálculos do Ministério da Justiça, há mais de 400 pontos da atividade na região, nenhum deles com licença.

O avanço da atividade acontece sete meses depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter determinado que o governo federal colocasse em pauta um plano para a retirada dos invasores. Desde junho, quando o Ministério da Justiça autorizou o envio da Força Nacional à região, já houve dezenas de operações. A última, em setembro, apreendeu 64 aeronaves com os garimpeiros.

A piora da situação no ano passado, que teve alta de 30% do garimpo ilegal, culminou com uma tragédia no Dia das Crianças, 12 de outubro. Os primos de 5 e 8 anos, da terra indígena de Parima, brincavam no Rio Uraricuera, que banha a comunidade Makuxi Yano, quando foram tragados e cuspidos por uma draga. Os corpos foram localizados depois pelos bombeiros. Mesmo com um histórico de violência trazido pela presença de pelo menos 20 mil garimpeiros que ocupam suas terras, a morte das crianças desencadeou um dos momentos mais tristes da aldeia.

Vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Kopenawa diz que a balsa dos garimpeiros veio se aproximando ao longo do tempo até se instalar a 300 metros da comunidade Makuxi. Ele denuncia que a ilegalidade persiste há pelo menos seis anos:

— É um dos mais antigos garimpos da região do Parima e nunca teve uma operação, nem Polícia Federal, nem do Exército, nem do Ibama. Nunca pisaram lá. Os maquinários continuam na ativa.

No ano passado, dois yanomamis foram assassinados a tiros próximo a uma pista de pouso clandestina em Parima. O garimpo já se intensificava por lá.

— Está acontecendo um processo lento de genocídio. A omissão do Estado brasileiro tem tido consequências dramáticas para os yanomamis com episódios terríveis de violência contra suas crianças mas também de desestruturação da sua saúde e da sua cultura. Essas comunidades caminham para a extinção — diz o procurador Alison Maruga, que atua na defesa dos povos indígenas no Ministério Público Federal de Roraima.

A comunidade Makuxi Yano é formada hoje por apenas 90 indígenas que vivem praticamente isolados. Só alguns entendem palavras em português — justamente aqueles que, para proteger a terra, acabam tendo mais contato com garimpeiros ilegais.

A draga que sugou as crianças é um equipamento instalado numa balsa que suga o fundo do rio em grandes tubos, transportando a areia e separando o ouro dos resíduos. Segundo Junior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-Y), a draga envolvida no crime foi escondida pelos garimpeiros, que fugiram.

— As mães deles estão desesperadas. Não conseguem parar de chorar, gritam de dor. Elas perguntam: “por que meu filho morreu?” — conta Junior, que denunciou o desaparecimento dos meninos e esteve no local das mortes na sexta-feira.

Maruga afirma que aguarda as informações do Corpo de Bombeiros para abrir um inquérito sobre a morte dos yanomamis. No entanto, ele alerta que investigações tendem a ser difíceis.

— As estruturas do garimpo são muito complexas e pulverizadas. É difícil saber quem era o dono das dragas. Quando você acaba com um grupo, surgem outros três no lugar — diz.

Diante do não-cumprimento da ordem judicial de março para a expulsão de todos os garimpeiros da terra yanomami, que tem território equivalente ao de Portugal, o MPF entrou com uma nova ação em maio. O órgão pede policiamento 24h. Nada foi feito.

‘Corrida do ouro’

Segundo o procurador, há em curso uma nova corrida do ouro em solo yanomami estimulada pelo discurso do governo federal que pretende autorizar a exploração mineral em terras indígenas. Além disso, enquanto aumenta o desemprego, o metal tem valorização no mercado internacional.

— É uma atividade muito lucrativa. Uma cozinheira e um mecânico do garimpo ganham três vezes mais do que na cidade. Se esse processo se aprofundar, será irreversível — observa Maruga.

Nas proximidades de Macuxi Yano, o crescimento estrondoso do garimpo já impacta na derrubada da mata. Somente nessa região, 118,96 hectares de floresta foram devastados, o que representa um aumento de 53% em relação a dezembro de 2020. Além de Waikás, Aracaçá, e Kayanau, áreas altamente impactadas, o garimpo abre novas fronteiras. Em Xitei e Homoxi, a atividade cresceu 1.000% entre dezembro e setembro de 2021.

Por nota, Fundação Nacional do Índio (Funai) afirmou que acompanha o caso das crianças e fiscaliza e monitora terras indígenas de todo o país, tendo quatro Bases de Proteção Etnoambiental nas terras yanomami.

Nota do Conselho Indigenista Missionário – Regional Sul – em repúdio às violências em terras indígenas.

Arrendamentos da morte!

O Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul, vem a público denunciar as práticas criminosas de arrendamentos de terras indígenas que desencadearam, nos últimos meses, uma série de violências em áreas Kaingang no Rio Grande do Sul.

Há registros de conflitos internos, em função dos arrendamentos, nas terras de Nonoai, Serrinha, Ventara, Carreteiro e Guarita.

Não se pode mais continuar tapando o sol com a peneira. Ou os órgãos de controle e fiscalização da lei agem ou se tornarão cúmplices da exclusão, da fome, do abandono e das mortes nas terras indígenas.

É chegado o momento de se reverter o quadro perverso de esbulho e violência, e começar a identificar, processar os que se beneficiam da produção de soja transgênica dentro das áreas indígenas. São grupos de pessoas que há décadas exploram os bens da União, terras que deveriam ser destinadas ao usufruto exclusivo dos povos. Os que arrendam as terras indígenas precisam ser responsabilizados por esses crimes e pelo incentivo, de fora para dentro das comunidades, à violência. Fechar os olhos para os crimes é o mesmo que avalizá-los.

O Cimi Sul repudia veementemente todas práticas de violência internas e externas. Mas esse dia, 16 de outubro de 2021, ficará marcado como um dos mais sombrios e cruéis da história recente dos povos originários. Há notícias de que quatro pessoas foram assassinadas, como resultado de um conflito interno, dentro da Terra Indígena Serrinha, município de Ronda Alta, no norte do Rio Grande do Sul. Muitas outras acabaram sendo espancadas, aprisionadas e tudo para saciar a saga do lucro e da ganância sobre os bens indígenas.

O Cimi Sul denuncia essa prática de esbulho e as violências contra as vidas dela decorrentes. Denúncia, também, a omissão e negligência, premeditada ou não, dos órgãos públicos que deveriam atuar no sentido de proteger os bens da União e manter em segurança as comunidades.

O Cimi Sul, diante da antipolítica indigenista que incentiva a exploração das áreas, se coloca, de forma radical, contra toda e qualquer perspectiva de uso das terras, seja por meio de arrendamentos, parcerias agrícolas ou outras formas de esbulho.

O Cimi Sul solidariza-se com as vítimas das violências, mas, especialmente hoje, repudia a covardia dos crimes e manifesta seus pêsames aos familiares daqueles que foram assassinados.

Há que se dar um basta aos arrendamentos, essas práticas excluem, marginalizam e matam os filhos da mãe terra.

Fonte: O Globo


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