Redação

Homologada pelo STJ, delação cita suborno de R$ 600 mil para Marfan Vieira.

O ex-secretário estadual de Saúde do Rio de Janeiro Sérgio Côrtes disse, em anexo de delação premiada, que pagou propina a Marfan Vieira e Eduardo Gussem, os dois últimos ex-comandantes do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Marfan, hoje, é subprocurador-geral de Relações Institucionais e Defesa de Prerrogativas, ocupando o segundo degrau hierárquico do organograma da instituição. Gussem está aposentado, trabalhando na iniciativa privada.

Segundo o delator, em documento obtido pelo Metrópoles, o suborno de R$ 600 mil foi quitado com o dinheiro de fornecedores de próteses ortopédicas, em dinheiro vivo, entregue em um apartamento no Leblon, em 2013. O documento aponta a participação de Gussem não quando foi chefe do MP e sim enquanto ele era subprocurador na gestão de Marfan.

A operação teria sido encabeçada pelo advogado Ary Bergher. Ele teria recebido o valor em cédulas, supostamente repassando a quantia para os procuradores – além de custeado viagens, “quase anuais”, para Marfan ir ao exterior.

Côrtes afirmou que, “embora [Bergher] não tenha afirmado explicitamente, ficou totalmente claro que o dinheiro era para Marfan”. Segundo o ex-secretário, “Ary deixou claro que aquele meu acerto com ele abrangeu Marfan e Gussem”.

Em troca do dinheiro e dos favores, Côrtes disse que recebia informações privilegiadas sobre investigações, cópias de inquéritos contra ele e obtinha arquivamento dos casos de irregularidades em sua pasta.

A proteção teria tido vigência entre 2013 e 2017, último período em que Marfan comandou o órgão. No total, ele já ocupou o posto máximo da instituição por quatro vezes. A delação aponta a participação de Gussem nesse período e não enquanto foi procurador-geral de Justiça, entre 2017 a 2021, quando a instituição foi responsável por investigar casos polêmicos como a rachadinha do ex-deputado estadual Flávio Bolsonaro (hoje senador pelo PL) e o assassinato da vereadora Marielle Franco.

Comprovação incerta

Instrumento controverso, alvo de críticas quando não respaldado por comprovações dos relatos, o acordo de colaboração de Côrtes foi tratado com a Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado, ano passado, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.

No anexo obtido pela reportagem, não há clareza da data de cada episódio descrito. Os supostos arquivamentos de investigações contra o ex-secretário, embasados na subjetividade da leitura das leis, também são de comprovação incerta. Um pagamento em dinheiro vivo, como declarado na delação, é de difícil rastreio.

Como provas, o ex-secretário entregou mensagens eletrônicas e documentos mostrando os supostos benefícios que recebeu na tramitação de inquéritos – sugeriu ainda que a localização dos citados fosse rastreada por meio de antenas de telefonia, comprovando encontros em residências e restaurantes badalados do Rio.

Cirurgia e fura fila no SUS

Obtido pelo Metrópoles, esse capítulo da colaboração recebeu o título de “Blindagem” e joga luz sobre supostas relações promíscuas que teriam permitido que a corrupção do então governo de Sérgio Cabral se alastrasse, tirando dos cofres públicos cerca de R$ 4 bilhões em 12 anos, segundo cálculos da Lava Jato. Multas e ressarcimentos movimentaram R$ 14 bilhões.

Côrtes revelou que ambos investigadores viraram seus pacientes. A Gussen, já ofereceu serviços médicos sem cobrar, quando fez uma cirurgia no quadril, em São Paulo, aponta a delação. Marfan costumava pedir para conhecidos furarem a fila do Sistema Único de Saúde (SUS), usando a influência do então secretário de Saúde, segundo o relato.