Por Siro Darlan –
Escolhemos aquele que nos salvaria da selvageria, mas ainda não saímos dela.
A eleição de Lula foi o retorno a uma esperança de retomada de uma sociedade solidária e unida em torno de valores democráticos. Contudo nenhum passo foi dado para pacificação dos brasileiros divididos entre os que se odeiam e os que preferem ser odiados. O silencio das forças de esquerda, que Brizola já dizia só se unir quando presos, continua ensurdecedor, enquanto se ouve cada vez mais o barulho eloquente da extrema direita. As perseguições políticas que tanto desejamos que acabasse só mudou de lado, se antes o gato perseguia o rato, agora é o rato que persegue o gato, mas nada de paz social.
Vemos um Padre vivenciando a palavra dos evangelhos e sofrendo perseguição midiática e parlamentar, apenas por amar e demonstrar seu amor pelos pobres de forma cristã e desinteressada, e um silêncio sepulcral da própria Igreja Católica, mesmo sob o comando de Francisco, o Papa da Solidariedade. Padre Júlio parece estar sozinho, sob o silencio negligente de seus irmãos de fé. A CNBB outrora a voz dos pobres e excluídos não abraça mais as bandeiras dos mais excluídos abraçada por Jesus, da inclusão social dos presos, e periféricos, pois sequer se vê padre visitando as masmorras do sistema penitenciário. “Estava preso e me visitastes!”
A periferia continua sofrendo toda espécie de preconceito enquanto se perde toda uma juventude que não é abraçada pelos programas e políticas sociais, mas permanecem à mercê do poder do crime. Não há políticas de inclusão social nem mesmo destinada aos novos conscritos que passam um ano nos quartéis, tempo precioso desprezado quando se poderia transformar esse período de formação em cursos sobre cidadania e crescimento no mundo do trabalho. Armar a juventude para o crime, tem sido a utilidade do serviço militar na atualidade, enquanto perdemos gerações e gerações com uma famigerada e inútil “guerra às drogas”.
Os trabalhadores estão a perder seus direitos conquistados a duras penas, agora não apenas pela mudança das regras sociais promovidas pelo Congresso Nacional, mas por uma jurisprudência que apenas favorece o enriquecimento dos empresários cada vez mais ricos em detrimento da mão de obra cada vez mais barata e desprotegida dos trabalhadores. Até mesmo a Justiça do Trabalho, antes guardiã desses direitos, tem sido sucateada e ameaçada de extinção. Isso em pleno governo do Partido dos Trabalhadores. A precarização dos sindicatos tão enfraquecidos impede que os trabalhadores de forma organizada apostem e apoiem as reformas de base que nunca são promovidas pelo governo que escolhemos para realiza-las. As organizações civis, antes tão aguerridas não mais se movimentam em defesa das causas sociais e para dar suporte ao governo de Lula.
Nossa juventude cada vez mais criminalizada e sem destino que em momentos decisivos de nossa história se organizou e mobilizou a sociedade está sem liderança e sem a necessária iniciativa corajosa dos jovens. Não fossem as manifestações culturais e musicais dos jovens da periferia, não estaríamos sequer ouvindo as vozes do inconformismo, mas não refletem mais as injustiças e desigualdades sociais que assolam nosso presente histórico. O importante papel das artes para mudanças sociais está muito tímido e sem a força necessária para reverberar toda a indignação que o povo sente. A economia cada vez mais, como afirma o Papa Francisco “exclui, descarta e mata” não apenas nas guerras formais e insanas, mas nas práticas demolidoras de exclusão social para o enriquecimento cada vez maior dos mais ricos em contrapartida do sufocamento dos operários cada vez mais pobres e sucateados nesse mar de desigualdades sociais e econômicas.
“Nossa casa comum” continua sendo devastada pela emissão progressiva de gases tóxicos, que causa o aquecimento global, a contaminação de mares e rios, lagos e ar, a derrubada das florestas, em particular na Amazônia, a destruição, a devastação e desertificação crescentes das terras tomadas dos habitantes originários para a promoção e crescimento do agronegócio. Esse é um tema que interessa a todos os seres humanos, não apenas os atuais habitantes do planeta, mas a preocupação pelos que aqui chegarão e encontrarão uma terra devastada e inabitável.
O que fazer para evitar essa hecatombe? Como enfrentar as injustiças e discrepâncias socioeconômicas? Como despertar os gritos da sociedade que ficaram sufocadas nas jornadas de 2013, quando os jovens saíram em protesto pelas ruas da cidade e foram covarde a barbaramente calados pelas baionetas e processos judiciais que prejudicaram suas vidas e coagiram o restante com as ameaças reais de silenciamento das massas?
SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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