Redação

O deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), de 23 anos, um dos líderes do MBL (Movimento Brasil Livre), está alinhado com a autocrítica feita pelo grupo em relação à atuação que teve no passado. Segundo ele, que cumpre seu primeiro mandato na Câmara, “o principal erro do MBL foi ter misturado as pessoas de esquerda que tinham contato com o poder, haviam cometido crime e estavam mal-intencionadas com quem simplesmente era de esquerda e discordava da gente”. Sobre a posição do grupo em relação ao presidente Jair Bolsonaro, Kataguiri diz que o MBL não vai “passar pano” quando ele errar, mas sem deixar de elogiar os acertos quando acontecerem.

Nesta entrevista ao Estado, realizada no hotel Renaissance, na região da Avenida Paulista, em São Paulo, o deputado fala também sobre os ataques das brigadas bolsonaristas de que ele e o MBL têm sido alvos, comenta o bate-boca com o deputado Eduardo Bolsonaro nas redes sociais e revela suas surpresas e frustações com as atividades parlamentares e o Congresso.

Como o senhor, com apenas 23 anos, vindo do MBL, um movimento que surgiu à margem da política tradicional, foi recebido no Congresso? Houve uma desconfiança, uma resistência dos deputados mais antigos?

Na questão da idade, havia muito ceticismo no começo. Era uma postura do tipo “não vamos passar um projeto relevante, não vamos colocá-lo em Comissão relevante, porque ele ainda é meio inexperiente e pode fazer besteira”. Mas acredito que consegui superar isso rapidamente, quando eles viram que eu estava efetivamente me dedicando às pautas. Sei o que está sendo votado, tenho meu ponto de vista, oriento outros deputados. Aproveitava todas as oportunidades de usar a tribuna para mostrar que realmente estava participando do debate. Agora, por outro lado, acho que foi uma transição suave, em comparação com a de outros deputados que também estão no primeiro mandato, porque eu já tinha um contato da época do impeachment com deputados que se reelegeram. Muitos dos que eu já conhecia, com quem eu tinha um bom relacionamento, ainda estão lá. Entre os novos deputados, também. Boa parte já conhecia das manifestações. Então, isso até me permitiu fazer o “meio de campo” entre quem já estava lá e quem chegou agora.

Qual a sua visão do Congresso depois desses primeiros meses de mandato?

Primeiro, teve um baque bem negativo. Pela própria natureza burocrática do Parlamento, as pessoas ficam muito tempo no plenário, discursando e discutindo coisas que não têm nada a ver com o projeto que está em debate, ainda mais no começo, quando as comissões temáticas ainda não estão funcionando. Nas primeiras semanas, só tinha gente discutindo acordo internacional, que é geralmente o que os deputados votam às quintas-feiras, porque não tem discussão, controvérsia nenhuma. Botam o dedo no terminal de votação e vão embora. Lembro que, nas primeiras semanas, a gente aprovou um compartilhamento de espaço aéreo com as Bahamas e tinha deputado do PT fazendo questão de ir na tribuna e falar como a democracia tinha ido para o brejo e o governo Bolsonaro estava destruindo tudo. Nem havia começado o governo Bolsonaro. Do outro lado, tinha o pessoal do PSL subindo na tribuna para falar que o Lula estava preso. É muito tempo, muito trabalho, muito desgaste, para pouca produtividade. Isso foi uma frustração grande, uma primeira decepção.

Houve mais alguma decepção?

Teve outra, que me deixou bastante chateado no início do mandato. Eu vi que uma parte significativa dos novos deputados, que haviam renovado a Câmara, não estava muito disposta a debater projeto. Eles estavam lá mais para fazer propaganda, para jogar para a torcida. Estavam mais preocupados com a imprensa, para manter a visibilidade e ascender midiaticamente, do que em efetivamente deixar um legado, com a aprovação de propostas que vão durar 100, 200 anos. Vi também que  pouca gente havia estudado o regimento. Isso fez com que a base do governo desse e ainda dê várias caneladas regimentais, obstruindo a votação sem querer, sem saber o que está obstruindo. A ânsia de falar, de focar muito no discurso, de criar antagonismo com o outro lado é tão acentuada que na hora de orientar a votação esquecem até de qual era a votação.

Não houve nada que o surpreendeu de forma positiva nesse período?

