Por Wilson de Carvalho

Não fossem as centenas de ações do Judiciário, em todo o país, estaríamos hoje, amargando muito mais mortes pelo Covid-19. Elogios também às Polícias Federal e Estaduais no trabalho incansável contra os criminosos da pandemia, piores que quaisquer outros de toda a sociedade. O próprio STF foi obrigado a intervir para “correções”. Entre elas, a de fazer voltar o critério de informações das mortes, impedindo, pasmem, o fake news do governo que mostraria ao mundo uma falsa eficiência no combate à pandemia no nosso país. Virão mais intervenções da Justiça, pois atingimos o pico da pandemia, o que se prevê pela OMS apenas para o mês de agosto. Não faltarão pedidos de liminares e recursos para  anulações até absurdas como a obrigatoriedade do uso de máscara pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que deveria dar exemplo e faz exatamente o inverso. Impunemente.

Presidente sem máscara com bombeiros (crédito: Agência Brasil)

Por decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi estabelecido um sistema de plantão extraordinário com os magistrados trabalhando por meio do teletrabalho para atender demandas ordinárias que tramitam nas varas e, no regime de plantão presencial, para atender às demandas urgentes.

Mesmo assim, não tem sido fácil para o Judiciário nestes quase quatro meses de pandemia, com destaque também para os Ministérios Públicos impedirem  o verdadeiro caos agravado por péssimos governantes. A maioria preocupada com as eleições municipais previstas para outubro. Ou ainda por descaso, incompetência ou mesmo por desvio de dinheiro público na compra de medicamentos e equipamentos, o que motivou inúmeras prisões.

O presidente Jair Bolsonaro também tem dado muito trabalho à Justiça e a órgãos internacionais que o acusam de prática de crime contra a humanidade.  De nada adiantou a determinação do juiz federal Renato Borelli,  da 9ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que o obrigava a usar máscara de proteção contra o Covid-19 em todos os espaços públicos, incluindo ruas e estabelecimentos comerciais. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu e reverteu, permitindo  que o presidente continuasse com o péssimo exemplo.

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro José Antonio Dias Toffoli chegou a afirmar que atitudes “dúbias” do presidente Jair Bolsonaro “impressionam e assustam” o Brasil e o mundo. E pediu uma “trégua” entre os  Poderes e prioridade no combate ao coronavírus.
No mesmo discurso, Toffoli destacou que os governos têm “o dever de prestar contas” e, na sequência, elogiou iniciativa da imprensa para divulgar os dados de coronavírus após o governo mudar a divulgação dos dados consolidados sobre a pandemia no país.

Há também que considerar as pressões de empresários e do próprio presidente Jair Bolsonaro para a reabertura total do comércio. Até no esporte, onde a  TV Globo tentou de todas as formas a volta antecipada dos campeonatos estaduais, justificando estádios sem público, mas omitindo o risco aos profissionais de apoio aos jogos. Dirigentes do Flamengo chegaram a criticar o MP por ser contra o retorno do futebol. A Justiça  entrou em ação e decidiu pela volta dos Estaduais só em agosto com base científica, mas deixando o futebol carioca fazer a antecipação um mês antes. Tentativas fora do Rio foram bloqueadas em outros Estados pelos próprios governantes e dirigentes de clubes.

Em plena pandemia, o técnico Jorge Jesus é erguido pelo time do Flamengo depois da conquista do Carioca 2020 (crédito: Thiago Ribeiro/AGIF)

Vergonha mundial

De Norte a Sul do país,  em longa pesquisa que fizemos, fica impossível, por falta de espaço, inserir todas as ações  judiciais.  O trabalho tem sido constante. Não para. E mais ainda para os julgamentos de ações que se acumularão durante e após a pandemia. Trabalho árduo da Justiça que tem acontecido  há décadas, antes da pandemia, para obrigar os governantes à garantia mínima nos atendimentos médicos, cirurgias, internações, entre outros, o que, mesmo assim, tem sido difícil. Ou seja, o número de brasileiros mortos por falta de atendimento médico  sempre foi grande, em um verdadeiro extermínio.  O que, vale enfatizar, não acontece com tanta gravidade e descaso à vida humana em  todo o mundo, com exceção de alguns países africanos.

