Por Luiz Carlos Prestes Filho

A jornalista e consultora de sustentabilidade, Cora Ayres, considera que pode chegar o momento quando o planeta Terra não tenha mais capacidade de se regenerar. Por essa razão, a sociedade tem que parar de enxergar os resíduos como lixo e deve tratá-los como recurso. Através da reciclagem e da compostagem os resíduos vão adquirir valor: “Vamos sair de uma economia linear para uma economia circular. Os resíduos poderão se tornar matéria-prima.”

Luiz Carlos Prestes Filho: Circularam informações de que durante a pandemia Covid 19 os rios, os oceanos e as florestas foram menos poluídas. Isso corresponde a verdade?

Cora Ayres: Eu não tenho como te dar certeza sobre esta realidade. Saiu, sim, na mídia sobre este fato, mas muitos especialistas explicaram que as águas cristalinas ou o aparecimento de tartarugas nas águas da Bahia de Guanabara, por exemplo, nada tinham a ver com a pandemia. Mas não tenho autoridade para falar sobre o assunto. Só levanto a reflexão: menos poluídas de que forma, se os esgotos humanos continuam sendo despejados nos rios e mares da mesma forma? Se muitas comunidades continuam vivendo sem saneamento básico? Como consultora lixo zero, posso comentar sobre a geração de resíduos durante a pandemia Covid 19. Nós não paramos de gerar resíduos, nós apenas mudamos a forma de fazê-lo. Antes, produzíamos muitos resíduos fora de casa, agora produzimos mais dentro. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Comlurb – que faz coleta resíduos residenciais – relatou que houve aumento na coleta de resíduos recicláveis e diminuição da coleta de lixo comum. A meu ver isso se deu por estarmos consumindo mais dentro de casa, mais embalagens, mais comida embalada, mais brinquedo, mais utensílios domésticos, muita compra online, muito delivery, etc…

Prestes Filho: Qual a relação da pandemia com aquelas mudanças que a humanidade deve adotar para proteger o planeta Terra?

Cora Ayres: Toda. A meu ver a pandemia do Corona Vírus é uma consequência das escolhas humanas de não priorização das responsabilidades social e ambiental.

Prestes Filho: O tema RESÍDUOS está inserido no contexto das mudanças que a sociedade civil deve adotar para a humanidade sobreviver?

Cora Ayres: Com certeza. Mudar a nossa geração de resíduos e a forma como o tratamos pode ajudar a humanidade a sobreviver. O aquecimento global, mudanças climáticas, está diretamente ligado também a geração de lixo. A sociedade em sua maioria ainda trata o resíduo como lixo, que tem uma conotação nojenta, suja, repulsiva. Na hora do descarte, juntam tudo em uma única lixeira e encaminham para um único lugar: no Brasil, para lixões e aterros sanitários. A degradação do lixo nestes locais geram gases como dióxido de carbono e metano, que contribuem para o efeito estufa – mesmo que aterros dizem ser controlados, os aterros são finitos, têm limite de capacidade, tempo de vida. Fora o tanto que se gasta para deslocar os resíduos até lá. Além disso, esta prática de disposição final fomenta o que chamamos de economia linear, em que alguém produz, nós consumimos e descartamos em seguida. E aí, para se produzir novamente, precisa-se retirar mais recursos da natureza, para consumirmos mais e descartamos mais. Uma estrada de mão única, sem fim. Até quando vamos sobreviver dessa forma? Até quando o planeta vai conseguir se regenerar para manter estes nossos hábitos? A partir do momento em que toda a sociedade parar de enxergar os resíduos como lixo e tratá-los como recurso, tudo muda. Através da reciclagem e da compostagem é possível que os resíduos tenham valor e nos permitam sair de uma economia prioritariamente linear, para uma economia circular… onde os resíduos podem se tornar matéria-prima novamente para novos produtos. A economia circular não visa acabar com o crescimento econômico, apenas agrega valor a ele, trazendo responsabilidade social e ambiental também. Alguns números: No Brasil, geramos cerca de 260mil ton de resíduos por dia. Dessas, 92% são coletadas (=239.200 mil ton). Se um caminhão de lixo carrega cerca de 18 ton de resíduos, então, temos cerca de 13 mil caminhões circulando diariamente para fazer essa coleta. As prefeituras, gastam cerca de R$50/ton de resíduo coletado por dia – isso somente para o transporte, sem contar os gastos de aterro. O que dá um total de quase R$ 12 milhões diários. Cerca de 50% do nosso resíduo domiciliar é orgânico. Se toda casa no Brasil fizesse compostagem, os caminhões coletariam 50% a menos, certo?