O que me surpreendeu positivamente no Congresso, principalmente quando comecei a participar das reuniões da Frente Parlamentar da Agropecuária, foi perceber que fora das comissões e dos plenários ocorre um debate profundo, de mérito mesmo, de conteúdo, sobre aquilo que vai ser votado e sobre os impactos que aquilo vai causar.

Esse debate só acontece com gente com quem o senhor tem identidade ideológica?

Não, é geral. Há uns 40, 50 deputados mais engajados, mais interessados em pautas realmente estruturantes para o País, em diversos setores – comércio exterior, agronegócio, tributação, Previdência. Eles realmente fazem um debate para valer do mérito de todas as votações relevantes que vão para o plenário. Apesar de ser uma minoria no Parlamento, essas questões são muito bem debatidas por gente que se dedica a estudar o assunto. De fora, não imaginava que fosse assim. Antes de toda reunião nas Comissões tem um café da manhã. Antes das votações no plenário, tem reunião dos líderes. A maior parte das vezes na casa do (Rodrigo) Maia (presidente da Câmara dos Deputados). Aí, você tem, de fato, um debate de mérito. Achei muito positivo, muito interessante. Quando o projeto chega na comissão e no plenário já está tudo acordado. Você já sabe qual será o resultado da votação, já discutiu o que vai ser votado, quem vai falar, quem não vai falar. Agora, o debate nas comissões, no plenário, é isso aí que a gente vê mesmo. É mais para marcar posição do que para tentar convencer alguém, a não ser quando alguma coisa será votada de supetão. Aí, você levanta a lebre e fala “gente, teve um acordo de líderes para votar isso, mas a maior parte do plenário não está entendendo o que está sendo votado”.  Só que isso é exceção.

O senhor chegou a Brasília num momento em que o Congresso parece assumir um protagonismo diferente, exercendo toda a sua força na deliberação das matérias. Como o senhor vê esse novo papel do Congresso hoje?

A razão pela qual isso acontece é negativa. É a falta de condução política do presidente. É a falta de tato do presidente com o Parlamento, com a imprensa, na comunicação em geral. Ele só joga para a militância mais radical que o apoia. Mas o resultado disso é positivo. Você tem um debate profundo conduzido pelo Parlamento, que deveria ser o normal. Não é, porque a gente ainda tem muito poder centralizado no presidente. Ele acaba conseguindo trancar a pauta via Medida Provisória, loteia os ministérios para conseguir os votos, faz acordos.

É isso mesmo? O senhor está dizendo que o presidente Jair Bolsonaro está loteando os ministérios?

Não, ministérios, não. De indicações políticas, eu vejo mais o presidente jogando para quem o apoiou desde cedo e para o PSL, que é caso do ministro do Turismo (Marcelo Álvaro Antônio). Não é uma indicação técnica. Ele está com o nome sujo, pelas denúncias de corrupção (envolvendo candidaturas de “laranjas” para desviar recursos eleitorais), mas se mantém no governo. Aí eu vejo o presidente loteando cargos. Agora, para construir maioria, não. Não o vejo aceitando nenhuma indicação de DEM, MDB, PP, PR. Isso não.

Recentemente, o MBL fez uma autocrítica, reavaliando a sua postura até agora e sua relação com o governo Bolsonaro. Qual a sua posição nesta questão? Para onde está indo o MBL?

Para mim, na época do impeachment e do governo Temer, o principal erro do MBL foi ter misturado as pessoas de esquerda que tinham contato com o poder, haviam cometido crime e estavam mal-intencionadas com quem simplesmente era de esquerda e discordava da gente. Isso apequenou a nossa visão do debate, apequenou o debate público, muito catalisado por essa lógica de visibilidade, do espetáculo. Ainda hoje, mas ainda mais na época do impeachment, a briga chama mais a atenção do que a construção e o consenso. Neste sentido, para mim, a convivência no Parlamento está sendo bem positiva.

O senhor quer dizer que tem gente de esquerda do bem?

