Redação

Entidades solicitam que o Supremo julgue inconstitucional a venda de subsidiárias de empresas públicas sem passar pelo Congresso. Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, entende que decisão provocou manobra do governo para vender refinarias da Petrobras

Em manifestação ao Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (DEM-AP), solicitou que Senado e Câmara sejam incluídos como partes interessadas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5624, ajuizada pela Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa (Fenae) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf/CUT) contra dispositivos da Lei das Estatais (13.303/2016). A ação julgou a necessidade de autorização do Congresso Nacional para privatizações do patrimônio público. O objetivo era impedir a retomada do processo de venda de ativos da Petrobras e de outras empresas estatais, incluindo os bancos públicos.

No julgamento da ação, em junho de 2019, o Supremo decidiu que a venda das estatais chamadas empresas-mãe precisa de autorização do Congresso. Já as subsidiárias das estatais não precisam de autorização e podem, inclusive, serem vendidas sem licitação.

Agora, a pressa do governo em passar ao mercado boa parte do patrimônio público tem chamado atenção da sociedade e do Congresso. No entendimento do presidente do Senado, o governo tem aproveitado a decisão do Supremo como manobra para fatiar empresas estatais e vender suas subsidiárias, encolhendo o tamanho da estatal, sem passar pelo aval do Congresso. Alcolumbre cita a Petrobras como exemplo. O governo pretende transformar as refinarias em subsidiárias para vendê-las sem análise do Congresso.

Para a Fenae, a privatização da Caixa segue pelo mesmo caminho. Já prevendo a manobra, Fenae e Contraf/CUT ingressaram, em dezembro de 2019, com embargos declaratórios para que fosse explicitado que o procedimento é inconstitucional.

Três anúncios de privatização em menos de 1 semana – O governo tem mostrado seu ímpeto para privatizar as estatais mesmo durante a pandemia, quando a presença do Estado é imprescindível para retomar a economia do País no período pós-crise. Ao contrário disso, em menos de uma semana o governo anunciou a venda de estatais e de suas subsidiárias ainda neste ano.

O primeiro anúncio foi do presidente da Caixa, Pedro Guimarães. No dia 30 de junho, ao jornal Valor Econômico, ele declarou que “enxerga “uma janela de oportunidade para a realização da oferta pública inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da Caixa Seguridade em outubro deste ano.

No dia 1º de julho foi a vez do secretário especial de desestatização, Salim Mattar, dizer que o Governo vai que vai privatizar 12 empresas estatais em 2021. À CNN Brasil, no dia 4 de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a citar as subsidiárias da Caixa como exemplo para vendas imediatas. “Esse ano, por exemplo, é um excelente ano para fazer um IPO grande. 20, 30, 40, 50 bilhões. Bem maior até que uma Eletrobras”, afirmou.

Privatizações enfraquecem o papel social da Caixa – Apesar de não falar explicitamente em privatizar a Caixa, Guedes afirma que venderá os ativos do banco público. Ao falar da venda do Banco do Brasil Seguridade, o ministro da Economia disse que as empresas estatais são como “arbustos, cheios de ativos valiosos”. “Tem muito valor escondido para ser destravado”, disse.

“Ao mesmo tempo que o Governo fala que não vai privatizar a Caixa, o ministro da Economia dá uma declaração como esta, dizendo que vai vender as subsidiárias do banco ainda este ano. É, no mínimo, incoerente”, avalia o presidente da Fenae, Sérgio Takemoto.

Para o presidente da Fenae, a venda das partes lucrativas da Caixa pode comprometer o banco público e o seu papel social. Em sua avaliação, a Caixa é indispensável para operacionalizar as políticas públicas do Governo. “Nenhum outro banco daria conta de fazer o que ela faz”. Takemoto explica que o Governo Federal economiza valores incalculáveis para realizar as políticas públicas que são feitas pela Caixa. Como exemplo, cita o programa Minha Casa Minha Vida.

“Se o Ministério do Desenvolvimento Regional operasse diretamente o programa, precisaria de, no mínimo, um escritório em cada capital do País, teria que aprender a lidar com financiamento, pagamentos, recebimentos. O Ministério não tem a expertise nem a tecnologia para lidar com fluxo de caixa, entrada e saída de dinheiro. Seria caríssimo o Ministério operar”, ressalta.

“Outros programas como o Bolsa Família, Fies (Financiamento Estudantil), pagamento do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e Seguro-Desemprego só funcionam enquanto a Caixa for um banco 100% público. Qual interesse de um banco privado em acolher a população pobre?”, pergunta.