E quando se considera que chegamos ao cúmulo da desonestidade, salvo raríssimas exceções,  de governantes, vereadores, deputados, assessores e empresários criminosos, roubando e superfaturando a compra de medicamentos e equipamentos para reduzir o número de mortes, o que pensar senão numa vergonha mundial. E como penalizá-los duramente. Reformar as leis que não estão resolvendo, seria uma saída, conforme prova, em especial, a quadrilha comandada pelo ex-governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral, a rigor, o único cumprindo pena no sistema penitenciário. Quase todos em suas mansões. Prisão perpétua, pelo menos?

E assim tem sido. Enquanto o vírus segue matando, o roubo também não para, apesar das ações da polícia e da Justiça, pelo mesmo  motivo: compra de equipamentos superfaturados e, pior,  muitos que não chegam, além de hospitais de campanha apenas de fachada, e medicamentos 700% mais caros. Ou a   descoberta mais recente de outra compra milionária e superfaturada de soro fisiológico. Desnecessário, o que é mais grave, segundo os médicos, para o tratamento contra o vírus.

Profissionais de Saúde do SUS recebem paciente na entrada de hospital em Brasília (crédito: Sérgio Lima/Poder360 –4.abr.2020)

Médicos sem salários

No Estado do Rio, onde várias prisões foram efetuadas, ladrões, travestidos de secretários e assessores do governador, ameaçado de impeachment, chegaram a comprar carrinhos de anestesia na tentativa de enganar como se fossem respiradores.  E, mais uma vez, com o governador se defendendo   das acusações de, no mínimo, ter sido conivente ou omisso.  Em várias capitais, médicos e enfermeiros  reclamam da falta de pagamento dos salários, apesar dos muitos milhões de reais liberados pelo governo federal. Imaginemos como  roubariam mais se o governo tivesse disponibilizado o percentual correto na verba destinada para o combate ao Covid-19. E não o equivalente a menos de 30%, de acordo com informações de ex-integrantes do próprio Ministério da Saúde.

Para se entender também a bagunça generalizada e o descaso à vida humana, marca registrada em nosso país, além da corrupção,  do roubo e do aumento dos preços nos supermercados, difícil acreditar o que aconteceu no Mato Grosso do Sul. Um hospital construído pelo Exército, permaneceu vazio, por muito tempo,  pasmem, por falta de profissionais.  Em mais uma intervenção importante, evitando um maior número de mortos, a Justiça impôs  bloqueio total no Maranhão,  onde os governantes insistiam em não seguir as recomendações da OMS e das autoridades médicas brasileiras.

Quase quatro meses depois, não há indícios de que o pior já passou, garantem os cientistas, principalmente no desorganizado Brasil, onde o primeiro caso  foi confirmado em 26 de fevereiro, mas com as medidas de isolamento social começando só em março. Pelo próprio desrespeito da população, indisciplinada e idiotizada, não afastamos o risco de mais mortes. Mesmo assim,  governantes resistem. E com alguns  determinando a volta ao bloqueio total com fechamento do comércio. O prefeito Marcelo Crivella  chegou a criar o Conselho Científico  para justificar a antecipação de abertura dos shoppings. Claro, pressionado para atender as vendas em dois feriados nacionais e, óbvio, arrecadar impostos abusivos.

O juiz Bruno Bodart da Costa, da 7ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça, entrou em ação e determinou a suspensão da flexibilização da quarentena no Rio de Janeiro, adotada também pelo governador Wilson Witzel.  Houve o recurso e a revogação da decisão acertada do juiz, que afirmou: “Estão em jogo vidas humanas e quase sete mil pessoas já faleceram em todo o Rio de Janeiro”. Uma frase que ficou no ar, conforme foi registrado no dia a dia da pandemia, nestes quase quatro meses de muito roubo e, sobretudo, descaso e desrespeito com o povo,  marca registrada do Brasil.

INTERVENÇÕES EM TODO O PAÍS

Nos exemplos documentados a seguir, e não foram todos, pois a matéria teria se transformado em livro, podemos ter a noção exata do trabalho extraordinário da Justiça na luta contra o Covid-19.

