Por Luiz Carlos Prestes Filho –
Para o economista argentino, Federico Müller, empresário, especialista em Recuperação de Dívidas e professor de Filosofia, foi correto o governo do presidente, Alberto Fernandez, priorizar a saúde da população e não a economia. Desta maneira o país obteve uma grande conquista. Manteve índices baixos de contágios e conseguiu ficar com a sua macroestrutura no mesmo nível que aquele das potências mundiais. Países que foram seriamente abaladas pelo descuido com a saúde de seus povos. “Mas, Federico Müller adverte que a Argentina não deve subestimar os desequilíbrios fiscal, monetário e a inflacionário”
Luiz Carlos Prestes Filho: A economia argentina conseguiu vencer a Covid 19?
Federico Müller: A economia argentina não conseguiu vencer o Covid 19. Segundo o
Fundo Monetário Internacional (FMI), o Produto Interno Bruto (PIB) argentino caiu
9,9%, parecido ao das grandes economias mundiais como: Reino Unido (10,2%);
Estados Unidos (8%); e Brasil (9,1%). Não há diferenças significativas. A Argentina do
presidente, Alberto Fernandez, priorizou a saúde frente à economia. Isso, sim, foi uma
grande decisão. Conseguimos vencer um mito estabelecido. Diziam que deveríamos
escolher: ou a vida, ou a economia. A vida ganhou! Mantendo índices relativamente
baixos de contágios, conseguimos que a economia tivesse uma queda igual a das
grandes potências, onde o impacto da crise da saúde foi devastador. Mas não é por isso que devemos subestimar os importantes desequilíbrios fiscal, monetário e inflacionário.
Prestes Filho: Quais serão as principais sequelas que a pandemia vai deixar na
Argentina?
Federico Müller: Ainda não terminamos de calcular as sequelas desta pandemia.
Dentro da economia argentina temos que analisar dois aspectos. O primeiro, aquele
ligado aos interesses das grandes empresas nacionais que olham para o exterior, que
estão preocupadas com as nossas commodities: soja, trigo, carne, petróleo e lítio (no
caso das duas últimas, estamos falando de mercados de futuro). Existe uma percepção
de que é importante aguardar o que acontecerá com o mercado mundial. O segundo
aspecto, mais interno, é aquele ligado as Pequenas e Médias Empresas (PMEs), que
representam 70% de nossas forças laborais. Setor bastante vulnerável porque já
estamos faz quatro meses de quarentena. Para estas empresas está sendo complicado
o longo período de paralisação, muitas estão fechando, outras estão fragilizadas.
Alguns especialistas dizem que o quebra-quebra será tão forte como o da crise de
2001.
Prestes Filho: Quais aspectos positivos para o poder púbico?
Federico Müller: Há que ressaltar que tanto o governo nacional, como os governos da
província e da cidade de Buenos Aires, lembrando que o último hoje é de oposição,
conseguiram sentar a mesa e tomar decisões conjuntas, o que na Argentina é muito
difícil, considerando a histórica divisão entre o peronismo e o anti-peronismo. Há
muitos anos não aconteciam decisões tomadas em conjunto para enfrentar uma crise.
Este é um sinal positivo. Existe a possibilidade de amanhã voltar a conversar com todos
os segmentos sociais e políticos sobre como enfrentar a pós-pandemia. Mencionei
aqui três esferas de poder específicas porque, economicamente, estas são as mais
fortes e as mais afetadas nesta crise. Mas a mesa de diálogo sentaram todos os
governadores de toda a Argentina.
Prestes Filho: Algo positivo para a iniciativa privada?
Federico Müller: Continuo pensando no aspecto crítico, relacionado para com as
PMEs, o que mencionei acima. Mas é importante considerar que o empresário
argentino desenvolveu uma original capacidade de inovação, depois de repetidas
crises em curto período histórico. Desta vez, a experiência serviu para enfrentar os
desafios que se apresentaram. No setor que trabalho, call center, que inclui vendas,
atenção especial aos clientes e cobranças, a resposta das empresas foi
excepcionalmente positiva. Nos adaptamos em questão de horas, aceitamos as
determinações do governo nacional, quando foi declarado o confinamento. Estamos
falando de PMEs que nunca pensaram em se transformar em empresas virtuais ou
com funcionamento total de sua operação na modalidade de teletrabalho. Mas
conseguimos, em 72h, fazer com que 85% de nossas operações passassem para uma
nova modalidade, superando as projeções iniciais de 10% ou 15%. Lembrando que não
estamos falando de bancos ou de multinacionais que têm uma infraestrutura e alta
capacidade técnica.
Prestes Filho: O Estado, que os neoliberais pretendiam pequeno, tem que ser maior? Qual seria o tamanho exato?