Outro exemplo citado por Takemoto é o pagamento do auxílio emergencial. Sozinha, a Caixa atendeu mais da metade dos brasileiros no momento econômico e social mais crítico da história.

“Nós sabemos e encontramos quem são os invisíveis para o Governo. Com as agências-barco, conseguimos pagar o benefício às comunidades que não têm acesso aos serviços bancários. Nenhum banco tem a capilaridade que a Caixa tem”, afirma. “Se a Caixa fosse privatizada na década de 1990, como banco privado iria ter interesse em receber os pobres em suas agências para pagar o auxílio emergencial?”, questiona Takemoto.

O Estado só conseguiu realizar o pagamento do auxílio emergencial com agilidade porque tem um banco público com o porte da Caixa. Esta é a opinião de Rita Serrano, representante dos empregados no Conselho de Administração (CA) da Caixa. Para ela, o anúncio das privatizações está na contramão do mundo, quando as maiores economias precisam da presença do Estado para saírem da crise.

“Neste momento em que fica clara importância do banco público, o Governo e a direção da Caixa vêm, de novo, falar em privatização das suas operações. É algo completamente fora da realidade, até porque o mundo está em recessão”, opina. “Sem a Caixa e outras empresas públicas para fazer investimentos em habitação, infraestrutura, crédito e saneamento, o País não sai da crise”.

Assim como o presidente da Fenae, Rita Serrano fala sobre a ausência dos bancos privados no acolhimento à população. “Não é o Bradesco, o Itaú ou Santander que estão fazendo investimentos e atendendo a população. Quem faz isso é a Caixa. Se privatizar as operações, o banco enfraquece, perde a sua autonomia e ninguém mais faz. A ação do Governo é para fortalecer as multinacionais e o sistema financeiro privado e em nada tem a ver com garantir melhores condições de vida para a população brasileira”.

Contas digitais e valorização do banco público

Para demonstrar a importância do banco público para a população, Serrano ressaltou que a Caixa vai atender, em três meses, 121 milhões de brasileiros. Isso quer dizer que de cada dez adultos, oito vão passar pela Caixa para receber o auxílio emergencial, FGTS ou PIS. Além disso, a Caixa abriu mais de 50 milhões de poupanças digitais para permitir o pagamento do benefício. Muito embora o pagamento desses benefícios tenha questionamentos por conta de erros de cadastramento e alguns problemas no aplicativo por conta da quantidade de pessoas cadastradas –  mais de 100 milhões – o banco colocou o aplicativo em operação.

“Apesar de ter sido de maneira compulsória, a abertura de mais de 50 milhões de contas digitais cumpriu uma função importante que nós, movimento e entidades representativas, sempre reivindicamos – bancarizar a população que não tinha acesso aos serviços bancários. O Governo deveria usar isso para valorizar o papel público do banco, que se fortaleceu”.

Projeto de Lei e privatizações na pandemia

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2715/2020, que suspende as privatizações no País enquanto durar o estado de calamidade pública, causado pela pandemia da Covid-19. No texto, os autores do PL alertam sobre o perigo e os riscos de vender empresas públicas em momento de crise, provocando desvalorização. “Não precisamos ir muito longe para entender que, após uma crise desta dimensão os preços dos ativos caem, criando, assim, um ambiente de ofertas hostis, ou melhor, uma grande liquidação de empresas de qualidade”, diz o texto.

Rita Serrano faz a mesma avaliação e entende que o Governo está, praticamente, fazendo liquidação das estatais e das operações da Caixa. Segundo Serrano, na avaliação do Governo no início do ano, as operações da Caixa valiam R$140 bilhões; agora, valem R$ 100 bilhões. “O próprio Governo diz que a precificação das operações que ele quer privatizar caiu de valor. Isso mostra que ele quer vender os ativos não só da Caixa, como de outras estatais, a preço de banana. Quer fazer uma liquidação do patrimônio público”.

Para os autores do PL, as maiores economias do mundo estão se fechando para proteger suas empresas de desvalorizações neste momento de pandemia. E cita um comunicado da União Europeia com diretrizes de vigilância para os países membros. “Como em qualquer crise, quando nossos ativos podem estar sob estresse, precisamos proteger nossa segurança e soberania econômica”, afirmou, no comunicado, Ursula von der Leyen, presidenta da Comissão Europeia.

Os autores do projeto são os deputados Enio Verri (PT/PR), Fernanda Melchionna (PSOL/RS), Joenia Wapichana (REDE/RR) e Perpétua Almeida (PCdoB/AC).


Fonte: DIAP