Por Lincoln Penna –
O fascismo não é uma ameaça. O fascismo está entre nós. (Boaventura de Souza Santos).
Um capitalismo humano, “social” e verdadeiramente democrático e igualitário é mais irreal e utópico do que o socialismo. (Ellen Wood).
Coloco esta questão em razão do crescimento do apreço pela democracia, sobretudo após os atos do terrorismo golpista do dia 8 de janeiro. E o faço para que ao reafirmarmos a imperiosa necessidade de cuidarmos da existência do convívio democrático tenhamos clara a importância de dar sentido a democracia que queremos mantendo o estado democrático de direito. Afinal, os golpistas de 1964 içaram a bandeira da democracia para justificar o golpe que nos levou à ditadura.
As forças sociais e políticas que estão empunhando a bandeira da democracia não o fazem como mero recurso para se legitimarem, o que seria desnecessário porque o novo governo já está legitimado pelo voto popular. Mas, não custa nada reforçar a nossa memória quanto ao uso instrumental da democracia com vistas, aí sim, a tentarem legitimar uma farsa, haja vista o regime imposto na data de primeiro de abril de 64. Seus autores o intitularam de “Revolução Democrática de 31 de março”, fraudando inclusive o dia, e se arvorou em defesa da tríade típica do integralismo ao reverenciar a família, a ordem e a propriedade. Fato distante para a grande parte dos brasileiros, mas que é preciso lembrar sempre.
Tenho afirmado e reafirmado a tese segundo a qual aquele golpe que nos fez desviar de nosso caminho soberano que buscávamos não foi removido por completo. Daí, o golpe continuado a reaparecer de quando em vez dado que não foi erradicada sua regem e motivação e muito menos a punição de seus agentes. Com isso, teve a sua memória exaltada pelo bolsonarismo a pregar o retorno dos tempos da ditadura e os desdobramentos todos conhecem. A democracia que temos amparada pela Constituição de 1988 é fundamental para que possamos descortinar perspectivas mais alentadoras para o povo brasileiro, porém sua aplicação torna-se necessária sempre que venha a ser violada ou ameaçada.
E é precisamente essa democracia que nos permite impulsionar horizontes mais amplos, de modo a integrar definitivamente o enorme contingente social que ainda se encontra precariamente assistido. Por isso, ao defendermos a democracia e darmos viva pela sua preservação depois das várias tentativas antidemocráticas é que convoco os democratas de correntes as mais diversas para a tarefa de sustentá-la como referência para dar continuidade a sua construção, pois se trata de uma obra aberta voltada para a incorporação de novas aquisições a favor do povo.
Ao fazer esse apelo convocatório renovo as minhas lembranças de meu mestre Pierre Vilar, que sempre nos dizia que a história é uma ciência em construção, isto é, uma realidade em movimento permanente.
Defendamos e louvemos a democracia que temos e que resistiu às investidas ao longo dos últimos quatro anos, principalmente, mas procuremos estendê-la de maneira a incorporar ao seu destino as grandes massas do povo brasileiro, ainda descrente quando se fala em democracia, que eles desconhecem na razão direta de sua dura realidade.
Cabe aos cientistas sociais, historiadores, todos os que labutam na esfera da informação e da produção do conhecimento e demais cidadãos conscientes independentemente de suas atividades profissionais o dever de dar sentido à defesa e ampliação de direitos e deveres previstos em um regime democrático, e a apontar para que se ampliem esses compromissos sociais e políticos.
Como conquista permanente, a democracia só tem sentido se cada qual puder exercer os seus direitos e tornar eficaz o dever de cidadania, sem o que a democracia cristalizada reforça a sociedade em vigor, cuja desigualdade social tem sido realimentada. E sabemos que essa página precisa ser virada para que vigorem os fundamentos que enaltecem o sentido da democracia como valor a ser reinventado sempre que novas demandas surjam em decorrência de justas necessidades.
Dentro dessa questão cabe uma última observação tendo em vista o início do novo governo. Ele é o resultado da democracia, seja no sentido de sua composição plural, ou no que diz respeito à legalidade de sua ascensão pela via política e eleitoral.
Apoiá-lo como representação da vontade popular é um dever de cidadania, assim como cobrar as decisões que consultem os interesses populares, também.
Contudo, o exercício do ser social que somos exige posicionamento para que tenhamos de fato uma gestão pública e democrática, e isto independe de cargos ou funções governamentais. Cientes das responsabilidades devemos nos constituir como sociedade organizada e destinada a levar não somente bons fluidos aos nossos governantes, mas atitudes de permanente fiscalização de seus atos, elementos indispensáveis e presentes nos princípios da República, que junto com a democracia tem um grande desafio, qual seja o de funcionar plenamente a despeito do modo no qual se inserem, o capitalismo.
Bom seria, que a sociedade como um todo pudesse desvendar essa realidade que costuma ser mascarada na mídia oficial. E ela consiste em deixar claro que há empecilhos para a condução e o bom curso de uma gestão pública comprometida com os anseios da população, geralmente às voltas em seu cotidiano envolto com as suas adversidades. E isto decorre da lógica do capital e de sua infernal obstinação em manter suas ferramentas da acumulação desenfreada.
Pedagogicamente é possível fazer chegar à consciência dos brasileiros mais humildes e em boa parte desassistidos informações que lhes tirem da ingenuidade e levados a acreditar que a situação em que se encontram faz parte de seus destinos. Essa ideologia da naturalização conduz a ignorar os mecanismos da exploração e facilita o ingresso dos conteúdos ideológicos através de vários meios acessíveis às camadas populares representada especialmente pelas redes sociais.
Temos a oportunidade de contarmos com a volta de Lula, que além de ser uma liderança indiscutível tem o dom de poder manter uma interlocução fácil e em condições de elevar essas consciências ingênuas.
Que ele cumpra esse papel será algo extremamente salutar para dar à sociedade política que temos o impulso para torná-la mais democrática e mais segura diante de novos assaltos golpistas indesejáveis.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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