Exatamente. Tem gente de esquerda que discorda diametralmente do que eu penso, mas é bem-intencionada, acredita realmente naquilo. Não está roubando nem sendo financiada com dinheiro de corrupção. Nada do gênero. Isso ajuda bastante a fazer a construção política. Tem pautas que não chamam tanto a atenção, mas ajudam a desenvolver o País. Na semana passada, por exemplo, apresentei um projeto na Comissão de Trabalho, para dispensar os municípios da obrigação de publicar um comunicado num meio oficial atestando o recebimento de qualquer recurso da União e dos Estados. Como o governo não existe, o projeto foi aprovado com voto do PCdoB, PT, PDT, PSB e do PL. Agora, o município pode publicar isso no próprio site. É uma questão que não gera controvérsias partidárias, ideológicas. Então, se você tiver um bom relacionamento e pensar pautas que não vão gerar tanta controvérsia, é mais fácil aprovar os projetos no Parlamento. A contrapartida é que a visibilidade disso no debate público é zero. É um trabalho virtuoso, mas os parlamentares não têm incentivo para fazer isso, porque o eleitorado quer ver briga. Esse é o problema fundamental que a gente vive hoje no Brasil e que raptou a maior parte dos parlamentares de primeiro mandato: a sedução pelo debate público, que não é profundo.

Como essa autocrítica afeta a postura do MBL em relação ao governo Bolsonaro?

A gente sempre teve uma postura crítica em relação ao Bolsonaro. Mesmo na eleição a gente pregou o “voto útil”. Antes, a gente estava apoiando o (empresário) Flavio Rocha(pré-candidato pelo PRB) até ele desistir da candidatura. Mas acredito que, no governo Temer, quando a gente evitava criticar o Bolsonaro por ele também ser de direita e para evitar ruído interno, acabou deixando escapar coisas que não deveriam ter escapado. Outro ponto fundamental da crítica é a forma. Na tentativa virtuosa de levar o debate público para o maior número possível de pessoas, a gente acabou simplificando demais, mastigando demais o debate. A gente tinha na nossa cabeça que think tanks como o Instituto Mises e o Instituto Liberal já cuidavam da parte do conteúdo e que a nossa missão era levar isso para o front na forma. Acho que a gente acabou exagerando nisso. Agora, mudou bastante. A gente quer trazer mais informação, mais conteúdo para o debate.

Que tipo de coisa o MBL deixou escapar do Bolsonaro?

No voto do impeachment, o Bolsonaro elogiou o (coronel Carlos Alberto Brilhante) Ustra (ex-chefe do DOI-CODI do II Exército). Aí, o (Fernando) Holiday (vereador em São Paulo, também ligado ao MBL) fez um vídeo, no qual criticava tanto o Bolsonaro quanto o deputado que havia citado o (Carlos) Marighella (guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional), dizendo que não havia mais espaço para aquilo no País. Eu lembro que naquela época, entre nós mesmos, houve dúvida se a gente havia feito a coisa certa, porque provocou uma discórdia, uma onda de ataques muito forte. Hoje, vendo em retrospectiva, acho que agora é consenso para a gente que deveríamos ter criticado mesmo e deveríamos  ter criticado mais coisas. Acredito que agora a gente pode compensar isso posicionando-se de forma bem clara em todas as pautas, em todos os erros do governo Bolsonaro, sem deixar de elogiar os acertos.

Ideologicamente, o que essa nova postura do MBL significa? A ideia é seguir na mesma linha, de direita, centro-direita?

Sempre na linha liberal.

Liberal na economia e nos costumes ou só na economia?

Liberal politicamente. Acho meio inadequado separar desse jeito. Antes de tudo, conservadorismo e liberalismo são uma questão política. Não são nem uma questão econômica nem de costume. Isso vem bastante ao encontro da autocrítica do MBL, porque, se a gente é liberal, somos liberais politicamente, antes de qualquer coisa. A gente acredita na descentralização do poder, no outro enquanto um sujeito legítimo para a gente debater política e construir uma coisa, ainda que ele discorde de nós. Essa é a essência do liberalismo. Neste aspecto, acredito que a gente seguirá na mesma linha, fortalecendo ainda mais os municípios, indo às comunidades locais, para entender o anseio delas e fazer algo por elas, É o liberalismo político em estado puro. Do ponto de vista econômico, continuamos com a mesma visão. Vejo muito o pessoal falar de pauta de costume, da pauta de costume do governo Bolsonaro, do Congresso. Eu sou bastante pragmático. O Renan (Santos, fundador do MBL), tem um olhar mais macro. Ele gosta bastante de teoria política e de desenhar cenários e fazer projeções para o futuro. Eu sou mais preocupado em saber qual é o projeto, que efeito isso tem na prática, e não vejo essa pauta de costume. O que é essa pauta de costume? Que projeto de lei é esse? Que decreto é esse? O que isso significa na prática?