Seriam 6,5 mil caminhões a menos todos os dias, menos trânsito, menos asfalto gasto, menos combustível, menos poluição por transporte terrestre e menos gastos da prefeitura, que vem dos nossos impostos, do nosso bolso. Uma economia de cerca de R$ 6 milhões. Este dinheiro poderia ser utilizado para saúde e educação, por exemplo, não? Isso porque falamos apenas dos benefícios da compostagem. Combinado à prática da reciclagem, só melhora.

Prestes Filho: O Brasil tem adotado boas práticas na transformação e na reutilização de resíduos? A sociedade civil está organizada?

Cora Ayres: Desde 2010, o Brasil possui a Lei 12.305/10, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)… que, grosseiramente, visa acabar com todos os lixões do território nacional, fomentar a reciclagem e a compostagem. Mas ainda estamos muito longe disso acontecer. Infelizmente, dos 92% dos resíduos que são coletados no Brasil, apenas 3% são encaminhados para reciclagem. E desses 3%, apenas metade é de fato reciclado. Por que isso acontece? Falha na separação, falha na coleta, falta de conhecimento das pessoas, repetição de velhas práticas, preconceito, manutenção da indústria do lixo e falta de incentivo do governo. Por que nossas prefeituras pagam preços altíssimos para enterrar os resíduos no aterro sanitário, e não pagam nada para as cooperativas de reciclagem, que fazem um trabalho muito técnico e importante para viabilizar que a cadeia da reciclagem aconteça? O Lixo Zero é um movimento que vem crescendo em âmbito nacional, liderado pelo Instituto Lixo Zero Brasil. Hoje eles já tem representantes em cerca de 120 cidades brasileiras, que levantam a bandeira do Lixo Zero no nosso país, mobilizando e conscientizando a sociedade para a necessidade de ver os resíduos como recurso e não como lixo… por isso, o conceito Lixo Zero.

Prestes Filho: Quais projetos em âmbito nacional merecem destaque? No Rio de Janeiro destaque as mais criativas iniciativas.

Cora Ayres: Em âmbito nacional, destaco o trabalho de mobilização do Instituto Lixo Zero Brasil.. em formar uma rede de voluntários e profissionais em prol do conceito Lixo Zero nos quatro cantos do país. No Rio de Janeiro, destaco o trabalho de duas empresas: Ciclo Orgânico – um serviço de coleta domiciliar de resíduos orgânicos, que faz compostagem desses resíduos; e da Teiares – serviço de coleta domiciliar de resíduos recicláveis, que valoriza o trabalho das cooperativas, remunerando-os pelo seu trabalho. Ambos são iniciativas privadas, infelizmente. E ainda não atendem todos os bairros da cidade.

Prestes Filho: Como militante da causa ambiental, destaque suas ações concretas para o futuro próximo?

Cora Ayres: Pretendo levar o conceito Lixo Zero para cada vez mais pessoas, através de projetos de educação ambiental e conscientização em escolas, projetos sociais, redes sociais e quais oportunidades mais aparecer. Faço parte do Coletivo Lixo Zero RJ e nossa missão é essa: produzimos conteúdo sobre o tema para redes sociais, participamos de ações de limpeza de praia e atuamos sempre para conscientizar e engajar a sociedade civil em prol do conceito Lixo Zero. Como profissional, presto consultoria para pessoas, empresas e instituições para viabilizar e empoderar estas pessoas a adotarem práticas com foco no Lixo Zero em seus ambientes.

Prestes Filho: Quais deveriam ser as principais reivindicações, relacionadas a resíduos, nas próximas eleições municipais do Rio de Janeiro? O governo municipal tem realizado tratamento adequado dos resíduos?

Cora Ayres: Incentivo ao cumprimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Incentivo a reciclagem e a compostagem. Valorização do trabalho do catador e das cooperativas de reciclagem. Implementação de uma coleta seletiva que atenda a todo o município e que seja feita de forma eficiente. Um trabalho mássiço de conscientização e educação ambiental nas escolas e nas mídias. Mudanças nos processos: atualmente, os caminhões de coleta seletiva da Comlurb utilizam em sua maioria caçambas compactadoras, o que danifica o resíduo reciclável e pode até inviabilizar a reciclagem, tornando o trabalho do catador e cooperativas ainda mais difícil e desvalorizado.


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).