Por Lincoln Penna

Escrevo hoje, dia 17 de abril, dia em que se registram dois fatos que precisam ser lembrados: o do afastamento da presidente Dilma Rousseff e o Massacre de Eldorado de Carajás, no Pará, há 25 anos. No caso de Dilma, completam-se cinco anos de seu impeachment. Em meu livro República no Brasil, males de origem, ainda inédito, me refiro ao processo de cassação de Dilma e o faço por entender que as mesmas forças que estiveram juntas no golpe de1964, agiram tanto em 1996 quanto em 2016.

Digo nesse livro, em outras palavras, que o monitoramento dos rumos do Brasil foi objeto das estratégias da política externa norte-americana. E esses rumos passaram a ser mais observados com a eleição de Dilma, não porque dava ela seguimento à política do presidente Lula, mas sobre ela havia a velha desconfiança de tratar-se de uma comunista notória, para os avaliadores do Pentágono. Logo, mais atenção deveria merecer a sua atuação à frente da presidência do Brasil. Tudo o mais foi pretexto para derrubá-la do governo.

Seguem trechos em que termino a abordagem do impedimento de Dilma finalizando o capítulo. Nesses trechos está contido o exame dos fatos, bem demonstrado no discurso de defesa da presidente para os membros do Senado Federal, constituído como reza a norma em tribunal sob a presidência do então presidente do STF Ricardo Lewandowski.

Dilma saiu maior do que era e o Senado se apequenou e quase todos os seus senadores renunciaram a agir como intérpretes das leis. Sua esmagadora maioria agiu como interessada num desfecho esperado. Enfim, não julgaram. Votaram na narrativa devidamente preparada.

Mais uma vez um governante é destituído pela vontade não do povo, mas de uma combinação de forças ligadas ao mundo dos negócios ditado pelos interesses do capital. As artimanhas foram usadas com o objetivo de dotar de uma legalidade inexistente, mas capaz de supostamente neutralizar a legitimidade do mandato. Não importa. O que pesou foi a decisiva máquina de um poder capitaneado por interesses privados, pouco se importando com os destinos do país e capaz de sacrificar quem em determinado momento deu sustentação para poder contar com o respaldo do povo, ou indiretamente de seus representantes, cujas posturas nem sempre souberam conduzir até às últimas conseqüências.

A cada momento como esse a República deixa de existir. Passa a ser um mero enfeite institucional, uma referência sem sentido senão para nomear uma situação que jamais se caracterizou como um regime destinado a servir ao interesse público. E a cada momento como o que tem passado os regimes ditos republicanos, seja nas grandes ou pequenas nações, a única conclusão que se chega é a de que só a organização dos cidadãos, irmanados em desejos comuns é capaz de realizar o sonho nada impossível de representação de todos, sem distinção, dos seus destinos. E isto merece um nome: República.

Na mesma data de 17 de abril, em 1996, portanto, há 25 anos aconteceu o Massacre de Eldorado de Carajás, no Pará, ocasião em que a justa reivindicação de homens da terra foi violentamente reprimida pelas forças militares vitimando mortalmente 19 sem-terras e ferindo inúmeros outros. Eram trabalhadores rurais que exigiam a posse da terra, demanda esta que tem sido sistematicamente negada pelas autoridades do país apegadas a normas rígidas de uma legislação sempre favorável aos grandes proprietários.

É sabido que os responsáveis pela ação da Polícia Militar paraense foram julgados, sentenciados e cumpriram boa parte da pena em seus domicílios e os que fizeram valer as ordens emanadas pelos seus superiores foram isentados de culpa. O tempo passou e outros episódios assemelhados a esse têm sido constantemente registrados num país cujas classes dominantes são alheias ao direito à terra, como permanecem a usar os meios de que mais lançam mão, a intimidação e a violência indiscriminada em defesa de seus interesses históricos.

Dois fatos que se entrelaçam, porque de um lado, um governo que chegou a pensar em constituir conselhos populares para dar ao povo a participação direta no processo político, como reza a Constituição em seu 1º Artigo, Parágrafo único. Nele é dito: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

E de outro, os muitos casos recorrentes de lutas no campo que têm gerado ameaças àqueles que se mantêm insensíveis à justiça social num dos países mais desiguais do mundo.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.