Por Jeferson Miola –
O ministro da Fazenda Fernando Haddad conseguiu emplacar a discussão sobre a necessidade de taxação de super-ricos no encontro de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20. Uma conquista louvável.
Tributar super-ricos é uma exigência ética e de justiça tributária. Afinal, existem apenas 2.781 bilionários no mundo. Juntos e somados, acumulam a impressionante riqueza de US$ 14,2 trilhões [Forbes] – equivalente a 14% do PIB mundial de 101,3 trilhões de dólares.
Os 2.781 super-ricos que são proprietários de 14% da riqueza mundial representam a proporção ínfima de 0,000000000347625 por cento da população humana na superfície do planeta Terra, de oito bilhões de pessoas.
A taxação desses super-ricos com alíquota de apenas 2% possibilitaria uma arrecadação anual de US$ 284 bilhões de dólares. De acordo com o FMI, apenas 47 dos 193 países-membros da ONU têm PIB superior ao valor que poderia ser arrecadado.
Apesar de urgente, a taxação das grandes fortunas é, porém, de difícil concretização no curto prazo. Mesmo com o avanço do debate intergovernamental mundial sobre a medida, os efeitos para o aumento da arrecadação nacional brasileira ainda terão um longo percurso.
Um exemplo das dificuldades para se avançar na justiça tributária internacional é a iniciativa em torno da Taxa Tobin, proposta pela Associação pela Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos/ATTAC.
Lançada no longínquo ano 1998 do século passado, a proposta da ATTAC não vingou, apesar de propor a alíquota ridícula de 0,1% de taxação dos capitais financeiros e parasitários que vivem da rapinagem das sociedades nacionais – num círculo vicioso, anoitecem no Brasil e amanhecem em algum mercado especulativo da Ásia.
Haddad tem consciência da dificuldade, e disse não ver problemas “se levar 1, 2, 5 anos. O problema é você se colocar a tarefa correta diante dos desafios que estão colocados para a humanidade”.
Enquanto, porém, Haddad pautou a taxação dos super-ricos no G20, no mesmo dia fontes do governo abasteceram a mídia neoliberal com a notícia de que o “governo estuda mudanças em seguro-desemprego e BPC para reduzir despesas”.
O jornal Valor Econômico [25/7] noticiou que o “governo estuda mexer nos critérios de concessão do Benefício de Prestação Continuada [BPC] e mudar as regras do seguro-desemprego, em mais uma frente de trabalho para reduzir despesas obrigatórias e fazer com que elas caibam dentro dos limites do novo arcabouço fiscal”.
“De acordo com duas fontes, os estudos já foram solicitados e estão em andamento. Contudo, as propostas ainda serão desenhadas e vão passar pelo crivo político do presidente Lula no momento adequado”, destaca a matéria.
Segundo o Valor, “uma fonte da equipe econômica garantiu que o tema não é ‘tabu’ dentro do governo, e será enfrentado”.
Uma possibilidade estudada seria expurgar a dedução de despesas de saúde, que permite que um idoso integrante de família com renda per capita até meio salário mínimo seja beneficiado. Marcos Mendes, pesquisador do neoliberal INSPER entrevistado pelo Valor, defende que “seria correto voltar a idade do BPC para 70 anos, como era inicialmente”, além de “ter critérios mais seletivos na definição de deficiência”, benefício que já é condicionado à realização de perícia médica.
O BPC é um benefício de um salário mínimo pago a pessoas com deficiência e a idosos a partir de 65 anos e com renda familiar mensal per capita de até ¼ do salário mínimo, podendo beneficiar idosos com renda familiar até meio salário mínimo com a dedução de despesas de saúde, conforme citado acima.
Conforme o Valor, “as mudanças no BPC e no seguro-desemprego estão sendo estudadas como uma alternativa à desvinculação desses gastos da política de valorização do salário mínimo”, que “já foi descartada publicamente pelo presidente Lula”.
O BPC se constitui no principal instrumento para retirar da miséria e indigência pessoas idosas que, em consequência da destruição da legislação trabalhista e do trabalho informal durante a vida laboral, não conseguiram contribuir para a própria aposentadoria, e ficariam absolutamente desamparadas.
O combate permanente a fraudes e inconsistências não pode ser confundido com retrocessos nas conquistas dos benefícios assistenciais para pessoas com deficiência e idosos a partir de 65 anos, cujo peso demográfico é, inclusive, ascendente e vai demandar ainda mais recursos orçamentários.
Fazer ajuste fiscal sobre idosos e pessoas com deficiência para que as despesas “caibam dentro dos limites do novo arcabouço fiscal” é socialmente inaceitável e um grande equívoco político, porque pode fazer erodir a base social do governo Lula justamente nas faixas etária e de renda nas quais o governo é melhor avaliado.
Um governo que enfrenta a oposição feroz e colérica da maioria de direita e extrema-direita que domina o Congresso não pode se dar ao luxo de executar o ajuste fiscal sobre a população mais vulnerável, pois a perda de apoio popular poderá ser fatal para sua própria sobrevivência.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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