Por Sérgio Vieira –
Portugal / Europa – Séc. XXI.
Sim. Eu hoje recebi uma carta.
Uma carta verdadeira, daquelas que vêm pelo correio tradicional. Sempre que tal acontece, me dou conta de que nem todas as pessoas esqueceram o quão importante é receber uma carta, carta escrita à antiga.
Este grande “herói” que teimosamente vai resistindo ao tempo e à corrosão dos princípios tradicionais, tem um nome: Mário Lopes. Português, radicado no Brasil há muitos anos (talvez mais de 60). Ele que tem um modo muito próprio de escrita, uma letra muito sui generis, mas de fácil leitura. O Mário, é das pessoas que conheço, que possui uma das mais privilegiadas enciclopédias “mentais”, e QI dos mais elevados. Não se furtando a qualquer diálogo, seja, sobre música (erudita principalmente), teatro, história, filosofia, artes em geral, aviação…enfim o homem domina tudo!
O Mário, é daquelas amizades, que chegaram até mim, através do meu pai, que também era seu amigo e mecânico particular.
Reconheço que já não devem existir muitos “mários” hoje em dia. Avesso aos modernos meios de comunicar, ele se mantem fiel à escrita de caneta e papel.
Remonta há minha infância e juventude, a figura do carteiro Cosme, que durante quase duas décadas ininterruptas entregou no meu bairro praticamente de ponta a ponta, toda a correspondência. Tinha um modo muito peculiar de avisar a sua chegada. Chamava bem alto “correioooo”, e finalizava com um inconfundível assovio. Foi assim durante muitos anos. Até que um dia, o Cosme, depois de tantos milhares de correspondências entregues, concluiu seu tempo de trabalho, e honrosa e merecidamente se aposentou. Mas, a estória e trabalho dele não foi esquecido pelos moradores do bairro (Vila Kosmos). Preparamos um super churrasco em sua homenagem. Ao que o homenageado, claro, não faltou, e que timidamente em seu pequeno discurso a todos os presentes, deixou escapar umas lágrimas. Um bem-haja, para os “Cosmes” que ainda resistem a essa árdua tarefa de fazer chegar ao destinatário a sua correspondência.
Sei da estória de dois jogadores de xadrez, que não se conheciam, e trocavam por carta os respectivos movimentos de suas peças. Sim, claro…alguns anos para terminarem uma partida, levando em consideração que uma correspondência, levava aí uns sete/dez, ou mais dias para chegar.
Há não muito tempo atrás, no banco em que trabalhei quase trinta anos, e que na sua época era o banco mais avançado em tecnologia e informática que operava em Portugal, lá, nos primórdios, havia: telex (umas fitas enormes, todas furadinhas) que era uma coisa já muito avançada para os anos 80/90, e o famoso Fax…(coitado) que hoje pertence ao “museu” da comunicação.
Até os e-mails que até hoje vamos trocando, já estão em plena decadência devido ao tempo de resposta da outra parte. Hoje navegamos quase que em frações de segundo entre remetente e destinatário, basta ver o WhatsApp, textos, conversas, vídeos, imagens etc., trocadas num ápice.
Posso dizer que sou do tempo das cartas de todos os tipos, das de amor, das da família (em minha casa era basicamente cartas que vinham de Portugal), das que tinham uma tarja preta (essas eram sempre de comunicação de falecimento de alguém), das cartas registradas, dos telegramas, tipo: “chego amanhã (ponto) voo das cinco (ponto) aguardo (ponto)”. Sim, eram assim os telegramas, reduzidos nas letras mas bastante incisivos. Cartas que invariavelmente começavam assim: “espero que esta vos encontre bem de saúde, que nós por aqui vamos andando..,.”. Lembro também dos postais que enviávamos quando estávamos em viagem, nomeadamente no estrangeiro, e queríamos dar um “cheirinho” às pessoas, do local onde nós estávamos (quem não recebeu?).
A figura do carteiro, hoje em dia fica restrita (pelo menos aqui em Portugal) às cobranças de impostos (que nervosamente abrimos), multas de trânsito, encomendas, às quais já podemos fazer o rastreio, e saber aonde exatamente se encontram, enfim…até as (famigeradas) contas de: água, luz, gás, telefone etc., foram praticamente abolidas com os práticos débitos diretos na nossa conta bancária.
Isto tudo sem falar na rapidez de consulta, através do “Dr. Google” e afins, para qualquer tipo de procura, desde a mais acadêmica, até a mais esdrúxula e pornográfica.
Vejam bem, até “copy paste” de entregas de doutorado/doutoramento se fazem hoje em dia, baseado no que está escarrapachado na NET.
Enfim, espero que o Mário não perca o saudável hábito de me enviar cartas. Cá estarei para com um misto de alegria e saudade, as receber. E que estas sejam carinhosamente entregues pelos “Cosmes” do séc. XXI.
Abraço a todos, e, mandem notícias…por carta, de preferência.
“A palavra mais simples e a carta mais grosseira são melhores, são mais educadas do que o silêncio”
(Friedrich Nietzsche)
SÉRGIO VIEIRA – Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Aveiro, Portugal. Jornalista, bancário aposentado, radicado em Portugal desde 1986.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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