Redação –
A tentativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir na nomeação do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro pode abrir o caminho para a retomada de duas propostas de emenda à Constituição (PECs) paradas no Congresso. Após a declaração do presidente de que ele é “quem manda” na definição dos cargos de comando do órgão, delegados federais decidiram cobrar dos parlamentares a aprovação da autonomia administrativa, financeira e orçamentária da Polícia Federal, além da fixação de um mandato fixo para o diretor-geral da instituição.
As medidas estão previstas respectivamente em duas PECs, a 412/09, em tramitação na Câmara, a PEC 101/15 , no Senado. “Vamos buscar a autonomia na Constituição, que é o único remédio para proteger a polícia desse tipo de crise e de uma interferência indevida. Há dez anos dizemos que a possibilidade de interferência política na PF. Nesse caso, agora, foi público. Mas há formas de se fazer isso nos bastidores, com corte de verba, transferências e promoções estratégicas. Ninguém fica sabendo disso”, afirmou o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, ao Congresso em Foco.
Bolsonaro abriu crise com a PF ao afirmar que o superintendente estadual no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, deixará o cargo por “problemas de gestão” e “produtividade” e ao anunciar a nomeação de um delegado do Amazonas em seu lugar, ignorando a indicação já feita pelo diretor-geral, Maurício Valeixo.
“O que eu fiquei sabendo, se ele [Valeixo] resolveu mudar, vai ter que falar comigo. Quem manda sou eu. Deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu. Pelo que está pré-acertado, seria o lá de Manaus [Alexandre Silva Saraiva]”, afirmou Bolsonaro em entrevista a jornalistas nessa sexta-feira, desautorizando Valeixo e o próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a quem está subordinada a PF. Bolsonaro recuou depois da ameaça do diretor-geral e de delegados federais de entregarem o cargo. Após a reação dos policiais, o presidente amenizou o tom das declarações. “Tanto faz para mim. Eu sugeri o de Manaus, e se vier o de Pernambuco não tem problema, não”, afirmou. O descontentamento do presidente com Saadi é atribuído por interlocutores da polícia à sua posição independente em relação às investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (PSL-SP).
Segundo Paiva, os delegados vão buscar o apoio de lideranças partidárias nos próximos dias para trazer a discussão sobre a autonomia da PF novamente à pauta. “Quando o presidente bate na mesa e diz que ele é quem manda está demonstrando força. Ele é realmente o mandatário máximo do país. Mas em relação a órgãos de Estado tem de agir como estadista, garantir que eles tenham posição republicana e técnica. O presidente precisa ter posição de estadista. Ele desautoriza o Ministério da Justiça e o diretor-geral e passa a imagem de que a Polícia Federal é uma polícia de governo. Não podemos aceitar isso”, disse o presidente da ADPF.
PF dividida
A crítica às novas declarações de Bolsonaro une as categorias da PF, mas não o discurso em defesa da autonomia da instituição. O assunto opõe as demais carreiras de polícia aos delegados. O presidente da Associação dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, diz que ficou perplexo ao ouvir as declarações do presidente sobre a mudança na chefia da Superintendência da PF no Rio de Janeiro. Mesmo assim, ressalta, é preciso cuidado na análise das propostas em discussão no Congresso. Na avaliação dele, o mais importante é que a PF tenha sua autonomia técnica e investigativa preservada.
“As indicações para as superintendências são prerrogativas do diretor-geral por questões técnicas e legais. Somos um órgão de Estado, não de governo. Em 20 anos de Polícia Federal, nunca vi uma ação assim tão incisiva”, declarou Marcos ao Congresso em Foco. Apesar da gravidade do posicionamento de Bolsonaro, ele considera que a blindagem da PF não passa pela aprovação da proposta em discussão no Congresso que garante autonomia à instituição.
“Essas PECs precisam primeiro ser discutidas internamente. Elas saíram de fora para dentro. Não podemos usar um caso como esse para aprovar um texto que ainda não está maduro. Não queremos politizar esse episódio sem amadurecer o debate”, disse.
Além dos peritos, papiloscopistas e escrivães também se posicionam contra a autonomia orçamentária, financeira e administrativa da PF, a exemplo de procuradores da República. As outras carreiras temem que a mudança dê ainda mais poder aos delegados em vez de fortalecer a polícia como um todo. Os delegados, porém, argumentam que a autonomia é necessária para afastar eventuais interferências políticas do governo e equilibrar o jogo de forças com o próprio Ministério Público, que já dispõe dessa prerrogativa.
“Falaciosa autonomia”
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, disse em abril ser pessoalmente favorável à autonomia da PF. Em resposta, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) divulgou nota com críticas à PEC 412, que, segundo a entidade, concede “pretensa e falaciosa autonomia a um braço armado do Estado”.
“A fala do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em nada representa a opinião da maioria esmagadora dos policiais federais representados por essa Federação. Reiteramos que essa falsa autonomia pregada pela proposta que tramita no Congresso em nada contribuirá para o órgão e que a generalização de que entidades sindicais e associativas concordam com tal ideia foi feita de forma irresponsável e não retrata a verdade do sindicalismo no país”, disse a Fenapef no comunicado.
Os delegados terão trabalho para desengavetar a PEC 412, que prevê a autonomia da PF. O texto está parado há dez anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os deputados não analisaram sequer se a proposta é constitucional até o momento. Só depois dessa etapa é que pode ser criada uma comissão especial para analisar o mérito da proposição.
O presidente da ADPF, Edvandir Paiva, reconhece as dificuldades. “O Congresso acaba de aprovar um projeto [abuso de autoridade] que criminaliza quem combate criminosos. O momento não é bom. Mas vamos trabalhar para convencer as lideranças sobre a necessidade de se garantir a autonomia à Polícia Federal”, disse ao Congresso em Foco.
Já a PEC 101/15, que fixa em três anos o mandato do diretor-geral da PF, foi arquivada ao final da última legislatura. O texto entrou na pauta, mas não chegou a ser analisado pela CCJ. A proposta prevê que o diretor-geral será indicado pelo presidente da República por meio de uma lista tríplice com integrantes da última classe funcional. A nomeação, porém, fica condicionada à aprovação do indicado pelos senadores. (fonte: Congresso em Foco, por Edson Sardinha)
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