Por Jorge Folena

O Governo de Bolsonaro (que detesta trabalhador e pobres, mas é amigo dócil dos empresários), aliado a um governador cujo nome ninguém sabe, com o apoio de alguns juízes sem respeito à Constituição e de uma mídia corporativa entreguista, além de um bando de malandros gananciosos, na tarde do dia 30 de abril de 2021 participaram de um conluio e uma conspiração para tentarem apropriar-se indevidamente de parte suculenta da operação de distribuição de água da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Estado do Rio de Janeiro (CEDAE).

Foi praticado um atentado e uma flagrante agressão à soberania popular, uma vez que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), no dia 29 de abril de 2021, aprovou Decreto Legislativo proibindo a realização do leilão da CEDAE.

A Assembleia Legislativa é o poder de representação do povo do Estado do Rio de Janeiro, não estando o governador nem o Poder Judiciário acima do Poder Legislativo.

Ao desrespeitar a decisão da ALERJ, o governador e o Poder Judiciário Fluminense, por meio da ordem de um desembargador, violaram o princípio da separação de poderes, invadindo a competência do órgão máximo e soberano da representação do povo do Estado do Rio de Janeiro.

O atual presidente do Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade número 42 (que julgou a constitucionalidade do vigente Código Florestal), da qual foi o relator, assegurou o princípio democrático, pelo qual a decisão do Parlamento deve prevalecer sobre a de qualquer outro poder constituído (inclusive o Poder Judiciário), ao afirmar que “a capacidade institucional, ausente em cenário de incerteza, impõe autocontenção do Judiciário, que não pode substituir as escolhas dos demais órgãos do Estado por suas próprias escolhas.”

Ou seja, se a ALERJ é a casa do povo do Estado do Rio de Janeiro (como dizem os liberais, na atualidade), sua decisão que determinou a suspensão do leilão da CEDAE sobrepõe-se à do governador que estava em exercício e à de um desembargador, que devem obediência ao povo e não aos interesses do mercado financeiro nem da mídia corporativa, que trabalha para este.

Na verdade, a realização atabalhoada e “na marra” do questionável leilão da CEDAE é um inquestionável desrespeito à vontade popular e uma ação desmedida na sua tentativa de apropriação indevida de patrimônio público e de bem essencial à população (distribuição de água), que se deseja transferir à força para o controle de financistas, que só visam o lucro.

O que ocorreu na sexta-feira (30 de abril) não pode ficar assim!

O governador, em exercício até aquela oportunidade, desrespeitou a Constituição ao não cumprir o Decreto da ALERJ, invadiu a competência do legislativo e violou o princípio da separação e harmonia entre os poderes; além disso, segundo manifestou o presidente da ALERJ, o referido governador teria ameaçado e pressionado deputados para votarem contra o decreto legislativo, aprovado no dia 29 de abril. Tudo isto é muito grave e deve ser aberto processo de impeachment contra o governador, por violação à Constituição Federal e do Estado do Rio de Janeiro.

A ALERJ deve manter-se firme na sua posição e proibir a transferência de qualquer concessão aos participantes do questionável leilão, cuja realização foi suspensa pelo órgão máximo da representação popular do Estado. Quem participou de um leilão nestas condições tinha plena consciência do risco em que se envolveu e não se pode dizer enganado ou prejudicado.

O que os ditos compradores não podem fazer (com o apoio de um governador, sem autoridade) é tentarem apropriar-se do que não lhes pertence e se apresentarem, doravante, como os “donos” de uma concessão, cujo leilão para aquisição foi proibido pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Esse ato de ganância e a absurda apropriação do patrimônio público não podem ficar sem resposta, como lamentavelmente se observou na tarde de 30 de abril de 2021, na Bolsa de Valores de São Paulo, que serviu de palco para a teatral encenação de um leilão nulo, mas que querem a todo custo e com a ajuda da mídia comercial, fazer a população acreditar que foi válido, diante da escancarada fraude e ilegalidade.

Caso contrário, vão prosseguir em sua sanha expropriatória e tomar todo o patrimônio público das mãos da sociedade, sob qualquer falso pretexto, e transferi-lo para os espertalhões do mercado financeiro, que encontraram em Jair Bolsonaro e Paulo Guedes aliados de primeira hora para ajudá-los a tentar validar as futuras expropriações sob o importante e vital setor elétrico (Eletrobrás e Furnas), além do que ainda restou de público na Petrobras.

Esse mesmíssimo filme, de tão triste enredo, já foi visto na Rússia de Bóris Yeltsin, após a dissolução da União Soviética, quando os oligarcas russos expropriaram para si grande parcela do patrimônio público, constituído por décadas de trabalho de todo o povo daquele país.

Já passou da hora dos brasileiros acordarem da hipnose coletiva e da letargia a que se deixaram levar pelo canto de sereia dos pregadores do mercado acima de tudo. Caso contrário, quando finalmente despertarem, olharão à sua volta e procurarão pelo Brasil, mas já não haverá país.


JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.