Por Aderson Bussinger –
O movimento sindical de trabalhadores e, para nós advogados especializados neste campo, o Direito Sindical, trazem de longa data uma complexa gama de situações de fato e relações jurídicas reflexas como as greves consideradas abusivas pelo Judiciário, ocupações de empresas, negociações coletivas, atos antisíndicas, organização internacional dos sindicatos e federações, participação dos sindicatos em eleições gerais, mecanismos de arrecadação de mensalidades e contribuições, papel das comissões de empresas, conselhos de empresas, relação sindical do funcionalismo público nas diversas esferas do Estado, pandemia e as medidas trabalhista-sanitárias, incluindo ainda a controvertida discussão da associação sindical de militares, enfim, uma série de questões que fazem parte do denominado mundo do trabalho.
Além dos temas acima citados, temos o referente ás eleições sindicais – outro imbróglio jurídico-sindical – que, à primeira vista, pode parecer despossuído de grande profundidade jurídica, mas que, na prática, acaba suscitando as mais variadas celeumas, interpretações jurídicas, contencioso judicial e até mesmo golpes, como também ocorre nos pleitos estatais, sendo que, na falta de um “tribunal eleitoral sindical”, tudo isto acaba também desaguando nas “barras da Justiça” do Trabalho, sobretudo após a edição da Emenda constitucional 45/2004 que ampliou a competência desta Justiça Especializada. Mas o objetivo aqui não é exatamente discutir competências jurisdicionais e tecnicidades judiciais, mas sim o estatuto e natureza destas eleições no sentido mais amplo.
Recordo-me que antes da Constituição de 1988, além dos estatutos sociais das entidades, havia a malsinada intervenção do ministério do trabalho, através de uma velha e hoje caduca legislação contida na CLT, nos artigos 529 e seguintes, pelo qual se conduzia os pleitos sindicais, através da atuação de um certo “ ministério público do trabalho”, ainda incluso na estrutura do antigo e sepulto Ministério do Trabalho. Como é sabido, esta estrutura , muito antes da ditadura de 1964, era decorrente da visão getulista de tutela estatal dos sindicatos, sendo que, mesmo assim, por incrível que pareça, me lembro ainda que, outrora, em muitos pleitos sindicais, em que advogávamos, naquela ocasião, em favor do sindicalismo emergente da CUT, éramos muitas vezes obrigados a nos socorrer de algumas destas velhas normas, como, por exemplo uma antiga Portaria de número 3.437/74, do Ministério do Trabalho, que, por vezes, conseguia nos fornecer algum tipo de “arsenal jurídico” ante evidentes manobras de direções sindicais pelegas que editavam estatutos ainda piores que as regras dos ditadores.
Atualmente, após a Constituinte de 1988, vigora o princípio insculpido no caput do art. 8 da constituição federal vigente, de não intervenção e autonomia sindical, o que significa dizer que deve imperar nesta seara os estatutos das entidades e o novo Ministério Público do Trabalho-MPT, doravante apartado da estrutura do Poder Executivo, opera como um fiscal da lei, assim como pode também ter protagonismo por meio de inquéritos civis públicos e ações judiciais de defesa de direitos coletivos em pleitos sindicais. Há, de fato, um avanço inequívoco em todas estas mudanças, o que, contudo, não afastou todos os problemas, pois, a partir da mudança de estatutos, pela conveniência de algumas direções sindicais ,passamos a encontrar estatutos mais antidemocráticos do que os velhos regramentos da ditadura militar, com comissões eleitorais indicadas diretamente pelo Presidente do sindicato(e candidato!), sem assegurar o direito de ampla fiscalização pelas chapas concorrentes e apurações eleitorais presididas por pessoas suspeitas, nomeadas diretamente pelo presidente do sindicato, ou seja, uma espécie de “ditadura sindical” interna, em que também não faltam exércitos de seguranças armados para impedir que as oposições sequer protestem nas dependências e mesmo adjacências do sindicato, como já tive oportunidade de testemunhar aqui no Estado do Rio de Janeiro, além de tiros e roubos de urnas. Quem conhece minimamente eleições sindicais no Rio de Janeiro, por exemplo, sabe muito bem do que estou falando, podendo citar os diversos litígios que já tiveram lugar nas eleições sindicais de eletricitários, rodoviários, porteiros de edifícios, carteiros, aeronautas, aeroviários e comerciários, dentre outros, que já foram palco de verdadeiras batalhas campais durante pleitos eleitorais, o que foi, posteriormente, submetido ao crivo da justiça, sendo algumas destas até anuladas.
