Por Ricardo Cravo Albin –
“O mais escandaloso dos escândalos é quando nos habituamos a ele” – Simone de Beauvoir.
Frente a uma tragédia avassaladora como a pandemia que nos infelicita, o despreparo e a reincidência só podem mesmo resultar na desolação.
Explicito. Para os que me acompanham nessas observações desde o começo da Peste – insisto em nomeá-la pela palavrinha-síntese empregada pelo povo na também avassaladora Gripe Espanhola, e não necessariamente pelo livro de Albert Camus de igual título – venho insistindo nos três vocábulos do título pelo menos nos últimos noventa dias. E por que? Por tudo com o que compartilhamos em despreparo, e consequente desolação, desde que os óbitos começaram a aumentar.
Só que agora o despreparo se funde na desolação por conta da reincidência dos governadores e prefeitos em abrir as cidades. Exatamente no momento supremo da perspectiva de estancar a pandemia no seu berço, ou seja, a transmissão do vírus, com protocolos rígidos e científicos para abertura do confinamento e dos lockdowns.
Não há meias palavras, senão desolação, pelo que desde a última sexta-feira, dia 25 de junho, um país estarrecido comprova no abre e fecha de cidades de norte a sul. Desolação ampliada agora pelas revelações das roubalheiras patéticas no sistema de saúde em boa parte do país. Uma vergonha.
A cegueira de prefeitos – bisonhos, incultos e politiqueiros – aponta culpa maior deles que a dos governadores. Não há como perdoar o desconhecimento das esperadas reações do povo ante normas rígidas a serem cumpridas por protocolos universais (testados por países que já conseguiram abrir suas cidades sem riscos de infecção continuada). A cegueira, desgraçadamente, é potencializada por dois fatores de essência, o primeiro é a falta de fiscalização rigorosa e consequente punição para os cidadãos que violam as normas de segurança deles mesmos e – o muitíssimo pior – dos demais, que cumprem a duras penas obrigações individuais de proteção. O segundo fator, mais perigoso segundo infectologistas, é o transporte coletivo que, sempre deficiente e esquálido no Rio, trafega com o absurdo de gente em pé. Acabo de ver nos telejornais, os BRTs da Barra da Tijuca lotados, passageiros grudados uns aos outros, a maioria sem máscaras.
A imprevisão atinge, pela ausência de fiscalização, a maioria do comércio formal e o de rua, que pouco obedece aos protocolos de cada cidade, dos quais alguns comerciantes sequer tomam conhecimento.
Voltando à cegueira dos prefeitos: parece que não pensam, não deduzem, não sabem que estão provocando novas ondas da Peste. Já agora com sistema hospitalar ainda mais lotado (e falido, quase sempre), com óbitos crescentes. Que incidem sobretudo nos mais carentes, não bastassem os favelados, a população de rua, e agora, para completar o horror, os indígenas. Despreparo esse que é uma maldição a assolar desde sempre este país injusto.
Não é admissível que sequer passe pelas cabeças dos prefeitos o óbvio: uma população em quarentena, quando solta, não primará por observar protocolos rígidos, em especial com fiscalização deficiente em todos os campos – nas praias, nos restaurantes, nos shoppings e, sobremaneira, na disputa para adentrar um transporte qualquer. Observo um raro exemplo de boa gestão em Niterói, onde a fiscalização está presente e atuante. Inclusive nas orlas e praias, como Icaraí e Itaipu.
É claro que todos nós, em confinamento com grande sacrifício, sabemos o que os prefeitos preferem ignorar, pela pressão do comércio, da economia e dos próprios municípios, também saturados pelo isolamento, pelo desemprego galopante (hoje 13 milhões), pelo nada a fazer.
Um estudo da UFRJ aponta uma elevação da taxa de contágio no Rio de 1.03 para 1.39, passando a classificação de risco moderado, ao fim do mês passado, para risco alto em meados de junho. O estudo conclui o óbvio, que eu pressupunha desde o início da Peste, não será hora de antecipar a reabertura de cidades. Ao que se soma a sombria previsão da OMS de que o pior da pandemia ainda está por vir.
Aliás, nos Estados Unidos ela disparou após a reabertura de cidades. O tiro saiu pela culatra para Trump, já em risco de se reeleger.
Nem cito as cidades, do Pará ao Paraná, que já experimentaram a gangorra da morte, o sobe e desce da infecção com números de mortos ampliado, até pelo esgotamento dos hospitais. Refiro-me apenas à Brasília, que declarou há pouco o estado de calamidade pública.
Só para ir um pouco mais longe, a surpresa para mim foi a sensatez do “populista” presidente Fernadez da Argentina, ao rejeitar pressão por retomada e apertar a quarentena em Buenos Aires. Em poucos dias, taxas de infecção e de mortes baixaram animadoramente. Tal como infectologistas apregoam a cada semana. O que está elevando a popularidade do presidente hermano às alturas. Enquanto isso nossos prefeitos brincam com a gangorra da morte. Se a cidadania fosse mais forte as vítimas poderiam processar os alcaides imprudentes pela morte de inocentes. Ou ao menos castigando-os com abstenção de votos nas eleições que estão por vir.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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