Por Amirah Sharif –

Direito dos Animais.

Não é incomum assistirmos cenas de vaidade humana. Pois é. Tive o desprazer de presenciar uma delas. Andava por uma rua arborizada de um bairro da zona sul do Rio de Janeiro, quando um homem abre a porta de sua casa e vê que um cachorro acabara de fazer suas necessidades ali, bem em frente à entrada principal. Começa a discussão entre o proprietário e o transeunte, sendo que o cachorro era o mais atingido nos xingamentos do enfurecido senhor.

A vereadora do Rio de Janeiro Leila do Flamengo foi autora da lei nº 4.893 de 10 de setembro de 2008, que dispõe sobre a limpeza de fezes de animais em praças, parques e logradouros públicos. Os infratores são advertidos verbalmente e, em caso de desobediência, são autuados com multa pecuniária. Os recursos arrecadados com a aplicação das multas são destinados ao Instituto Municipal de Medicina Veterinária Jorge Vaitsman. Vocês, cariocas, conheciam essa lei?

O cachorro é o que menos tem culpa nesse imbróglio, mas paga o “pato”, porque seus tutores não querem sequer ter o trabalho de levar saquinhos e recolher as “sujeiras” de seu animal.

Li, ano passado, na coluna Petblog da Folha de Vitória, que uma família em Parque das Gaivotas, Vila Velha, Espírito Santo, proprietária de um petshop, teve a ideia de transformar recipientes plásticos de shampoo em porta-sacolas, que ficam disponíveis em postes do bairro. Assim, quando o cachorro ou gato fizer sujeira na rua, é só pegar uma sacolinha, recolher e jogar na lixeira. É sempre bom lembrar que é obrigação do tutor recolher as fezes de seu animal, porque deixá-las nas ruas não só demonstra falta de civilidade como também passa a ser um perigo para a saúde de todos: humanos ou não.

A tal discussão que inicialmente mencionei acima me fez lembrar as aulas que tive de Física 1, no planetário da Gávea, com o professor francês Pierre Lucie e uma palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella. E me utilizei desses ensinamentos para me intrometer na conversa.

Cadáver adiado

Parece que o ser humano é considerado um animal racional, mas, segundo o professor Cortella, a melhor definição para ser humano é a de Fernando Pessoa que diz que “o Homem é um cadáver adiado”.

Todos silenciaram. Prossegui.

A ciência acredita que nós estamos num universo que tem, provavelmente, um formato cilíndrico, em função da curvatura do espaço. Essa teoria era considerada única, mas, atualmente, há suspeita de que não seja assim, mas vamos pensar que estejamos em um universo com formato cilíndrico em função da curvatura do espaço e que é um dos universos possíveis. A Física Quântica não trabalha com a noção de universo, mas sim com a noção de multiverso.

Arregalaram os olhos.

Continuei narrando o que me lembrava da palestra do prof. Cortella. É sempre bom lermos para aprendermos mais e aí vai uma dica: alguns títulos dos livros do físico e astrônomo Marcelo Gleiser “A dança do universo”; “Criação imperfeita” e “O fim da terra e do céu”, todos com linguagem bem acessível. Pode-se comprar pela internet.

Então (é sempre bom falar então. Causa impacto) esse universo surgiu há aproximadamente 15 bilhões de anos. Houve uma grande explosão chamada por um astrônomo inglês de “Big Bang”. A suposição científica é que, há 15 bilhões de anos, o nosso universo inteiro estava contido em um único ponto preso a uma cordinha: matéria concentrada e energia retida, até que alguém cortou essa corda e o universo expandiu. Ao expandir, o que aconteceu? Expandiu matéria e liberou energia. Nós estamos ainda em expansão, creiam! E aí, quando chegar ao ápice de expansão, tudo voltará àquele ponto e, parece que esse processo é sistólico e diastólico. Parece que o segredo da vida é esse: expandir e retrair. Assim é com o coração, pulmão, mas aí teremos de ler algumas obras dos orientais.

Fiquemos tranquilos, pois esse encolhimento se dará em 12 bilhões de anos. Até lá, já nos aposentamos com as novas regras e as nossas aplicações no banco decuplicaram.

Sergio Cortella e Marcelo Gleiser

Essa matéria, que se concentrou no cilindro é chamada de estrelas e elas se agruparam no que chamamos de galáxias. A ciência calcula que no nosso universo haja 200 bilhões de galáxias, sendo que uma delas é a nossa, que fica na porta de saída: a via láctea, que tem apenas 100 bilhões de estrelas e uma delas é o sol. Em volta dessa estrela sol, giram massas planetárias, sendo que a terceira é a Terra.

O que a baiana tem?

Veja como somos importantes! Há pessoas que pensam que Deus criou tudo isso só para existirmos neste planeta. E tem gente que pensa que Deus criou tudo isso só para essa pessoa existir com o dinheiro que tem, com o sotaque que tem, com o emprego que tem, com a cor da pele que tem. Que tem, que tem, que tem!!! E o que que a baiana tem? Não sei. Carmen Miranda se foi e ninguém mais canta essa música.

Nessa hora, acredito que me acharam louca. Ótimo! Nunca se sabe do que um louco é capaz.

Oremos. A ciência acredita que no planeta Terra haja 30 milhões de espécies, mas até agora só classificou 3 milhões de espécies, sendo que uma delas é a nossa: homo sapiens. Segundo estimativa das Nações Unidas feita em abril deste ano, essa espécie tem 7874 bilhões de indivíduos.

Um desses indivíduos é o senhor. Sim, o senhor que está ameaçando chutar o cachorro, que está xingando o dono do cachorro, ameaçando a todos com a pergunta: sabe com quem está falando?

Em verdade, o senhor é um indivíduo dentre outros 7874 bilhões de indivíduos compondo uma única espécie dentre outras 3 milhões de espécies já classificadas, que vivem em um planetinha, que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre 100 bilhões de estrelas compondo uma galáxia dentre outras 200 bilhões de galáxias, num dos universos possíveis e que vai desaparecer.

Ora, quem é o senhor para achar que o certo é esbravejar, gritar e humilhar o outro? Quem é o senhor para ameaçar chutar um cachorro, que é uma criaturinha indefesa e que segue a cartilha ensinada por seu tutor? Quem é o senhor para ditar regras e ameaçar com uma carteira de plástico em que está escrito sei lá o quê, que mostra que é formado sei lá aonde se ainda não leu nada de Marcelo Gleiser e, provavelmente, nem sabe quem é.

Ora, quem é o senhor? Como disse o professor Mário Sérgio Cortella, o senhor é o vice-treco do sub-troço.

É por isso que toda vez que alguém vem com essa indagação: você sabe com quem está falando? Logo respondo à la Cortella: vocês têm tempo para me ouvir?

O tal senhor entrou e bateu a porta. O tutor do cachorro preferiu fazer uma brincadeira e me perguntar. E você? Quem é você?

Respondi rindo à provocação: sou flamenguista, salgueirense e protetora de animais. E, por essa razão, não sou vice-treco, sou O treco do sub-troço.

Fui! Saudações!

PASSAGEIROS DO UNIVERSO

AMIRAH SHARIF é jornalista, advogada, protetora dos animais e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. asharif@bol.com.br


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