Redação

“Bolsonaro parece um bobo da corte”.

Foi neste momento, aos 26 minutos da entrevista, que Lula carimbou sua vitória no dia mais importante da supersemana da eleição de 2022 – agora apelidada de “superquinta brasileira”. Nela, o petista apresentou no Jornal Nacional a versão Paz & Amor 2.0, um pouco mais incisiva que a analógica, há 20 anos.

Não que isso seja um problema. Era necessário ser assim.

Lula, aliás, tratou com uma delicadeza enorme os entrevistadores da Rede Globo – sem rancor, sem ódio, sem revanche.

É o que o Brasil precisa, caso ele vença no primeiro turno ou no segundo, como mostram todas as pesquisas de intenção de votos neste momento. Ruim mesmo foi para Jair Bolsonaro, que perdeu não só o apelido de “mito” há quatro dias, mas agora viu o principal concorrente sair-se bem em quase todos os temas apresentados por William Bonner e Renata Vasconcellos.

Com Lula indo melhor do que o atual presidente – mesmo que Ciro Gomes também tenha ido muito bem no Jornal Nacional -, a campanha à presidência entrará em um novo ritmo.

É que, historicamente, os dias de entrevistas ao Jornal Nacional costumam gerar alterações nas pesquisas de intenção de voto.

Nesse aspecto, Lula pode comemorar por um lado – já que falou para fora de sua bolha que o mantém com cerca de 45% nas pesquisas há um ano. O petista provavelmente atingiu parte dos 22% de indecisos.

(Curiosamente, sua preocupação nesta semana deve ser mais com Ciro, que também “brilhou” nos mesmos 40 minutos do programa)

Lula tem a vantagem de atrair mais audiência do que o pedetista, como Bolsonaro também o faz, arrastando multidões. O petista entrará agora – como todo o Brasil – no modo 100% eleição, já que começará o horário eleitoral gratuito.

Os programas farão diferença? Sim.

Mas o que ficará mesmo na memória do eleitor comum é a forma como Lula, num ambiente hostil como o da bancada formada por Bonner e Vasconcellos, foi bem até em temas como corrupção, mas também em governança, meio ambiente, política internacional e, principalmente, economia.

Foi quase um baile – e eu achei que seria quando Lula criticou os partidos comunistas chineses e cubanos, dizendo que lá, nesses países que buscam o totalitarismo, não há democracia.

Mas, depois, Lula não foi tão incisivo na crítica ao regime chavista da Venezuela, que ajudou quando era presidente no início do século.

Ocorre que Lula encontrou inclusive uma forma de falar bem do seu próprio governo – que terminou com 80% de aprovação em 2010 após gerar crescimento em quase todos os anos e aumentar o salário mínimo sempre acima da inflação – sem escorregar na principal casca de banana petista: os muitos erros cometidos na economia do governo Dilma, que levou o país a uma recessão histórica.

O ex-presidente até brincou com Bonner dizendo que quando ele deixar a bancada do Jornal Nacional testemunhará um telejornal diferente, comparando com sua saída do Planalto e a chegada de sua sucessora no poder. “Se um dia entrar alguém no teu lugar para fazer o Jornal Nacional você vai perceber que rei morto é rei posto”.

Sobre o tema que mais preocupava a direção de sua campanha – a corrupção que fez parte dos governos petistas e a operação Lava Jato que o levou à prisão através de processos que cometeram abusos com Sérgio Moro – Lula foi bem, lembrando o que fez pela Polícia Federal e a liberdade dada à Procuradoria-Geral da República, respeitando a lista tríplice.

Também admitiu corrupção nos governos petistas, o que é importantíssimo. Foi o único momento, contudo, que o candidato transpareceu algum nervosismo.

“Eu não quero que o procurador-geral da República seja leal a mim, quero que ele seja leal ao povo brasileiro e às instituições”, disse, numa clara referência ao relacionamento entre Augusto Aras e Bolsonaro.

Aliás, além de quando chamou o atual presidente de “bobo da corte”, Lula citou o nome de Bolsonaro outras três vezes, incluindo no tema política, no qual nada de braçada. Ele acusou o orçamento secreto de ser pior do que o Mensalão do PT, fazendo, contudo, a mea-culpa.

Depois, mostrou-se como um professor de ciência política, que ensina sobre o Brasil: “é preciso três coisas para governar – credibilidade, previsibilidade e estabilidade”.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concede entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo

Será que o Bolsonaro estava assistindo?

Esperto, fez questão de falar o nome de Geraldo Alckmin quatro vezes, sinalizando aos conservadores, dizendo que eles “governarão juntos” – reeditando não só o “lulinha paz e amor”, mas também o “nunca antes na história deste país”, agora sobre a  “qualidade” da chapa Lula & Alckmin.

E explicou a aliança com o antigo desafeto:

“Feliz era o Brasil e a democracia brasileira quando a polarização desse país era entre PT e PSDB. A gente era adversário político, trocava farpas, mas se a gente se encontrasse em um restaurante não tinha nenhum problema em tomar uma cerveja com o Fernando Henrique, Serra, Alckmin. A gente não se tratava como inimigo, mas como adversário”.

Bonner teve razão ao dizer que, estimulados pelo “nós e eles” de Lula na Era PT-PSDB, muitos militantes petistas ficaram agressivos nas ruas. O ex-presidente respondeu: “A polarização é saudável no mundo inteiro: tem nos Estados Unidos, na Alemanha, na França, na Finlândia. […] O importante é que não se confunda a polarização com o estímulo do ódio”.

Lula pareceu emocionado em alguns momentos, como ao falar do próximo parlamento que se formará na eleição de 2022. Disse, olhando para a câmera: “Quero dizer uma coisa para o povo brasileiro: o Congresso é resultado da sua escolha, e da sua consciência, não ponha ódio no seu voto”.

É verdade.

A eleição está longe de acabar. Está só começando. Mas foi a hora em que o petista – que liderou o país por oito anos – pareceu ser o novo presidente em 2023 – já com um pé no Palácio do Planalto.

Fonte: Veja

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