Federico Müller: Quanto ao tamanho do Estado e se há ou não que intervir, acho que
pelo menos na Argentina estamos em condições de afirmar que sem a rede de
contenção, tanto no âmbito da saúde, como no âmbito social, que foi criada durante
os governos de Néstor e Cristina Kirchner, independente dos golpes negativos que
sofreu no governo de Mauricio Macri, a situação teria sido muito caótica. Tanto para
disponibilizar leitos hospitalares, como também para cobrir as necessidades da
população que está fora da formalidade. Essa população ficaria completamente
excluída. Uma explosão social poderia ser produzida por conta da crítica situação
econômica e das péssimas condições de alimentação do povo. Mas, sim, temos que
debater sobre qual é tamanho que o Estado deve ter. Entendo que o mesmo deve
continuar atuando no âmbito da saúde; no atendimento dos setores mais vulneráveis
socialmente; no apoio as PMEs; na continuidade das linhas de crédito, criadas para
garantir empréstimos que permitiram pagar, parcialmente, os salários dos
trabalhadores. Sem essas iniciativas muitas empresas não estariam funcionando. Sim,
teremos que debater sobre o tamanho do Estado, mas já é visível, mundo a fora, que
os Estados estão promovendo intervenções nos setores fragilizados pela crise para
abrandar as consequências. O Banco Central chinês outorgará 7,9 bilhões de dólares
para as PMEs; na Inglaterra, o Estado dispôs de 1.570 bilhão de libras para ajudar o
setor cultural, beneficiando teatros, galerias e centros culturais; a companhia aérea Air
France receberá 7 bilhões de euros do Estado Francês. Se assim estão atuando as
economias mais fortes, então a da Argentina e a de todos os países da América Latina,
tem que tomar decisões nessa direção. Caso contrário – sucumbiremos.
Prestes Filho: Neste momento o endividamento das famílias é maior do que o do
poder público?
Federico Müller: As dívidas das famílias argentinas aumentaram. Segundo informe da
consultoria CERX, com dados do Banco Central, 87,7% dos lares estão endividados e a
dívida total alcança 1,8 bilhões de pesos. Mas o aumento pode ser ainda maior, pois os
vencimentos de cartões de crédito e empréstimos se adiaram por decisões do
governo, o que é outro tema a ser tratado nos próximos meses. As dívidas das
empresas também se incrementaram durante o Covid 19, especialmente, por conta
das linhas de crédito outorgadas a taxas especiais, garantidas pelo Estado, destinadas
ao pagamento de salários e cujos os primeiros vencimentos devem acontecer em
agosto. Considerando a situação da economia e que a quarentena ainda continua no
país, seguramente, grande parte destas empresas estarão endividadas.
Prestes Filho: O endividamento do poder público é maior do que o das empresas?
Federico Müller: Na Argentina o setor mais endividado é o Estado. A dívida externa
argentina é de 300 milhões de dólares, o equivalente a 88% do PIB e os próximos
vencimentos são impossíveis de pagar. Neste momento o governo está negociando
uma reestruturação da mesma. Aparentemente a oferta do governo argentino se
aproxima da proposta dos credores, que estão mais flexíveis. Tanto nesta negociação
como em qualquer outra, será essencial que as partes tenham algo em claro: ambas
vão perder.
Prestes Filho: A Argentina consegue atravessar essa situação com quais atividades
econômicas estruturantes?
Federico Müller: Volto aqui a destacar que existe uma grande diferença entre as PMEs
e as grandes empresas, que olham para o exterior. As últimas não terão independência
para determinar seus preços. Não é a Argentina que vai estabelecer os preços da soja,
do trigo ou da carne. Muito menos os países da América Latina. Para atravessar esta
situação, como somos um país vulnerável, em relação ao comércio internacional,
vamos depender do que vai acontecer externamente. A Argentina é grande exportador
de alimentos, de produtos que o mundo deseja comprar, então temos uma vantagem.
Porém, o risco é o de sempre, o de exportar matérias primas sem valor agregado. O ex-presidente Mauricio Macri havia dito que a Argentina seria o “supermercado do
mundo”, caso fossemos capazes de oferecer alimentos com valor agregado. Mas ele
não conseguiu chegar lá! Nos mercados de futuro, é claro, temos que saber aproveitar
o potencial das nossas reservas de petróleo e de minerais. Internamente, as PMEs vão
depender da capacidade de adaptação que tiveram durante a pandemia. Há certos
setores como o da gastronomia e o do turismo que foram praticamente destruídos. No
âmbito interno, a capacidade produtiva das PMEs dependerá das parcerias que a
iniciativa privada vai estabelecer com o Estado. Temos que saber identificar as
possibilidades reais e os limites econômicos para oferecer trabalho e salários, para
enfrentar o grande desafio do momento – a reabertura pós-pandêmica.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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