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MEMÓRIA – Em 1963, nas vésperas do golpe, generais, governadores, o próprio presidente João Goulart, conspiravam, só este repórter foi preso
Jango, ao lado do general Kruel que, antes de traí-lo, ocupou a pasta do Ministério do Exército
Colunistas, Política

MEMÓRIA – Em 1963, nas vésperas do golpe, generais, governadores, o próprio presidente João Goulart, conspiravam, só este repórter foi preso

Por Helio Fernandes

Publicações históricas no Centenário do jornalista.

Em agosto de 1963,o presidente João Goulart determinou ao ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, que enviasse a generais da sua confiança, uma “carta sigilosa e confidencial”, que estava lhe mandando. Ainda não existiam generais de Exercito (4 estrelas ), só 24 generais de Brigada e 12 de Divisão. Eu não tinha nada a ver, nem conhecia o conteúdo do documento “sigiloso e confidencial”.

Conhecia um dos generais que recebeu a carta, não era amigo nem informante. O general Cordeiro de Farias, ex-interventor no RGS, governador de Pernambuco, eleito pelo voto direto. Mostrou a carta, com envelope e tudo, li, pela minha alegria e agradecimento, viu que seria publicada, foi embora .Eram mais ou menos 8 da noite.

Naquela época, os vespertinos, (caso da Tribuna da Imprensa) rodavam ás 11 da manhã, ao meio dia estavam nas bancas.

Foi um estrondo, começou a circular que eu seria preso. Às 3 da tarde fui para o Santos Dumont, tinha uma entrevista programada na TV-Itacolomy.  Em Belo Horizonte, um grupo enorme de jornalistas me esperava, todos com a noticia de que eu seria preso. Enquanto conversávamos, chegavam dois assessores do governador Magalhães Pinto “eu seria preso ainda em Belo Horizonte”.

Os jornalistas me acompanharam na  caminhada até a porta da Itacolomy, o diretor me esperava, “o programa foi cancelado, não por nós, você será preso”. Não demorou, sem estardalhaço, parou um fusca vermelho. O motorista, mais o capitão Aurélio, nos conheciamos muito. Nos abraçamos, ele comunicou: “Vamos jantar e dormir na ID-4”.

Pela manhã um avião me trouxe para o Rio, fui para o quartel da Policia do Exercito, enorme, mais tarde ali seria localizado o terrível e tenebroso CODI-DOI comandado pelo general Orlando Geisel, irmão do Ernesto. Orlando queria ser “presidente”, o premiado foi o Ernesto, de 1974 a 1982.

Enquanto decidiam meu futuro, fiquei uns dias na Policia do Exército Na hora do banho de sol, pude constatar a tremenda divisão do Exercito. Oficiais cruzavam comigo, diziam, “resista, Helio estamos com você”. Outros me olhavam, queriam me fuzilar com os olhos. O ministro da Guerra mandou me transferir para Brasília, preso á ordem do seu gabinete.

O Millor escreveu artigo de grande repercussão. Textual: “Não quero defender o Helio por ser meu irmão.Mas um jornalista que recebe um documento como esse e não publica, é melhor que abra um armazém de secos e molhados”.

Carlos Lacerda cuidava dos advogados. Juntou tradicionais defensores de presos políticos, Sobral Pinto, Prado Kelly, Prudente de Moraes Neto, com Evaristinho de Moraes e George Tavares, meus advogados. Eu incomunicável não sabia de nada. Sobral Pinto telefonou para o bravo presidente do  STF, Ribeiro da Costa, protestou: “Eu falo com o senhor, presidente do tribunal, ha 3 dias não consigo falar com meu cliente”. Ribeiro da Costa providenciou, no mesmo dia conversei com os advogados. Sobral me disse que fora procurado pelo general Cordeiro de Farias, confessando que fora ele que me dera o documento. Como não concordei, (não posso entregar uma fonte) Cordeiro de Farias deu entrevista coletiva a dezenas de jornalistas, confirmando que quem me deu a carta sigilosa foi ele.

O presidente oficiou ao ministro da Guerra, para saber onde eu estava. Arrogante, o ministro respondeu por oficio: “Está preso á minha ordem, só meu gabinete pode localizá-lo”. Como o ministro tinha foro privilegiado, o julgamento aconteceu no STF. Ribeiro da Costa achou os fatos muito estranhos, usou o que está no Regimento Interno, designou a si mesmo como relator.

O julgamento aconteceu no dia 31 de Julho, não queriam que passasse para agosto, mês considerado politicamente aziago. Pediram 15 anos de prisão para o repórter. Estavam presentes 8 ministros, 3 estavam de férias ou hospitalizado. Fui prejudicado, 2 deles votariam pela minha absolvição. Luiz Galloti, grande amigo, telefonou para Rosinha: “Estou de ferias, não existe possibilidade do Helio ser condenado”. Com o STF lotado, o PGR Beviláqua, fez um libelo terrível, parecia que eu era um assassino e não um jornalista. (Meses depois me mandou uma carta carinhosa, pedindo mil desculpas).