Naquela exposição Queermuseu em Porto Alegre, o MBL teve uma papel fundamental nos sentido de mobilizar a reação da população. Isso não estava relacionado com a pauta de costumes?

Não enxergo isso como parte da pauta de costume. Qual foi a nossa grande crítica no museu? Utilizar dinheiro público.

Em algum momento, acredito que essa crítica foi percebida de forma diferente, como uma posição conservadora do MBL nos costumes que levou, inclusive, à interrupção do evento.

Exato. É nesse ponto que vou entrar agora. A gente fez exatamente a mesma crítica em relação a uma turnê do Luan Santana, que foi cancelada, e a um programa de TV da (Gabriela) Pugliesi sobre musculação. Nenhum dos dois casos teve a repercussão da nossa crítica ao museu, porque boa parte da sociedade se chocou com as críticas ao evento que, na minha opinião, era realmente um negócio de mau gosto, com uma visão bizarra do cristianismo. Na nossa crítica em relação ao uso do dinheiro público, eu falei que, se alguém quisesse fazer um negócio de mau gosto, não era problema meu, mas qie fizesse como  seu dinheiro. Com o seu dinheiro, cada um faz o que quiser.

O MBL não estava defendendo a proibição da exposição? Porque tinha gente defendendo isso…

Tinha gente defendendo a proibição e tinha gente que estava lá pessoalmente, xingando quem estava assistindo. Aí, parte significativa da imprensa vinculou o MBL a quem estava lá xingando quem estava vendo, mas não foi isso que aconteceu. Não tinha nenhum membro do MBL lá, a gente não fez nenhum protesto lá. O que nós fizemos foi promover uma campanha digital de boicote, por causa da questão do dinheiro público, como fizemos nas outras duas vezes que mencionei há pouco. Nas outras vezes, tinha dado certo. Dessa vez, deu certo também, mas deu esse furunfo todo.

Em determinado momento, muita gente passou a ver o MBL como uma espécie de “infantaria” da direita, desempenhando um papel parecido com o do PSOL pela esquerda, de ir lá, mobilizar um monte de gente, enfrentar os adversários, como no caso da ocupação das escolas, em 2016. Talvez isso tenha contribuído também para reforçar essa imagem conservadora do grupo. Com a nova postura, o MBL vaie manter essa estratégia?

Não. Acredito que agora, justamente porque a gente não está mais num momento momento de oposição – e num momento de oposição extrema que estava – e sim de construir, de substituir o que estava lá e mostrar a que veio, que é a parte mais difícil, a tendência é ser menos “infantaria”, como você colocou. Não estou dizendo que a gente fazia oposição extrema, mas que nós estávamos num momento de oposição extrema, que é quando você vê que não tem mais espaço para diálogo no governo e vai para o impeachment, porque não tem mais o que fazer.

Recentemente, o senhor foi alvo de ataques nas redes sociais quando uma foto sua com o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) no restaurante da Câmara viralizou e os bolsonaristas aproveitaram para censurá-lo e insultá-lo. O MBL também está passando pelo mesmo processo, desde que anunciou essa postura crítica em relação ao governo e ao presidente.  Como o senhor vê esses ataques?

Neste sentido, eu poderia dizer que o Bolsonaro fez bem ao MBL. O ataque da militância radical deles, o fato de não fazerem a diferenciação entre quem está bem-intencionado e quem não está e de polarizar muito o debate, a ponto de criticar o diálogo com uma pessoa que simplesmente discorda de você, ajudou a gente a perceber que tinha uma atitude parecida com a desse pessoal. Não me pegaram conspirando com o Freixo, me pegaram conversando. Uma coisa é o posicionamento ideológico, outra coisa é conversar dentro do Parlamento, que é o lugar para isso. Então, nós percebemos que precisávamos mudar, reformular, para ter uma atitude sensata. Quanto mais a gente tiver uma atitude belicosa, num momento que nós consideramos como uma oportunidade única para fazer reformas estruturantes, mais o País vai para o buraco.

Como o senhor analisa essa relação entre o Bolsonaro e essa tropa de choque bolsonarista?

