Por Carolina Maria Ruy –
Em agosto de 1962, há 60 anos, foi criado o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), no IV Encontro Sindical Nacional dos Trabalhadores.
Sem reconhecimento do Ministério do Trabalho, o CGT foi constituído pelas lideranças de três das cinco confederações nacionais oficiais de trabalhadores — a CNTI, a Contec e a CNTTMFA —, além de federações, sindicatos e de organizações paralelas como a CPOS, o PUA e o FSD.
Naquela data, João Goulart estava à frente de um governo que convivia com grande efervescência social e com um crescente nível de politização do movimento sindical.
Formado, sobretudo, pelos comunistas ligados ao PCB e pelos trabalhistas ligados ao antigo PTB, opositor à linha ministerialista, o primeiro presidente foi Dante Pelacani, o vice, Clodesmidt Riani (vice-presidente e presidente da CNTI). Osvaldo Pacheco da Silva, presidente do PUA, foi o primeiro secretário-geral e Rafael Martinelli, líder ferroviário, tesoureiro. Aluísio Palhano, Demistócledes Batista, Paulo de Melo Bastos e os líderes da CPOS Benedito Cerqueira, Hércules Correia dos Reis e Roberto Morena também foram dirigentes.
Os líderes do CGT eram próximos ao Presidente da República, o que era visto como uma ameaça por setores de direita que apelidaram o CGT de “quarto poder”, reforçando o fantasma de uma “República sindicalista”, forjado na época em que Goulart era Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas (em 1954).
Isso estava longe de ser verdade. O projeto político de Jango consistia em incentivar o crescimento de pequenos capitalistas gerando um ambiente liberal de competitividade. E a relação do movimento sindical com o presidente, baseada em diálogos e negociações, nem sempre era harmônica.
No fim de 1962, por exemplo, o CGT se opôs às medidas de austeridade previstas no Plano Trienal, criado por San Tiago Dantas e Celso Furtado, e manteve a agenda de lutas por melhores salários. Como resposta, Jango nomeou o advogado Almino Afonso, que tinha boa interlocução com o movimento sindical, para o Ministério do Trabalho. Em um primeiro momento a atitude de Goulart pareceu surtir efeito, com Almino buscando contornar o movimento grevista. Mas quando os efeitos da austeridade começaram a afetar os trabalhadores, o próprio ministro manifestou-se contra o Plano Trienal.
Em janeiro de 1963, para obter apoio do CGT para o plebiscito que decidiria entre a manutenção do parlamentarismo ou a volta do presidencialismo, Goulart propôs a revisão do salário mínimo e a redução dos preços dos gêneros de primeira necessidade. A negociação garantiu o aumento de 75% do salário mínimo (embora os sindicalistas pedissem 100%) e assegurou o apoio dos trabalhadores à volta ao presidencialismo[1].
Mas o fracasso do Plano Trienal gerou, enfim, uma crise no governo, que passou a lançar mão de decretos-lei, em um desgaste ainda maior com elite brasileira.
Para acalmar os ânimos, o presidente afastou Almino Afonso do Ministério e chegou a criar a União Sindical dos Trabalhadores, uma nova entidade trabalhista que enfraqueceria o CGT, como queria o ministro da Guerra, general Amauri Kruel. Medidas que, no entanto, foram inócuas, já que a União Sindical nunca saiu do papel e poucos meses depois, Goulart buscou uma reaproximação com o CGT.
Em outubro de 1963 uma greve geral em São Paulo, paralisou quatorze categorias abrangendo 700 mil trabalhadores. A chamada “Greve dos Setecentos Mil”, estendeu-se por cinco dias mobilizando metalúrgicos, trabalhadores têxteis, gráficos, químicos, marceneiros, empregados nas indústrias de laticínios, de trigo, massas alimentícias, curtume, bebidas, mobiliários, artefatos de couro e calçados. O movimento expandindo-se para cidades do interior, litoral e Grande São Paulo. Foram conquistadas as reivindicações salariais, mas não as reivindicações políticas, como o reconhecimento da CNTI como entidade representativa dos industriários[2].
Aproveitando o ensejo daquela greve, o CGT reeditou sua campanha pelo aumento de 100% do salário mínimo e pelas reformas de base. A entidade também estava empenhada na realização de um Congresso Nacional de Trabalhadores na qual formalizaria um pedido oficial de legalização da central.
O clima na política nacional era cada vez mais tenso. Desde o fim de 1963 e o início de 1964, uma forte campanha anticomunista se espalhava pelo país, tornando os movimentos sociais cada vez menos receptivos, sobretudo pela classe média.
A esquerda também estava dividida e, para tentar reaproxima-la, Goulart pediu a San Tiago Dantas, em fevereiro de 1964, um programa mínimo de reformas de base. O comício da Central do Brasil, também fez parte desse esforço de unir Forças protagonizado pelo presidente.
O CGT também foi solidário ao movimento dos marinheiros e fuzileiros navais, no Rio de Janeiro, nos últimos dias de março de 1964. Kruel mais uma vez pediu que o presidente rompesse com os sindicalistas, mas desta vez Goulart se negou e preferiu ficar ao lado das forças populares que o apoiavam.
No dia 31, às vésperas do golpe militar, todo o dispositivo de greve geral estava montado pelo CGT, mas, na madrugada de 1º de abril de 1964 cerca de vinte líderes da entidade foram presos. Algumas prisões ocorreram no momento em que, reunidos na sede do Sindicato dos Estivadores do Rio de Janeiro, líderes do CGT discutiam sobre a estratégia a ser adotada frente ao movimento. Vários sindicatos foram invadidos.
No dia 10 de abril de 1964, foi divulgada a primeira lista de líderes cassados pelo novo governo. Dela faziam parte vários membros do CGT, como Riani, Pelacani, Correia dos Reis, Pacheco, Martinelli, Morena e Palhano.
O CGT não foi a primeira tentativa de criar uma entidade sindical com atuação nacional e política. Houveram outras iniciativas intersindicais anteriores, como a COB, de 1908, a PUI e a PUA como desdobramentos da greve de 1953. O CGT, entretanto, foi uma experiência mais robusta, cujos princípios foram resgatados na Conclat de 1981 semeando, enfim, as centrais sindicais contemporâneas.
Apesar de uma trajetória curta, bruscamente interrompida pelo golpe militar, a robustez do CGT é justificada tanto pelo legado de experiências anteriores, quanto pelo fato de que em 1962 o Brasil já era um país industrializado com uma população cada vez mais urbana.
CAROLINA MARIA RUY – Jornalista e pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical.
Publicado inicialmente em Memória Sindical. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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