Por Aderson Bussinger –
O Supremo Tribunal Federal, a Cúpula do sistema judicial brasileiro, está para concluir julgamento que pode impactar de modo diretamente o Direito do Trabalho e, de modo geral, concomitantemente, as relações trabalhistas no Brasil, empresários, trabalhadores, sindicatos, advogados, juristas, professores, magistrados da Justiça do Trabalho, MPT, Ministério do Trabalho, entes públicos empregadores pela CLT, enfim, o denominado mundo do trabalho. Trata-se do exame da Convenção n. 158 da OIT, a partir de ação proposta há mais de duas décadas pela CUT e Confederação dos trabalhadores na agricultura, a qual, a depender do desfecho que vier a ocorrer, pode vir a declarar a invalidez do decreto do presidente Fernando Henrique Cardoso que cancelou a adesão do Brasil a esta convenção e, assim, abrir-se uma nova etapa nas relações laborais, ou melhor, retomar uma etapa, conforme explicarei adiante, pois tal convenção foi aplicada por um breve interregno de tempo.
Devo registrar que pessoalmente ouço falar desta convenção desde quando comecei a estagiar e trabalhar na advocacia sindical, em 1984, pois se trata de uma convenção aprovada pela OIT em 1982, antes, portanto, do fim do regime militar no Brasil e também anteriormente á constituição de 1988, que diversos e inegáveis avanços trouxe para os direitos sociais, vide os seus artigos 7, 8 e outros dispositivos.
Mas porque este julgamento é tão importante? Para responder a esta pergunta, basta apenas lermos o seu art. 4, no qual está escrito que “Um trabalhador não deverá ser despedido sem que exista um motivo válido de despedimento relacionado com a aptidão ou com o comportamento do trabalhador, ou baseado nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço”. E para melhor situar o tema, cumpre assinalar que no Brasil vigora o regime da dispensa sem justa causa, nos termos da CLT, embora, particularmente, independente da convenção 158, eu tenho a opinião de que, nos termos da atual constituição, vide art. 7, I, e também art. 4, 170, 193, que valorizam o trabalho, bem como da própria teoria dos contratos, toda demissão, para mim, deveria ser juridicamente justificada por alguma razão, assim como, por exemplo, existe a previsão de justa-causa no art. 482 da CLT. Melhor dizendo: se o empregador teve motivos para fazer a admissão de um empregado, não é menos verdade que teve um motivo para excluí-lo da relação de emprego.
O fato, contudo, é que caso seja invalidado pelo STF o decreto presidencial de FHC que, como visto, subtraiu o Brasil da aplicação da Convenção 158, os trabalhadores ficarão doravante mais protegidos ante a verdadeira “denuncia vazia” que consiste a dispensa sem justa causa, apesar da previsão indenizatória, pois subtrai do trabalhador a condição que lhe é mais importante e vital para sobreviver, qual seja, o situação de seguir empregado, com todos os reflexos advindos para sua vida e de seus dependentes, pois, como a canção do eterno Gonzaguinha, o homem sem o seu trabalho não é nada, pois todos sabemos que um homem e uma mulher sem emprego se torna um ser humano debilitado socialmente no sistema capitalista, em maior ou menor grau, a depender, é claro, do sistema de previdência social existente e políticas compensatórias, mas que, por outro lado, depende de outros fatores de natureza política, ou melhor, diretriz de cada governo.
Do ponto de vista estritamente jurídico, a discussão no STF se dá em torno constitucionalidade do cancelamento ordenado por FHC, o que, em minha opinião, foi inválido, por não ter sido submetido ao Congresso Nacional, bem como descumprir formalidades aplicáveis, cabendo também assinalar, por outro lado, que o mesmo STF já decidiu, em cautelar, que a convenção não é autoaplicável, o que também discordo, mas esta seria uma discussão para depois deste julgamento em comento.
A questão fundamental é que, do ponto de vista daqueles que se dedicam a defesa jurídica da classe trabalhadora, como eu, se trata de uma convenção muito útil e necessária, que, uma vez cancelada referida decisão de FHC, em muito poderá contribuir para a luta contra as demissões injustificadas, que são notoriamente fator de instabilidade e mesmo angústia para qualquer empregado, que, na maioria das vezes, é surpreendido com uma carta de dispensa “sem juta causa”, ( e ás vezes até um telefonema, um e-mail), quando sabemos que, imotivada nenhuma demissão é ! Há sempre algum motivo e, a meu ver, o ordenamento jurídico não pode deixar de regulamentar este ato, como, ademais, é regulamentado o ato admissional.
