Por José Carlos de Assis

Netanyahu faz da guerra ao Hamas um instrumento de propaganda política interna.

Imagine um território de apenas 365 quilômetros quadrados, ocupado por cerca de 2 milhões de palestinos que ali nasceram, ou foram para lá como exilados numa guerra em 1948, a qual lhes tomou as terras e casas ancestrais. Imagine agora que, numa nova guerra, a quarta na região, a potência militar vencedora, à caça dos militantes fanáticos que violaram suas fronteiras , matando ou sequestrando cerca de 1.500 de seus cidadãos, decidiu vingar-se com a eliminação total do grupo terrorista.

Eis um desafio estratégico quase impossível de ser resolvido. Os terrorista se infiltram no meio da população civil para usá-la como escudo, diante de um adversário com um poder de fogo muitíssimo maior. Frente a esse dilema, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, não teve dúvida. Mandou o exército do país, o quinto mais poderoso do mundo, invadir o Norte por terra e bombardeá-lo por mar e pelo ar, forçando a população a procurar abrigo no Sul, num corredor permitido.

Uma vez limpada com intensos bombardeios a região de Gaza no Norte, deixando o corredor aberto a fim de que os palestinos que ali viviam fossem para o Sul, concentrou todos os sobreviventes nessa área ainda mais restrita, com a promessa de levar a cabo a solução final implícita no seu compromisso de eliminar até o último integrante do Hamas. A isso chamou de “direito de defesa” de Israel, com apoio público dos Estados Unidos e de outros países europeus.

Seria exagerado chamar essa estratégia de genocida? Por que mulheres, idosos e sobretudo crianças devem pagar com a vida a brutalidade de um grupo desvairado de militantes que se tornaram terroristas, em face da recusa obstinada de Netanyahu e seus ministros da extrema direita em aceitar ao lado de Israel um Estado palestino? Quando do ataque de 7 de outubro do ano passado, o mais importante jornal de Israel, o Haaretz, não teve dúvidas em apontar como culpado o próprio Netanyahu!

O primeiro-ministro Netanyahu não é Israel.

A memória do holocausto, por sua vez, não é propriedade israelense. É uma marca indelével de violência bárbara sem precedentes no mundo, que, por sua dimensão trágica, pesa na consciência de todo homem civilizado, qualquer que seja sua nacionalidade. Entretanto, só se tomou conhecimento dele depois que os portões dos campos de concentração para onde Hitler mandou os judeus foram abertos pelos aliados no fim da Segunda Guerra.

Evidentemente, não há comparação quantitativa entre o holocausto e o que Netanyahu anuncia fazer no Sul de Gaza. Também não há comparação quantitativa entre o massacre já realizado até o momento em Gaza, com cerca de 30 mil mortos e dezenas de milhares de feridos, com o ataque do Hamas em Israel, com mais de 1.200 mortos e mais de 200 reféns. A diferença é que o mundo acompanha pela televisão o genocídio anunciado pelo primeiro-ministro, e o aceita como “direito de defesa”.

Creio que o pronunciamento de Lula na Etiópia refletiu sua inconformidade com os Estados Unidos e aliados europeus de Israel que, para encobrir uma hipócrita preocupação com os palestinos de Gaza, acrescentam logo que “Israel tem o direito de se defender”. Sim, tem, mas em qual escala? Israel tem um dos serviços de inteligência mais avançados do mundo. Com apoio americano e europeu, poderia fazer uma caçada implacável ao Hamas, por longo tempo, como os EUA fizeram com Bin Laden.

É essa precipitação que incomoda Lula. Como o incomodou ainda mais, pelo que ele disse na Etiópia, a retirada de ajuda humanitária aos palestinos, através da ONU, pelos governos dos EUA e de outros países ocidentais. Então é assim? Para castigar o Hamas, e seus financiadores, os aliados de Israel querem complementar suas ações militares com a morte pela fome e sede de dezenas de milhares de crianças, mulheres e idosos, depois do bombardeio intenso no Norte de Gaza.

Netanyahu faz da guerra ao Hamas um instrumento de propaganda política interna, depois que o povo israelense, com manifestações de centenas de milhares de pessoas nas ruas, barrou sua tentativa de submeter o País a uma reforma contra a democracia. Agora, aproveita-se da fala de Lula com o mesmo objetivo. Quer tornar a guerra ao Hamas um fato permanente, para permanecer no poder. Por isso, não aceita um Estado palestino livre, e diz isso abertamente, vedando acordos com eles.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, doutor em Engenharia da Produção, autor de mais de 25 livros de Economia Política e introdutor do jornalismo econômico investigativo no Brasil com denúncias de escândalos sob o regime militar que contribuíram de forma decisiva para o desgaste da ditadura nos anos 80. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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