O histórico de crises, falcatruas, atos antisíndicas e judicialização nas eleições sindicais no Brasil é rico em maus exemplos, do Oiapoque ao Chuí, salvo evidentemente excelentes experiências de processos eleitorais bastante exitosos, como gostaria citar a recente eleição do ANDES- Sindicato Nacional, sem prejuízo da ocorrência de outras igualmente isentas.
Fiz toda estas previas considerações para tratar das eleições sindicais em período de Pandemia, o que, por vetar aglomerações, vem trazendo novos problemas, no que diz respeito a utilização do meio eletrônico de realização de assembleias e também votações sindicais. Os problemas se avultam e, a meu ver, menos pelas questões técnicas que envolvem as eleições virtuais, ou a falta de previsão estatutária, e mais pelo comportamento político-sindical de certos setores que, de maneira parcial, tentam implantar sistemas de votação e controle também antidemocráticos, muitas vezes desrespeitando os regimentos votados pelas próprias comissões eleitorais escolhidas em assembleia, segundo o estatuto social vigente. Atualmente, no Rio de janeiro, há diversas eleições sabujice, pelo menos três destas suspensas e outras em vias de ser, além de diversos questionamentos judiciais de resultados. Algumas diretorias que tiveram a eleição anulada há vários anos seguem no comando do sindicato, a despeito da vontade da categoria e parecer contrário do MPT. São alguns exemplos de querelas submetidas ao judiciário: 1- Direções sindicais que, concorrendo a reeleição, não respeitam as regras das comissões eleitorais e tentam se impor a estas; 2-Direções sindicais que se recusam sequer a instalar comissões eleitorais conforme determina o Estatuto; 3- Uso da máquina assistencial e de propaganda do sindicato para favorecer a chapa situacionista; 4-Cerceamento do acesso a lista de votantes; 5- falta até de garantia de fiscalização das chapas sobre a coleta e votos; 5- Falta de publicidade e especificamente transparência nos sistemas eleitorais virtuais adotados, bem como o cerceamento do acesso da oposição á empresa contratada para gerir ou dar suporte ao pleito( o que é um outro capítulo…). 6- Falta de auditagem do sistema eletrônico de votação, etc, etc.
Existem também boas experiências, com vários métodos de eleição virtual deliberados pela categoria, os quais, em que pesem algumas críticas, foram aceitos democraticamente pelos eleitores-trabalhadores, sendo perfeitamente razoável que, durante uma crise sanitária, se proceda a adaptação jurídica e prática do que consta no corpo do estatuto para ser presencial, em alternativa agora virtual, bastando que haja operacionalidade e concordância das chapas no sistema utilizado. O problema, entretanto, é quando não há deliberação democrática para tanto, ou, por outro lado, a direção sindical resolva simplesmente desafiar e enfrentar a própria comissão eleitoral escolhida pelos eleitores, valendo-se do fato de ainda possuir o controle da administração sindical que contrata a empresa gestora do sistema eletrônico. São situações inadmissíveis, como, outro exemplo, há um caso, em Niterói, de um sindicato que pretendeu fazer eleição presencial, em plena pandemia, com uma lista de votantes repleta de irregularidades, sendo a eleição interrompida judicialmente. E isto sem contar os casos de prorrogação de mandatos sindicais, realizados em “congressos” pouco divulgados ou, mesmo divulgados, restrita a inscrição para poucos. Eu poderia aqui discorrer sobre centenas de exemplos, alguns estapafúrdios, de manobras e descumprimentos estatutários, além do fato de que muitos estatutos ainda conservam dispositivos anacrônicos, facilitando a perpetuação nas administrações, repetitivas “ chapas únicas”, dando combustível para desmoralização dolosa dos pleitos sindicais.
