Por Eduardo Banks –
Em março deste ano, a família do humorista e escritor Chico Anysio divulgou que o testamento do filósofo de Maranguape havia sido anulado, por não incluir o nome de um dos seus filhos, o comediante Lug de Paula, e por ter disposto sobre a totalidade dos seus bens, prejudicando a legítima dos herdeiros.
O jornal “Extra” de 11 de março de 2020 divulgou declaração de André Lucas, de que não se pronunciaria sobre a sentença, porque o processo estaria sob “segredo de justiça”, o que despertou neste humilde jornalista a estranheza, porque nenhum dos herdeiros ou a viúva de Chico é interditado, para que os autos tramitassem sob sigilo.
Alguns sites voltados para os operadores do Direito comentaram a decisão, apenas com base na notícia de jornal, ressalvando a impossibilidade de um parecer preciso, devido à falta de divulgação da sentença, como o “GEN Jurídico” (http://genjuridico.com.br/2020/03/11/invalidade-testamento-de-chico-anysio/), nas “Reflexões técnicas sobre as notícias acerca da invalidade do testamento de Chico Anysio” de Felipe Quintella, que escreveu “Somente com acesso à decisão da Justiça do Rio de Janeiro é que se pode verificar o que, de fato, o juízo decidiu”.
Este acesso é oportunizado pelo signatário desta, que encontrou o processo de anulação, sendo certo que o mesmo não se encontra sob “segredo de justiça”, partindo a informação incorreta dos próprios envolvidos, por não lhes interessar a divulgação do ato judicial fora do círculo familiar.
Primeiro, eu acessei a consulta processual por nome da parte no Portal do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro, informando o nome “Malga”, vindo a descobrir que ela se chama Malgarete Dall’Agnol de Oliveira Paula (não descobri ainda se tem ligação de parentesco com o procurador da república de sólidas convicções), e escolhi o processo nº. 0018759-40.2015.8.19.0209, que se trata de ação de remoção de inventariante ajuizada por Bruno Mazzeo contra Malga. Em 2 de outubro de 2017, havia a indicação de ato ordinatório praticado com o teor “Em atendimento a decisão de fls.49/51, certifico que juntei nos autos nº0010837-50/2012 cópia desta”. Então, consultei o processo nº. 0010837-50.2012.8.19.0209, que vem a ser o inventário de Chico Anysio.
Apenso ao inventário, existem cinco processos, a maioria relativos a habilitações de crédito de credores do espólio. Consultei o primeiro deles, de número 0008860-23.2012.8.19.0209, que é a abertura e cumprimento do testamento, requerida por Paulo César Pimpa da Silva; nele foi proferida sentença de extinção, sem resolução do mérito, em 17 de dezembro de 2019, cujas primeiras palavras são “Considerando a sentença procedente prolatada nos autos do processo nº nº001447-22.2013.8.19.0209 (Ação de Anulação de Testamento ), que tramitou nesta serventia, conforme fls. 176/178, JULGO EXTINTO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO”.
Ora, percebi a falta de um algarismo antes do dígito verificador do número único de processo, porém intuí que o número correto seria 0001447-22.2013.8.19.0209, e voilá, encontrei o andamento da ação anulatória de testamento, proposta por Luís Guilherme de Souza Paula (o “Seu” Boneco) em face da Malga e de todos os seus irmãos, julgada procedente para declarar nulo o testamento de Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho. Somente Malgarete, ou Malga, foi condenada ao pagamento de honorários, porque todos os demais filhos e legatários de Chico Anysio concordaram com o pedido de Lug de Paula, deixando-a isolada, já que o testamento somente favorecia a ela própria e a anulação beneficiou a todos os descendentes do comediante.
Abaixo, transcrevo a íntegra da sentença (acesso no endereço http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?GEDID=00040DE743523C11F2A2C9F5B378E6992FB4C50B535C4E41) onde o “Seu” Boneco anulou o testamento que o excluía da herança E FOI PARA A GALERA!