Profissionais de saúde em frente ao Hospital Regional da Asa Norte, referência no tratamento de covid-19 em Brasília (crédito: Agência Brasil)

Acompanhem o verdadeiro Hospício Brasil nas ações do Judiciário:

Decretada prisão preventiva de dois acusados de fabricar e vender álcool em gel falsificado; MPRJ apura irregularidades em compras de medicamentos; Justiça determina que 97 respiradores retidos no Aeroporto Tom Jobim sejam entregues à Secretaria de Saúde do Estado; Rio pagou por respiradores que não servem para Covid-19 no dia em que dono de empresa suspeita foi preso;

Justiça do Rio proíbe reabertura de escolas;  Justiça interdita complexo da Vale em Itabir, após casos de coronavírus; Indígenas do Vale do Javari pedem socorro à Justiça; Governador e prefeito do Rio se desentendem e aumentam  riscos para a população; TJ-RJ suspende decreto de Crivella que liberou funcionamento de lojas de construção e lotéricas;

MPRJ e Defensoria Pública pedem tutela antecipada contra decreto de governador do Estado do Rio; TJRJ suspende decreto de Crivella que liberou funcionamento de lojas de construção e lotéricas; Justiça derruba decreto municipal que permitia realização de atividades religiosas presenciais no Rio;

Juízas destinam verbas para aquisição de respiradores; negado pedido liminar para retomada imediata das atividades econômicas no Rio Grande do Sul; Justiça do Trabalho de Minas determina repasse de R$ 1,4 milhão para testes rápidos da Covid-19 em Araguari; Justiça garante leitos na  UTI a dois pacientes que precisam de ventilação mecânica; Com precatórios, TJ-DFT realiza pagamento de 199 credores do grupo de risco do novo coronavírus; Juíza determina liberação de FGTS para trabalhadora transferida de empresa; Presidente do TST suspende liminares sobre ferroviários de SP.

MPT e TRT-15 destinam mais de R$ 5 milhões para combate ao COVID-19;  “Call centers” de MG deverão adotar proteção aos trabalhadores contra o coronavírus; liminar garante ambiente seguro aos empregados do MetrôRio em razão da proliferação do coronavírus;  Justiça Federal da 5ª Região doa R$ 3,6 milhões para tratamento da doença; no Mato Grosso do Sul, polícia federal destina mais de R$ 4 milhões para o combate ao novo coronavírus;

Justiça Federal de Castanhal/PA destina R$ 200 mil à Santa Casa de Misericórdia do Estado;  TRF-3 mantém autorização para farmácias populares realizarem entregas em domicílio; JF-ES determina a transferência imediata de dois milhões de reais para a Sesa utilizar no combate à COVID-19;  TRF-2 nega habeas corpus pedido pela DPU para todos os presos em grupos de risco para a Covid-19;

Magistratura maranhense mantém alta produtividade em sistema de plantão extraordinário; empresa tem pedido de retorno às atividades normais durante a quarentena, negado pelo TJCE;  Juíza suspende decreto de prefeito e proíbe reabertura do comércio de Parnaíba (PI); Desembargador do TJ-MT suspende parte de decreto estadual que flexibiliza contenção do coronavírus;

Justiça do Amapá proíbe realização de eventos que resultem em aglomerações para evitar contágio por coronavírus;  33ª Vara Cível do Recife determina que fornecimento de água durante disseminação do novo coronavírus não pode ser interrompido; ao atender  restrições ocasionadas pela COVID-19, magistrado suspende visitas de uma avó ao neto no Piauí;
TJ-RO destinará R$ 4 milhões ao Estado para ações de combate ao coronavírus; Juíza de Bento Gonçalves (RS) produz máscaras de proteção para comunidade; 4ª Vara de Penedo (AL) destina cerca de R$ 290 mil para investimento no combate ao novo coronavírus;  em Pernambuco, Juiz acata pedido para Celpe não cortar energia durante pandemia do coronavírus;  Comarcas que não adquiriram máscaras e álcool gel receberão o material do TJ-RS.

