Por Miranda Sá

“Uma cruel desilusão / Foi tudo o que ficou / Ficou pra machucar meu coração” (Ary Barroso)

Entristece-me ao ver que entre os defensores oficiais da Amazônia, há alguns que nunca estiveram na região e sequer viram a floresta, mesmo nos documentários da ‎National Geographic… é por isto que pedimos mais cuidados na escolha destes agentes governamentais.

Conhecer a realidade é exigido até para a descrição literária. Diz-se, por exemplo, que o dramaturgo espanhol Calderón de La Barca viajou mais de um ano com um circo ambulante para escrever sobre a vida dos acrobatas; e que o admirável Èmilie Zola andou de carroça pelos campos franceses colhendo informações para o seu livro “La Terre”.

Os historiadores, que não podem voltar à pré-história – como a gente assiste nos filmes “De Volta ao Futuro” –, se valem dos arqueologistas e panteologistas para desenvolver teses sobre a Pangeia e a formação dos continentes…

Explico, porém, que minha censura à Comissão chefiada pelo vice-presidente Hamilton Mourão não individualiza ninguém, nem a formação profissional e intelectual de nenhum, civis ou militares; baseia-se nas críticas divulgadas na imprensa internacional e nas ameaças de retaliação de vários países contra o Brasil.

O problema da Amazônia vem de longe e não apenas às atuais queimadas e ao desmatamento. Ocorre com a invasão de “missionários” para catequizar os indígenas, com a infestação de Ongs estrangeiras prospectando o subsolo, vê-se nos invasores de terras da União e nos posseiros apaniguados por políticos, nas marcações de terras indígenas e no garimpo ilegal.

A defesa da Amazônia abrange tudo isto. Mas os ambientalistas especificam a situação, estranhando as medidas de prevenção de sempre, condenando a demora burocrática para solução de casos imanentes e sabendo que não é somente um “passar de boiada”, como propôs o ministro Ricardo Salles; vem de gestores antigos, José Sarney, Fernando Henrique, Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Categóricas, no momento, são as tentativas de fraudar os dados do Inpe ou mesmo escamoteá-los para evitar que a realidade seja exposta. A intervenção do Governo Federal no Inpe é deplorável, mostrando o desprezo pela preservação da Amazônia. Firma-se na política arrivista da demagogia, auto-assumida “de direita”.

O coordenador de Comunicação do Observatório do Clima, doutor Claudio Angelo, resume numa frase o frenesi bolsonarista pela “conquista da Amazônia” por garimpeiros, madeireiros e pecuaristas: – “O Inpe é o novo Ibama”.

Este estudioso do Clima referiu-se no site “Direto da Ciência” ao arruinamento pela atual gestão do Ibama, escrevendo: – “Demorou mais de um ano e meio, mas finalmente o governo Bolsonaro parece ter aprendido o que fazer para não ter mais dor de cabeça com os dados de desmatamento. Vai destroçar o Instituto”.

É isto que vemos o Presidente fazer, valendo-se de um Ministro velhaco que propôs em reunião ministerial aproveitar-se da pandemia para escancarar o território.  Bolsonaro terceiriza a responsabilidade levando-nos ao “Sermão do Diabo”, que o grande Machado de Assis deixou na sua rica antologia “Páginas Recolhidas”: “Quando quiseres tapar um buraco, entendei-vos com algum sujeito hábil, que faça treze de cinco e cinco”.

Este ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tangedor da boiada, juntou-se ao vice-presidente da República, Hamilton Mourão, num infeliz vídeo propagandístico negando que a Amazônia esteja queimando, como se todo mundo esteja cego e surdo, e que o fumacê não estivesse alcançando as regiões Sul, Sudeste…

Assim, no chove não molha da militarização do problema, tudo continua como d’antes no quartel do Abrantes. A novidade é o Presidente propondo a compra de um satélite “sem ideologia” para monitorar a região, um robô voyeur ineficaz para coibir os crimes ambientais.

Esta situação enviesada, como uma biruta de aeroporto, não desilude os cultuadores da personalidade de Bolsonaro, na maioria agradecidos pelas “ações sindicais” de melhoria salarial dos fardados; mas machuca o coração dos que votaram nele contra a corrupção lulopetista pensando num futuro melhor para as próximas gerações; e vivem uma cruel desilusão.


MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.