No final das contas, o próprio bolsonarismo virou refém dessa postura, porque há um atrito bastante claro entre o Bolsonaro e o (Sergio) Moro (ministro da Justiça). O Bolsonaro diz: “O pacote anti-crime não é prioridade”, “com todo o respeito, o presidente sou eu”, “o Moro não estava na minha campanha” e começou a fritá-lo publicamente. Aí, esse militante bolsonarista, que tem uma visão binária do mundo – bem e mal, esquerda e direita – fica perdido. Quem está certo, Bolsonaro, o mito, ou Sergio Moro, o herói da Lava Jato? Atualmente, você já vê o Eduardo Bolsonaro lançando no Twitter um vídeo mostrando relações do Deltan Dallagnol (coordenador da Lava Jato) com a esquerda, tentando jogá-lo e por consequência o Moro para o lado da esquerda. Não acredito que ele vai conseguir, porque a imagem do Moro já está muito consolidada como o homem que prendeu o Lula. Como é que o homem que prendeu o Lula pode ser de esquerda? De repente, isso pode abrir uma brecha para o próprio Bolsonaro fazer uma autocrítica do tipo “eu alimentei isso aí, agora os xiitas estão se voltando contra mim”. Acho muito difícil isso acontecer. É mais um voto de esperança da minha parte. Agora, seria bom se acontecesse.

Na semana passada, o senhor voltou a ser atacado nas redes sociais por causa do projeto Lei das Fake News, que criminaliza a divulgação de notícias falas nas eleições, e a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro na Câmara. Como o senhor vê esse tipo de ação?

O que estão divulgando é falso e expõe a canalhice de quem espalha esse tipo de boato. Primeiro, é mentira que sou o autor do projeto. É um projeto de 2011, do deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA). Já tinha passado pela Câmara em 2014 e foi aprovado pelo Senado em abril. O que eu fiz um destaque para votar em separado o veto do presidente. Foi um veto parcial, relacionado ao parágrafo que trata de quem sabia que a denúncia era falsa e a divulgou mesmo assim com fins eleitorais – e ele acabou derrubado. O Bolsonaro vetou apenas o dispositivo que penaliza o sujeito que sabia que a denunciação era falsa e a divulgou com fim eleitoral. Ele não vetou a denunciação caluniosa com fim eleitoral em si, que prevê uma pena de 2 a 8 anos, além de multa, para quem faz uma denúncia falsa para prejudicar um candidato sabidamente inocente numa eleição. Em segundo lugar, esse dispositivo não é o apocalipse que pintaram. Tanto que o próprio Jair (Bolsonaro), quando era deputado, votou duas vezes a favor dele em 2014, concordando com 100% do mérito do projeto.

A derrubada do veto a esse dispositivo não pode abrir espaço para perseguições indiscriminadas a quem divulgar fake news contra os políticos e o governo nas eleições, sem saber que era uma notícia falsa?

Essa lei não tem nada a ver com fake news. Ela é para aumentar a pena da denunciação caluniosa com fins eleitorais, que é quando alguém forja uma denúncia para se promover eleitoralmente ou prejudicar outro candidato. Se você estiver disputando uma eleição e eu fizer uma denúncia falsa contra você na polícia, no Ministério Público, poderei ser punido por isso. Quem souber que a denúncia é falsa e replicá-la, para ajudar outro candidato, também. Mas isso precisará ser provado. Na denunciação caluniosa, não existe essa coisa de punir alguém por compartilhar uma denúncia falsa sem saber que ela era fabricada. Ninguém vai ser punido por isso. Em tese, está agindo de boa fé. É preciso deixar isso muito claro, para não haver mal-entendido. A lei já previa a figura da denunciação caluniosa. O que a gente está fazendo agora é criar a denunciação caluniosa com fins eleitorais, porque no Brasil esse tipo de coisa acontece o tempo todo.

Por causa disso, o senhor acabou se envolvendo num bate-boca com o deputado Eduardo Bolsonaro nas redes sociais e até o confrontou da tribuna da Câmara. O que aconteceu?

O Eduardo estava falando no Twitter que eu era o autor do projeto e queria censurar todo mundo que criticasse os políticos e que, com a derrubada do veto do presidente, qualquer um que criticar político será preso. Isso é bobagem. Se alguém for preso por causa do meu destaque por ter divulgado essa mentira, eu vou para a cadeia junto, porque estaria mentindo sobre o meu próprio voto. Então, desafiei o Eduardo a debater na Câmara a lei que seu pai sancionou parcialmente, com a mesma pena que eu defendo. Ele apareceu uma hora depois do meu discurso, sem me avisar, sendo que eu havia avisado no dia anterior que estaria lá. Leu um papel rabiscado na tribuna, para tentar se defender, e depois recorreu a um youtuber qualquer para lhe dar uma mão. Ganhar 33 mil e não ler projeto que vota é complicado. Por que ele não xingou seu pai quando deixou passar o caput do projeto que trata justamente da denunciação caluniosa com fins eleitorais? O Eduardo ‘paga’ de valente no Twitter, mas na Câmara vota com o Centrão. Lota o gabinete de ‘aspone’ e está apoiando a desconstrução da Lava Jato. Sempre que discorda de mim no plenário vai embora de cabeça baixa.

