Por David E. Sanger

As tentativas do presidente Donald Trump de reverter o resultado das eleições de 2020 são sem precedentes na História americana. São também um uso ainda mais brutal de força política para conquistar a Casa Branca do que quando o Congresso deu a Rutherford Hayes a Presidência no século XIX, após a Guerra Civil Americana.

As chances de sucesso de Trump vão de remotas a impossíveis e são sinais claros de seu desespero depois que o presidente eleito, Joe Biden, ganhou por quase 6 milhões de votos — diferença que não para de crescer conforme a apuração caminha para seu final — e uma confortável margem de 36 votos no Colégio Eleitoral. Ainda assim, o mero fato de Trump tentar despertou alarme generalizado, até mesmo na campanha de Biden.

PRAZOS FATAIS – O atual presidente tem apenas semanas para fazer seus esforços derradeiros funcionarem: a maior parte dos estados em que precisa tirar votos de Biden devem certificar seus resultados nesta semana. O Colégio Eleitoral se reúne no dia 14 de dezembro, e os novos senadores e deputados tomarão posse dia 6 de janeiro.

Mesmo que Trump consiga, de algum modo, alterar estes votos, há outras salvaguardas — isto, evidentemente, assumindo que as pessoas em posição de poder para ativá-las não irão se curvar aos desejos presidenciais.

O que o atual presidente vem fazendo é, sob muitos aspectos, uma tentativa ainda maior de tomar o poder à força do que a ocorrida em 1876. Na ocasião, Hayes era governador de Ohio, e não presidente dos Estados Unidos. Quem ocupava a Casa Branca era Ulysses Grant e, quando Hayes ganhou — também por alterar o voto em três estados — ele ficou conhecido como “Senhor Fraudulento”.

CASOS DIFERENTES — ”Mas isso é muito pior” — disse Michael Beschloss, historiador presidencial e autor de “Os presidentes da guerra”. “No caso de Hayes, ambos os lados concordaram que os resultados em ao menos três estados estavam em disputa. Agora, nenhuma pessoa séria acredita que há um número suficiente de votos questionados que poderiam ter dado a vitória a Donald Trump.

Segundo o historiador, esta é uma “crise fabricada”: “É um presidente abusando de seus imensos poderes para permanecer no governo após o voto popular claramente rejeitar sua reeleição” — afirmou. “Era isso que muitos dos Pais Fundadores temiam”.

Trump já havia sinalizado esta estratégia durante a campanha. Em setembro, disse para participantes de um comício em Middletown, na Pensilvânia, que iria ganhar nas urnas, na Suprema Corte ou na Câmara — onde, pela 12ª emenda da Constituição, cada delegação tem direito a um voto na escolha do presidente em caso de impasse no Colégio Eleitoral (há 26 delegações dominadas por republicanos, mesmo que a Casa tenha maioria democrata).

PLANO B – Este é, claramente, o plano B depois do fracasso do plano A, uma estratégia legal improvisada para mudar o resultado das eleições ao invalidar cédulas eleitorais em estados-chave. Em estado após estado, os advogados do presidente foram motivo de piada nos tribunais, sem conseguir apresentar provas que sustentassem as alegações de fraude, cédulas falsificadas ou erros no software de máquinas de votação que poderiam, mesmo hipoteticamente, ter mudado ou apagado 2,7 milhões de votos.

Mesmo alguns entusiastas e ex-assessores antigos do presidente o abandonaram nesta cruzada, não raramente com zombarias sarcásticas. Um deles foi John Bolton, o terceiro conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca de Trump, demitido no ano passado.

O argumento básico deles é que isso foi uma conspiração tão vasta e tão bem-sucedida que não há qualquer evidência de que aconteceu — disse Bolton no domingo em uma entrevista ao programa This Week, no canal ABC. “Agora, se for verdade, quero muito saber quem foram as pessoas que conseguiram orquestrar isso. Precisamos contratá-las para a CIA”, ironizou.


Fonte: The New York Times (Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves/Folha de SP)