Em verdade, o princípio da livre iniciativa, pedra angular do liberalismo e, por conseguinte, da ordem econômica vigente, não pode consistir em um “passe-livre” nas relações laborais, assim, como também não possui liberalidade integral no direito ambiental e em matéria sanitária, como bem ficou demonstrado na recente Pandemia, restando ao STF realmente concluir esta votação tão importante. Evidente que existem outras garantias legais como o aviso prévio, FGTS, o seguro-desemprego, proteção á gestantes, sindicalistas, mas o tema da dispensa imotivada é muito mais profundo que isto, pois a permanência desta forma rescisória no mundo trabalhista, sem declarado critério, impõe uma situação de desproporcional poder patronal sobretudo nos conflitos coletivos trabalhistas, em que a demissão é instrumento de retaliação e ato antisíndical.
Caminhando já para ao final destas breves considerações, quero destacar que, par além das consequências maléficas do regime de demissão injustificado, é no âmbito das campanhas salariais que trazem consequências mais daninhas. Quero me referir, especificamente, como exemplo, a postura da CSN de Volta Redonda, que, na campanha salarial de 2022, demitiu toda a comissão de empresa eleita para negociação coletiva, bem como centenas de grevistas, o que foi objeto de recomendação contrária do MPT, entendendo a CONALIS( COORDENAÇÃO NACIONAL DE LIBERDADE SINDICAL) tal fato como comportamento persecutório, sendo que a maioria absoluta dos demitidos foi excluída da empresa, “sem justa causa”, em pleno movimento grevista, quando bem sabemos dos reais motivos de tais dispensas, que, inclusive, estão sendo anuladas pelo judiciário trabalhista.
Citei a siderúrgica CSN, por integrar a equipe de advogados deste sindicato dos metalúrgicos, bem como pelo fato de que todos fatos referentes á repressão de greves nesta empresa, (em Volta Redonda e também no setor portuário e de mineração), serem de amplo conhecimento público e notório, registrados igualmente em processos judiciais, mas também poderia citar outras empresas, como já ocorreu com a FIAT, EMBRAER, BANCO ITAÚ e, inclusive, outrora, empresas estatais como a PETROBRAS. Em lugar de realizar a negociação coletiva e respeitar o direito de greve, trata-se de um expediente useiro e vezeiro das empresas, infelizmente, valerem-se do poder patronal de dispensa para tentar coibir o movimento sindical, suas legitimas e legais mobilizações, todos protegidos pelo direito de livre organização sindical, mas que esbarram, quase sempre, nas “ demissões imotivadas”, como forma de tentar-se derrotar estes movimentos, quando não aplicam a “justa-causa” forjada, fraudulenta, sem confirmação nos fatos, que, na maioria das vezes, consegue-se reverter na justiça do trabalho, mas infelizmente quando passados muitos anos de tramitação dos processos.
Finalizando, quero dizer que independente do resultado do julgamento do STF sobre o tema da Convenção 158, aqui tratado, ainda que de maneira inicial, reconheço, eu creio que esta Convenção não pode e não deve sair do horizonte de todos que se dedicam ao direito do trabalho e ao direito sindical, especialmente, como também se trata de assunto intrinsecamente legislativo, jurídico-político, devendo constar da pauta do movimento sindical e da advocacia trabalhista. Temos avanços nos regimes jurídicos de servidores públicos, onde exige-se a abertura de sindicâncias, inquérito, na forma do devido processo legal, protegendo assim o servidor do desligamento arbitrário, mas infelizmente a demissão no âmbito da iniciativa privada é, como regra geral, despótica.
O melhor regime, para mim, em termos razoáveis, ante o estrutural poder do empregador sobre o hipossuficiente empregado, (bem como a ausência de efetiva liberdade sindical e garantia de minimamente simétrica negociação coletiva), é a aplicação da Convenção 158, sim, imediata, e espero e luto para que isto ainda se transforme em realidade, seja pelo STF, ou pelo legislativo, o que, entretanto, não irá acontecer sem muita luta dos verdadeiros interessados que são os trabalhadores e trabalhadoras.
ADERSON BUSSINGER CARVALHO – Advogado sindical, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, membro do IAB, ABRAT, ABJD, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, Diretor da AFAT- Associação Fluminense de Advogados Trabalhistas. Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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