Como o senhor avalia a atuação do deputado Eduardo Bolsonaro na Câmara?

Quando há votação, ele não aparece. Embate com a oposição? Some. Articulação pela Previdência? Puft. Só aparece para dar cargo para corrupto do Centrão, para obter votos no Senado para a sua embaixada e para acabar com o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Quando fala alguma coisa, é pior que a Dilma. O ego do Eduardo é inflado demais.

Ao comentar a derrubada do veto relacionado a essa lei numa entrevista, o próprio presidente Jair Bolsonaro reforçou a crítica do Eduardo ao senhor, ao dizer “agradeçam ao Kim Kataguiri”. Como recebeu o comentário de Bolsonaro?

O Eduardo percebeu que fez besteira e pediu ajuda para o pai, que também não leu o texto do projeto. Filhinho de papai é um saco.

Nas eleições de 2018, o pessoal do MBL se candidatou por diversos partidos. Qual é a ideia de vocês para o futuro? Já dá para dizer o que pretendem fazer?

Por enquanto, o nosso foco é se manter como movimento mesmo. A gente debateu bastante a ideia de se tornar um partido. No longo prazo, a ideia de fundar um partido não está descartada, mas no curto e no médio prazos devemos nos manter como movimento mesmo. O que temos feito é focado bastante nos núcleos municipais. A gente estava muito focado no debate nacional. Mas viu que, na prática, para a vida das pessoas, o que importa mais é o problema da comunidade. Neste momento, estamos focados numa espécie de municipalização do MBL.

O senhor e outros parlamentares ligados ao MBL são filiados ao DEM. Fala-se numa fusão do DEM com o PSDB e o PSD. Qual a sua posição em relação a essa fusão?

Eu estou no DEM, mas não participo de conversas partidárias. Agora, o que eu vejo na bancada de deputados federais do partido é que ninguém quer essa fusão. Na reunião da bancada, o pessoal faz até piada: “Quem aí está soltando notícia da fusão com o PSDB? Quem aí quer tucanar?”. O pessoal fala “eu não, eu não”. Ninguém diz que quer. Se tem gente querendo, ainda está dentro do armário. Não sei como está no Senado, mas na Câmara ninguém quer. Pessoalmente, acredito que quem mais perderia com isso seria o DEM, porque de um jeito ou de outro ficou sempre na mesma posição. Além disso, não tem a fama de ficar em cima do muro do PSDB. Agora, ainda tem a questão de que o PSDB decidiu não expulsar o Aécio. Ficou um negócio feio. Então, acho difícil, pelo menos com a bancada da Câmara, convencerem o pessoal a fazer essa fusão.

O senhor esteve nesta segunda-feira, 2, na pré-estreia do documentário do MBL“Não Vai Ter Golpe” sobre a trajetória do grupo e as manifestações pelo impeachment. O que o senhor achou do filme?

Gostei bastante. Acho que é um filme leve, divertido, animado. Mostra que o MBL foi democrático desde o início, sempre se afastou de quem defendia radicalismo, a intervenção militar. Então, em relação à nova cara do MBL, o filme mostra que a gente sempre teve os mesmos valores. No meio do caminho, acabou se perdendo um pouco na forma, mas agora estamos resgatando as nossas origens. O filme também mostra a nossa versão da história com imagens reais. Não é uma obra de ficção. Ao mesmo tempo, mostra uma vitória da articulação política, do diálogo, da entrada dos agentes políticos em sintonia com a pressão popular. Não é como os outros filmes sobre o impeachment, que apelaram para o emocional de uma forma que chocou o mundo inteiro, com a tristeza do impeachment, que é uma ruptura institucional. Não. A gente contou o processo como ele foi, mostrou o MBL como ele é e o filme cumpriu seu papel. (fonte: Estadão, por José Fucs)