Por Miranda Sá –
“Eu acho que o escritor verdadeiro é aquele que escreve sobre o que ele viveu.” (Jorge Amado)
Fico às vezes encabulado com os elogios que fazem aos textos que escrevo, mas, sem falsa modéstia, uso apenas a técnica adquirida desde a juventude com o exercício diário de jogar no papel coisas que me vêm à cabeça, pensamentos, leituras, descrições ambientais e perfis de pessoas a quem observo por onde ando.
Aprendi também com o festejado escritor Eduardo Galeano que disse “procurar uma linguagem sem solenidade que permita pensar, sentir e se divertir, nada habitual nos discursos de esquerda”.
Há diversas entidades e livros que se propõem ensinar como escrever; lembro o “EducaBrasil” trazendo “Sete dicas para começar a escrever melhor” e o “Guia da Escrita”, livro do canadense Steven Pinker, psicólogo-linguista-cientista da Universidade de Harvard, divulgado pela revista “Superinteressante”.
O anedotário jornalístico inglês conta que foi por causa de um resfriado que o mundo ganhou a espetacular autora de contos policiais Agatha Christie. Ainda adolescente e confinada no seu quarto, sua mãe aconselhou-a a escrever um diário; mas em vez de fazer confissões pessoais como as outras meninas, escreveu uma história curta, a “short stories” da literatura inglesa, que conquistou o público norte-americano.
Ao se curar da enfermidade, Agatha ganhou dos pais um passeio ao Egito, e no Cairo escreveu um conto que enviou a um editor. Do projeto saiu um livro que a projetou como escritora consagrada e traduzida em vários idiomas.
É assim; começando é que se começa…. Nada mais do que muito exercício para adquirir a técnica. Não há dica melhor.
À guisa de memória, relembro as alegrias da infância reconhecendo a felicidade de ter nascido de um casal sedento por cultura, com o pai colecionador de obras eruditas e a mãe incentivadora da leitura e da escrita. Fundamos em casa um jornalzinho “A Folha da Glória”, onde todos da família escreviam, os velhos, eu e minha irmã Lúcia.
Nunca fomos escravos da gramática, mas discutíamos sobre o uso da vírgula, do ponto e vírgula, os dois pontos, e a crase… do nosso modo de ver, o estilo – recurso de linguagem para se expressar – é livre. Fazíamos o que Manuel Bandeira confessou: – “Nunca fui um antiacadêmico. O problema é que eu gostava de tomar minhas licenças com a língua…”
“Escrever” é um verbo; como transitivo direto define como representar o pensamento por meio da escrita. Como transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo significa expressar-se por meio de escrita e/ou usar caracteres numa mensagem.
Tive um professor que criticava o uso dos superlativos, que adoro; e outro chamou atenção sobre os sinônimos, dizendo que no dicionário não há dois vocábulos iguais, só equivalentes…
Já na faculdade, aprendi com um mestre uma coisa engraçada, mas verdadeira: ele dizia que o uso de frases latinas enriquece um texto porque o latim dá a qualquer ideia, por mais vulgar que seja, um certificado de seriedade…
Encontramos copiosamente a exibição do latim nas sentenças judiciais e nos discursos políticos dos picaretas letrados do Congresso, trata-se de uma terminologia corporativa, tipo “economês”, complicando o entendimento da realidade.
Falar em Economia e do economês, temos constatado um combate acirrado à agenda liberal do ministro Paulo Guedes que, aliás, está sendo fritado visivelmente pelos bolsolavistas; e também a tese dicotômica “vidas humanas vs retomada da Economia”. Considero trágico enxergar a pandemia do coronavírus deste ângulo; e lembrei a história do usurário e o rabino: “Um financista se viu isolado socialmente, até pelos parentes, e foi à procura do rabino atrás de um conselho para se reaproximar das pessoas. O sacerdote pegou-o pelo braço e levou-o à janela; – “Olhe por esta vidraça e diga o que vês”.
– “Vejo muita gente”, respondeu o ricaço. O rabino então apresentou-lhe um espelho e voltou a indagar: – “… E o que vês agora? ”; a resposta não se fez esperar: – “vejo somente eu”.
“O religioso esclareceu então, como conselho, que tanto a vidraça como o espelho são vidros, mas o vidro do espelho se reveste de uma camada de prata. Por causa do metal precioso deixa-se de ver os outros para só enxergar a si mesmo…”
MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
MAZOLA
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