Por Lincoln Penna –
A pronta atitude do governo Lula reduziu as hordas golpistas e sua agressão a sua verdadeira dimensão.
O título faz nos lembrar do acontecimento que deu origem à tomada do poder político pelos fascistas italianos, e que constituiu em um fato histórico que não pode nem deve ser esquecido pelos democratas do mundo inteiro. A diferença está no fato de a marcha dos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023 – guardem esta data – nos reconduziram ao fortalecimento das instituições democráticas, mas nada garante que ela seja definitiva.
Os fatos que ocorreram em Brasília invocam necessariamente a questão democrática no Brasil e no mundo. As semelhanças com o que marcou a mudança política na Itália há um século sugere no mínimo algumas reflexões, guardadas evidentemente as circunstâncias específicas de cada caso. Sobretudo, que o atentado aqui foi um fracasso para os que agrediram os valores democráticos. Não nos iludamos, pois o terror é uma arma dos que utilizam o argumento da força como prática de ação política.
A relevância de se colocar no pedestal mais alto a questão democrática no momento em que enfrentamos a intolerância dos derrotados no último pleito eleitoral se explica basicamente por dois motivos: (1) o funcionamento da democracia passou a ser de uns tempos para cá objeto de permanente questionamento na arena política, cuja finalidade para os antidemocráticos da extrema-direita objetiva demonstrar a inoperância da democracia; e, (2) estes mesmos antidemocratas investem ultrajando os poderes da República para desqualificá-la, mediante argumentos como a falta de liberdade de expressão, artimanha para seduzir os incautos.
As hordas golpistas possuem uma similitude com os fascios que irromperam na vida política de um país devastado pela guerra e ao agiram, no que diz respeito ao que ocorreu no Brasil, visaram a sede dos três poderes da República. Não o fizeram em nome de nenhuma ideologia, senão embalados pelo ódio à democracia ressurgida com força no último processo eleitoral e no rumo de sua consolidação, apesar dos percalços enfrentados por conta de uma herança desastrosa do governo Bolsonaro, que a tripudiou como pode para fazer valer seu projeto de desmonte do estado nacional. Mesmo derrotados não se cansarão de voltar à carga para impedir que o novo governo possa realizar um vasto programa de reconstrução nacional.
A pronta atitude do governo Lula reduziu as hordas golpistas e sua agressão a sua verdadeira dimensão.
Mesmo tendo havido falhas que estão sendo apuradas, de um modo geral houve uma real sintonia entre os novos governantes e a sociedade como um todo, situação comprovada por uma sondagem de opinião que cravou 90% dos entrevistados contrários à barbárie perpetrado naquele domingo. Este fato dá uma demonstração de que o povo em geral discorda de métodos que não consultam o bom-senso, e isto é um ganho para a democracia e para o fortalecimento das ações políticas.
A democracia é uma forma de coexistência de concepções e opiniões que ao divergirem garantem que essa pluralidade de ideias seja preservada em nome de um contrato acertado por todos os protagonistas e suas diferenças. Mesmo nas sociedades desiguais socialmente é possível conviver com as lutas de classes nos embates políticas e ideológicos, pois essa situação é que confere o que se denomina de democracia política, não obstante o quadro de exclusão social que impede a democracia plena, isto é, a democracia social a ser conquistada.
Os que se batem pelas transformações no Brasil, uma vez consolidada a democracia política, é saber qual será o rumo a ser dado pelo governo Lula. Não basta garantir o funcionamento das instituições democráticas apenas mantendo o quadro de tantas desigualdades que resistem há séculos, em momento algum minimizadas pelos projetos reformistas que não altera o fosso em que se encontra o povo.
É preciso que avancemos na direção das reformas estruturantes, capazes de eliminar os velhos e novos obstáculos que impedem a conquista da democracia social, a despeito de se viver sob o império do capital. Uma vez dado início ao processo de remoção dos destroços deixados pelo governo Bolsonaro só há um caminho para a consagração do atual governo Lula: dar voz, dignidade e direitos que têm sido sonegados ao povo mais desassistido do país.
Diante do engajamento desses segmentos sociais alijados há anos, mas esperançosos em reaver os seus postos de trabalho em face da queda de nossas atividades industriais que fez aumentar a taxa de desemprego crônico ganha relevância os inúmeros desafios que têm pela frente. Assim, o lema União e Reconstrução é um bom binômio a ser adotado.
A união foi de alguma maneira alcançada no processo eleitoral pela frente ampla e, após a marcha terrorista sobre Brasília, mais ampliada ainda.
Resta operacionalizar as tarefas da reconstrução, que passa pela retomada do desenvolvimento com justiça social, ou seja, com a adoção de políticas públicas em condições de proporcionar ganhos efetivos aos grandes contingentes sociais representativos de uma população ainda significativamente carente, porém consciente de que não se podia mais continuar com governantes que só lhes retiravam direitos.
É bom que se deixe claro que essa política do governo negacionista objetivava atacar os planos em face da emergência das pautas sociais, sobretudo, nas áreas onde ela tem condições de se materializar como a saúde pública, a educação e a cultura em suas diversas manifestações. Buscou por isso mesmo capturar as populações mais vulneráveis através de mentiras que se sucediam com vistas a desqualificar os que se opunham ao governo antissocial de Bolsonaro.
Além disso, usou as bandeiras da liberdade, tal qual fizeram os fascios da Marcha sobre Roma, para difundir conteúdos visando minar os princípios basilares da democracia política em vigor naquele país e confundir, com isso, as massas desinformadas e mal-informadas, de modo a atraí-las para os seus intentos totalitários. Procurou organizá-las ao adotarem o dopolavoro, ao reunir em cada comunidade os italianos ainda perplexos diante da maré montante que tomou conta da Itália.
Essa tática da chamada diversão, quer dizer, a adoção de formas para distrair as pessoas mais humildes das comunidades periféricas para que elas desviem suas preocupações do cotidiano e com isso deixem em segundo plano os seus interesses imediatos acaba por dar suporte ao poder de mando instalado no estado. Esta iniciativa corresponde a um nível mais bem organizado nos regimes fascistas. Por aqui, o fascismo ainda é uma ameaça e como tal precisa ser derrotado em seu nascedouro, porquanto uma vez no poder a tarefa de removê-lo tem um alto custo social, na medida em que demanda uma guerra fratricida.
O ódio destilado tanto na Europa do período entreguerras como aqui é típico das hordas fascistas. Atitude que não somente revela total desprezo pela coexistência entre desiguais no campo das correntes de opinião, como é um método e ao mesmo tempo uma prática destinada a unificar a sociedade em torno de uma opinião única, razão pela qual a definição de totalitarismo é sempre bem empregada.
Afinal, o fascismo não tolera a diversidade no que diz respeito às questões políticas e ideológicas, daí o comportamento antidemocrático que o notabiliza onde quer que seja.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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