Os ministro foram votando, estive sempre em desvantagem, 3 a 1, 4 a 3, faltava o ultimo, Cândido Motta filho. Não o conhecia, me absolveu, levou o resultado para 4 a 4, e o voto de Minerva, ai sim, verdadeiro. Ele já votara como ministro, agora desempataria, pela absolvição ou condenação. Os que votaram pela condenação, pediram o adiamento do julgamento. Ribeiro da Costa perguntou: “Os senhores querem votação?”. Quiseram, novo 4 a 4.

Ribeiro da Costa decidiu, “o julgamento terminará hoje, vamos a um lanche, voltaremos, condenarei ou absolverei o jornalista, é a minha obrigação constitucional”. Antes de votar, me chamou, quero o senhor ao meu lado” Seu voto foi uma declaração de Liberdade. Palavra do presidente: “O senhor nem devia  estar aqui, sendo julgado. Às 20,30 do dia 31 de julho de 1963, determino que o senhor está livre para se locomover para qualquer parte do Brasil. E me abraçou, aplaudido pelo Supremo lotado.

Ainda deu tempo para eu, Rosinha e Millôr voltarmos para o Rio.

PS- Depois de 56 anos, é a primeira vez que relato estes fatos, rigorosamente históricos. Com nomes e sobrenomes dos personagens.

PS2- É uma lembrança e uma condenação do capitão Bolsonaro, que disse, ” existe diferença entre COMEMORAR e REMEMORAR”.

Fonte: Facebook (REPRISE)

***

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HELIO FERNANDES – Jornalista, decano da imprensa brasileira. Seu primeiro emprego foi na revista O Cruzeiro, quando tinha 13 ou 14 anos de idade, onde entrou a pedido do tio, gráfico de profissão, e lá permaneceu por aproximadamente 16 anos, junto com seu irmão mais novo Millôr Fernandes. A seguir, foi chefe da seção de esportes do Diário Carioca, onde chegou ao cargo de secretário, semelhante ao atual editor. Quando o jornal fechou, foi ser diretor da revista Manchete. Após o final do Estado Novo, em 1945, cobriu a Assembleia Constituinte de 1946, onde conhece o jornalista Carlos Lacerda, com quem teve longa relação profissional e de amizade. Trabalhou como jornalista no recém-lançado jornal Tribuna da Imprensa. É o único jornalista ainda vivo que participou da cobertura da Assembleia Constituinte de 1946. Foi assessor de imprensa de Juscelino Kubitschek durante a campanha deste à presidência da república em 1955, quando viajou por todo o pais acompanhando o candidato. Após a campanha, polêmico como sempre, volta ao jornalismo de oposição ao governo que ajudara a eleger. Trabalha também na televisão, num programa onde comenta a situação política, com sucesso. No começo da década de 1960, Helio Fernandes adquire o jornal Tribuna da Imprensa, fundado alguns anos antes por Carlos Lacerda agora governador do estado da Guanabara. Vários jornalistas importantes dessa época ganharam destaque com ele, como Paulo Francis e Sebastião Nery. Jornalista sempre polêmico e com ideias de esquerda, já era perseguido antes do Golpe Militar de 1964, preso pela primeira vez em julho de 1963 por ordem do Ministro da Guerra de João Goulart, general Jair Dantas Ribeiro. Após onze dias preso, quatro deles incomunicável, foi libertado por ordem do Supremo Tribunal Federal. Foi o redator do manifesto pela Frente Ampla, lançado por Juscelino, Lacerda e João Goulart e chegou a ser candidato a deputado federal pelo MDB, mas teve seus direitos políticos cassados em 1966. Com a violenta censura à imprensa imposta principalmente com o AI-5 em 1968, foi preso várias vezes, inclusive no DOI-CODI, foi afastado compulsoriamente do Rio de Janeiro e obrigado a passar períodos de exílio interno em Fernando de Noronha e em Pirassununga(SP). Ao contrario de outros donos de jornal, nunca aceitou a censura e nunca deixou de tentar publicar as notícias do período. Seu jornal foi o que mais sofreu intervenção durante o Regime Militar: teve mais de vinte apreensões e censores instalados dentro de seu prédio por dez anos e dois dias. Em 1973 foi preso por seis dias no quartel da Polícia do Exército na rua Barão de Mesquita. A sede do jornal chegou a ser alvo de um atentado a bomba, poucos dias antes do Riocentro, já na época final da ditadura militar, em 1981, mas no dia seguinte o jornal estava nas bancas. Além de irmão do Millôr, Helio Fernandes é pai dos jornalistas Rodolfo Fernandes e Hélio Fernandes Filho (fonte: Wikipédia)

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