Processo nº: 0001447-22.2013.8.19.0209
Tipo do Movimento: Sentença
Descrição: Trata-se de ação anulatória de testamento, ajuizada por Luiz Guilherme de Souza Paula em face dos herdeiros Bruno Mazzeo de Oliveira Paula, Cícero Chaves de Oliveira Paula , Francisco Anysio de Oliveira Paula Neto, Ricardo Rondelli de Oliveira Paula , Rodrigo Cardoso de Mello de Oliveira Paula , Victória Cardoso de Mello de Oliveira Paula e dos legatários Malgarete Dall Agnol de Oliveira Paula , João Baptista Carneiro Dall Agnos e Udila Dagnese Dall Agnol , visando à declaração de nulidade do testamento público realizado em 18/08/2011 por Francisco Anysio de Oliveira Paula Filho, seu genitor , falecido em 23/03/2012, alegando que o testamento não respeita a legítima dos herdeiros, bem como excluiu o Autor herdeiro-necessário da disposição de última vontade . A de fls. 02/11. Emenda as fls.28/37 . Os herdeiros Bruno Mazzeo de Oliveira Paula, Cícero Chaves de Oliveira Paula , Francisco Anysio de Oliveira Paula Neto e , Ricardo Rondelli de Oliveira Paula se manifestaram espontaneamente nos autos concordando com o pedido inicial (fls. 41/43 e 47) O Ministério Público se manifestou á fl. 55 e requereu a citação dos demais herdeiros e legatários (fl. 55) Em seguida o herdeiro Rodrigo Cardoso de Mello de Oliveira Paula também se manifestou espontaneamente concordando com o pedido inicial (fl. 59/60) , bem como a legatária LUCIANE SANDER (fl. 66) e a herdeira Victória Cardoso de Mello de Oliveira Paula (fl. 68/69) todos concordando com o pedido inicial. Despacho de fl. 72 determinando a citação dos demais herdeiros e legatários João Baptista Carneiro Dall Agnos , Udila Dagnese Dall Agnol André Luis Rosa Lucas e Malgarete Dell Agnol de Oliveira Paula , bem como a intimação do testamenteiro. A viúva Malgarete se manifestou às fls. 75/76 também concordando com a nulidade integral do testamento. Os legatários João Baptista Carneiro Dall Agnos , Udila Dagnese Dall Agnol André Luis Rosa Lucas não se manifestaram nos autos, apesar de citados (fl. 99/100 e 92) . Citação do testamenteiro com certidão positiva à fl. 107, se manifestou à fl. 108 concordando com o pedido. A viúva manifestou-se às fls. 117/134 pedindo retratação da manifestação anterior e discordando do pedido inicial, requerendo a imediata nomeação de perito judicial para avaliação dos bens deixados pelo ´de cujus´, alegando , em síntese, falta de amparo legal do Autor para requerer o anulação do testamento antes da avaliação dos bens . Juntou na ocasião os documentos de fls. 137/275. Os herdeiros bruno, Cícero, Francisco Neto, Rodrigo e Victória se manifestaram conjuntamente (fls.278/279), requerendo o julgamento do feito com procedência do pedido inicial. A viúva Malgarete às fls. 283/284 alega que parte do testamento foi cumprido com a divisão de bens móveis entre os herdeiros e legatários e requereu a nomeação de perito. Alega ainda que o imóvel situado na Av. das Acácias bloco 1 apto. 701 do Edifício Golden Royal deve ser excluído do monte , vez que o imóvel foi adquirido exclusivamente em seu nome e por ser casada pelo regime de separação total de bens o imóvel não e comunica. Parecer do MP a fls. 305/307 onde deixou de se pronunciar por inexistir interesse de incapaz . É O RELATÓRIO. DECIDO. Da análise da inicial, depreende-se que os fundamentos da parte autora para a declaração de nulidade é a existência de vício no testamento de Francisco Anysio de Olivera Paula Filho consistente no desrespeito à legítima e a exclusão do herdeiro necessário LUIS GUILHERME da disposição de última vontade . A questão referente ao imóvel do Condomínio Golden Royal foi resolvida em decisão não agrava nos autos do inventário , considerando que o imóvel foi adquirido na constância do casamento, portanto 50% (cinquenta por cento) do mesmo integra o monte, certo que
não há provas nos autos que o recursos para compra do mesmo foram exclusivamente do cônjuge sobrevivente. Analisados em conjunto, o presente processo com o processo de cumprimento de testamento em apenso nº 008860-23.2012.8.19.0209 demonstram que o testador dispôs da totalidade de seus bens, inclusive incluiu no testamento bens de terceiros , onde dispôs da totalidade da empresa ASSISSI PRODUÇÕES ARTISTICAS LTDA , certo que a mesma é composta por outros dois sócios. Logo, a legítima do falecido correspondia a 1/4 (um quarto) dos bens adquiridos na constância do casamento e ¿ dos bens adquiridos antes do casamento. Ocorre que da análise do testamento (fls.07/08 do apenso nº 008860-23.2012.8.19.0209), depreende-se que o falecido apesar de fazer menção ao quinhão da legítima ,incluiu a totalidade dos bens , o que é flagrantemente nulo, primeiro porque dispôs sobre bem que não possuía na integralidade, e segundo porque desrespeitou a determinação do artigo 1.857, §1º, do CC, dispondo sobre a parte legítima. O parágrafo 6° do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 veda qualquer discriminação entre os filhos, para todos os efeitos, incluindo os sucessórios. A legislação civil exige a igualdade somente no que diz respeito à parte legítima, o que, por si só, indica a liberdade do ascendente em dispor apenas quanto à metade disponível, ainda que tratando desigualmente os filhos. Antes de adentrar no mérito relativo a qual legatário será o destinatário da parte disponível do acervo hereditário, deve-se fixar o equivalente à legítima e os respectivos destinatários, o que não foi feito. Se o testador era proprietário de metade do imóvel do Condomínio Golden Royal, e se a legítima corresponde a um quarto Do imóvel , e considerando que o testador possuía sete herdeiros necessários, caberá aos sete herdeiros necessários ¿ do imóvel. Todos os demais bens os herdeiros necessários deverão herdar a metade, ficando a outra metade conforme disposição testamentária. Assim, resta demonstrada o vício no testamento, devendo ser declarada a nulidade do testamento lavrado. Eventuais alegações acerca de apropriação indevida do patrimônio do testador deverá ser requerido pelas vias próprias. Face ao exposto, tendo restado evidenciado nos autos o vício no negócio jurídico, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para declarar nulo o testamento lavrado junto ao 17º Ofício de Notas desta Capital, Livro 7195, fls. 105/107, em 18.08.2011. Ante a sucumbência da Ré Malgarete – os demais réus concordaram com o pedido -, condeno-a ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da causa nos termos do artigo 85, §2º, c/c 86, parágrafo único, do CPC. Traslade-se cópia da presente sentença para os autos do inventário e cumprimeito de testamento (Proc. nº 0008860-23.2012.8.19.0209 e n º 0010837-50.2012.8.19.0209 ). Dê-se ciência ao MP. Com o trânsito em julgado, dê-se baixa, desapense-se e arquive-se. P.I.
MAZOLA
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