Caminhando para conclusão deste texto, penso que a grande conquista que tivemos, em 1988, sobre a não intervenção sindical do Estado, deve ser acompanhada, em primeiro lugar, pela elaboração e aprovação pelos trabalhadores interessados de regras eleitorais sindicais que garantam o funcionamento de comissões eleitorais eleitas e que estas tenham meios materiais de realmente realizar o pleito, assim como dispositivos que possam coibir o uso da máquina sindical em favor de uma das chapas, assegurando a plena divulgação de todas as propostas e fiscalização do processo eleitoral, incluindo o indispensável acesso dos concorrentes á empresa de informática contratada. Sem isto, além de demais regras claras de elegibilidade, coleta de votos e apuração, o que teremos é o retrocesso aos tempos de arbítrio, que, infelizmente, eram também reproduzidos em muitos sindicatos, via intervenção militar ou adesão de setores sindicais aos governos de plantão.
Por outro lado, nas outras ponta do judiciário e Ministério Público, penso que – instalando-se o impasse- o melhor modelo é o de atuação do Ministério Público do Trabalho, através da mediação conflito, apenas, bem como fiscalização, como, inclusive, vem realizando a Coordenação Nacional de Promoção da liberdade SINDICAL- CONALIS, com muito sucesso, respeitando a autonomia das partes envolvidas. Sobre o Judiciário, como há situações que infelizmente acabam desaguando nesta esfera estatal, urge que os Magistrados da Justiça do Trabalho se debrucem minuciosamente sobre este tema, além das reclamações trabalhistas de cunho econômico, tendo como “bússola”, a meu ver, os seguintes parâmetros: 1- Garantir a efetivação do que foi deliberado democraticamente pela categoria em seus órgãos de deliberação coletiva competentes. 2- Assegurar que nenhum direito fundamental como discriminação política, ideológica, racial ou de gênero possa ocorrer no pleito; 3- Assegurar o cumprimento dos estatutos, salvo em relação a algum dispositivo anticonstitucional ou ilegal, que, nesta hipótese, deve ser excepcionalmente suspenso e convocados os trabalhadores interessados para redigirem nova regra; 4- garantir prioridade de tramitação em regime de urgência nos pleito sindicais, para que o processo judicial não sirva de instrumento de postergação e perpetuação de direções sindicais, sem mandato, no comando do sindicato; 5- quanto menos intervenção judicial melhor, atuando apenas como garantidor de direitos fundamentais e preceitos democráticos.
Estas, portanto, minhas opiniões, ainda que resumidamente, destacando que sou dos que possuem a compreensão de que as eleições sindicais, tendo em vista o papel político e econômico dos sindicatos, bem como o tema constitucional e internacional das liberdades sindicais, previsto na Carta de criação da OIT, em 1919, e objeto de sua Convenção sobre a Liberdade Sindical, em 1948, é um assunto indispensável para quem defende a construção de um sindicalismo de trabalhadores livre, independente do poder econômico e estatal, em que prevaleça efetiva democracia, em respeito ao deliberado pelos trabalhadores, através da regulação autônoma e respeito pluralista aos diversos pensamentos contidos no movimento sindical.
E encerro dizendo que, tendo em vista a atual necessidade de resistir a este governo autoritário, que é admirador confesso da ditadura militar, a prática democrática nas eleições sindicais é também parte integrante da luta democrática mais geral no pais.
ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH da OAB-RJ, membro do IAB, ABJD e ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.
MAZOLA
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Segundo o professor Carlos Augusto Addor do ponto de vista histórico, a era Vargas cooptou o movimento sindical sem debates, centralizando a estrutura e perseguindo todos que se opunham a isso, “desde sua origem a Legislação Trabalhista sempre foi uma faca de dois gumes para o trabalhador, ao mesmo tempo que concedeu direitos, passou a controlar e limitar as ações do movimento. O presidente Vargas atendeu reivindicações e demandas que transformaram-se em leis, mas por outro lado ele destruiu a autonomia sindical operária, não sem resistência, muitos anarquista e comunistas foram massacrados. É nesse período de centralização do Estado brasileiro que os sindicatos deixam de ser um órgão de luta e resistência e passam a ser entidades de assistência.