Leitos para pacientes de coronavírus, em Manaus (Divulgação/Prefeitura de Manaus)

DO ACRE AO RIO GRANDE DO SUL

Justiça do Trabalho  destinou  R$ 80 milhões para o combate da Covid-19;  TJPB destina mais de R$ 4 milhões entre depósitos em juízo e penas pecuniárias ao combate à pandemia; TJDFT realiza pagamento de 199 credores do grupo de risco do novo coronavírus, com precatórios; TRF-3 mantém autorização para farmácias populares realizarem entregas em domicílio;

JFES determina a transferência imediata de 2 milhões de reais para a Sesa utilizar no combate à COVID-19; Magistrados baianos destinam recursos de penas pecuniárias a ações contra o coronavírus; Juiz determina que Estado divulgue informações detalhadas sobre o coronavírus no Piauí; Juiz de Curitiba suspende o despejo de uma família; Juíza suspende decreto de prefeito e proíbe reabertura do comércio de Parnaíba (PI);

Justiça do Amapá proíbe realização de eventos que resultem em aglomerações para evitar contágio por coronavírus; Judiciário baiano destina recursos provenientes de ações penais para ajudar no combate à Covid-19;  Juiz fixa medidas para atendimento a moradores de rua em Teresina, durante a pandemia do coronavírus;

33ª Vara Cível do Recife determina que fornecimento de água durante disseminação do novo coronavírus não pode ser interrompido; no Acre, mais de R$ 60 mil são destinados para confecções de materiais de proteção para profissionais da Saúde; TJPI destina recursos de prestações pecuniárias e transações penais para combate ao coronavírus;

Juíza de Bento Gonçalves (RS) produz máscaras de proteção para comunidade; 4ª Vara de Penedo (AL) destina cerca de R$ 290 mil para investimento no combate ao novo coronavírus;  Magistrados de Santa Catarina decidem sobre proteção de menores na quarentena; Covid-19: Decisão judicial garante proteção nas delegacias do Piauí; TJPI: Juiz determina interdição de entidade irregular no atendimento a idosos TJTO determina entrega de itens de prevenção ao coronavírus em delegacias, após denúncia de máscaras vencidas;

Juízes das varas de execução penal de Fortaleza suspendem cumprimento de decisões de saídas temporárias e novos pedidos; TJPR envia valores que podem chegar a R$ 50 milhões, provenientes do cumprimento de penas de prestação pecuniária, ao Fundo Estadual de Saúde
TJRN vai viabilizar aluguel de 350 tornozeleiras eletrônicas para presos do regime semiaberto; TJPE acata pedido para Celpe não cortar energia durante pandemia do coronavírus;  Comarcas que não adquiriram máscaras e álcool gel receberão o material do TJRS; Observatório: Justiça acompanhará processos sobre coronavírus (CNJ);

TJRN destina R$ 260 mil de penas pecuniárias para aquisição de aparelhos respiradores; TJRS doa máscaras e álcool em gel para o trabalho de agentes nos presídios; Justiça de Itapira (SP) determina isolamento de casal que retornou da Europa e debochou de coronavírus; Justiça de Aracruz (ES) destina verba de penas pecuniárias a ações de prevenção ao Covid-19;

Justiça garante um terço da frota dos ônibus de Cuiabá para atender profissionais da saúde;  juiz determina que hospital em processo de falência seja utilizado pelo Estado de Goiás,  durante pandemia;  magistrada autoriza colação de grau antecipada a estudantes de Medicina da UESPI para auxiliar na contenção da Covid-19; Justiça de João Pessoa (PB) proíbe o corte de energia de consumidores inadimplentes.


WILSON DE CARVALHO – Jornalista e escritor, colunista do Jornal Tribuna da Imprensa Livre, ex-secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Três livros publicados, cobertura de cinco Copas do Mundo, campeão de prêmios de reportagens esportivas no Estado do Rio, nos anos 80 e 90. Entre os grandes jornais, só não trabalhou em O Globo. Um dos principais ícones da crônica esportiva e do Jornal dos Sports e O Dia, veículos onde ganhou a maioria dos prêmios, entre eles, duas Bolas de Ouro, e em inúmeras séries de reportagem, tais como “Máfia da Loteria”;  “Roubo da Jules Rimet”; “No futebol não tem mais ninguém bobo” e “Pelé não teme o dia em que deixar de reinar e voltar a ser Edson”.