Por Carlos Newton

Helio Fernandes preenche sozinho um enorme capítulo da história do jornalismo brasileiro. Nenhum outro profissional de imprensa deu tantas entrevistas a historiadores, cientistas políticos, cineastas, pesquisadores e jornalistas.  Relatava os fatos de memória, jamais consultava nada, sua inteligência era impressionante.

Ficamos amigos em 1967, quando passei a integrar o Clube dos Repórteres Políticos, presidido por Carlos Chagas e que se reunia no restaurante Casa da Suíça, que nos cedia uma sala especial para que pudéssemos entrevistar reservadamente os maiores políticos do país.

COM OS MITOS DO JORNALISMO – Eu tinha apenas 22 anos, era o mais jovem e ficava siderado ao assistir como se comportavam os maiores mitos da jornalismo de Política, como o próprio Helio Fernandes, meu mestre Antonio Vianna, editor de O Globo que me transformou em repórter, Carlos Castelo Branco, Villas-Bôas Corrêa, Sebastião Nery, os irmãos Tarcísio e Haroldo Holanda, Oyama Telles, Berilo Dantas, Jair Rebelo Horta, Murilo Melo Filho e outros destaques do jornalismo político, um verdadeiro festival, e naquela época nenhuma mulher escrevia sobre política, eram outros tempos bem machistas.

Helio impressionava pela presença marcante, não mostrava a menor timidez, era o oposto de Castelinho, que tinha problemas de dicção e falava sibilante como o Marechal Dutra. A diferença de Helio para os outros membros do Clube é que ele era o único a ser dono de um jornal, a Tribuna da Imprensa, que comprara de Nascimento Brito em 1962. Os outros eram todos empregados de jornais e revistas.

Helio Fernandes recebe vacina (Foto: Ana Carolina Fernandes)

AI-5 E CENSURA – Em 13 de dezembro de 1968, veio o AI-5, o governo se assumiu como ditadura e impôs a censura à imprensa. No primeiro dia, através de um grupo de oficiais fardados; depois, ficava apenas um militar na redação, le ndo os originais e censurando, mas à paisana, sempre de terno. O constrangimento deles era evidente.

Nos jornais que apoiavam os militares, como o Globo, a censura era branda, Mas na Tribuna da Imprensa, no Correio da Manhã e no Estadão, a repressão foi arrasadora.

Helio não se curvava, resistia a tudo e mandava a Tribuna da Imprensa circular com espaços em branco, mostrando as matérias que tinham sido censuradas, enquanto o Estadão publicava poemas e receitas de comidas em lugar dos textos suprimidos. Já O Pasquim nasceu em 1969 e foi censurado desde o início.

A censura ao Estadão durou ate 1975, quando os militares aliviaram.  Mas continuou a perseguição à  Tribuna da Imprensa, que ficou dez anos sob censura prévia, até 15 de dezembro de 1978, quando os censores abandonaram a redação.

O JORNAL NÃO FECHAVA – Durante esses anos de chumbo, os anunciantes sumiram, com medo dos militares. Helio então reduziu o número de páginas e de exemplares, ficou segurando o tranco. Depois, teve de demitir, enxugar ao máximo a empresa.

O governo militar fez o possível e o impossível para fechar o jornal, inclusive colocou três auditores da Receita Federal de plantão na contabilidade, para fiscalizar a entrada e saída de dinheiro e sufocar o jornal, mas não conseguiram.

Foi nesse época sinistra que entrei para a Tribuna. Helio não ia mais ao jornal, que era dirigido pelo filho Helinho. Lá dentro descobri o segredo. O governo não conseguia fechar o jornal, porque Helio tinha amigos fiéis, que pagavam todas as despesas, sem que os anúncios de suas empresas fossem publicados.

MAGALHÃES PINTO, O SALVADOR – O principal patrocinador da Tribuna da Imprensa era o ex-governador e ex-ministro Magalhães Pinto, dono do Banco Nacional, que jamais aceitou a perseguição movida contra o jornalista. O banco enviava ordens de publicação de anúncios, o jornal emitia a nota fiscal, pagava os impostos e seguia em frente.

Para mim, trabalhar com Helio Fernandes era uma festa. No andar da redação tinha uma restaurante onde a gente podia relaxar e tomar uma cervejinha. Éramos totalmente livres. Ele me deu uma coluna na página 3, com autonomia total. Às vezes Helio defendia uma tese na primeira página e eu discordava na página 3.

>> Leia também: Morre aos 100 anos Helio Fernandes, um dos maiores jornalistas do mundo, por Daniel Mazola (fonte: TIL)

Helio Fernandes e Maurício Azêdo, dois heróis da resistência (crédito: Francisco Ucha)

O BLOG DA TRIBUNA – Entrei e saí do jornal diversas vezes, seu filho Helinho era um de meus melhores amigos. Quando o irmão Rodolfo chegou na redação para trabalhar, era quase um adolescente. Ficamos amigos na hora. Quando já estava doente, em 2010, e dirigia O Globo, Rodolfo me pediu que tomasse conta do Helio, que estava brigado com Helinho. Prometi que faria isso.

Rodolfo morreu em 2011, e eu fiz o que pude. Até as fitas da máquina de escrever era eu quem comprava e trocava. Mas cuidar do Helio era missão impossível.

Quando a Tribuna fechou, no final de 2008, em 2009 criei o blog da Tribuna da Imprensa para que Helio não parasse de escrever. Depois de algum tempo, ele arranjou um procurador que me mandou um e-mail dizendo como eu deveria editar o blog, advertindo que não queria mais matérias de outros veículos, um maluco completo.

FIM DA AMIZADE – Por causa do tal procurador, Helio Fernandes se afastou de mim e somente o reencontrei no velório de sua mulher, dona Rosinha, uma pessoa muito querida na sociedade do Rio.

A vida é assim, vai nos ceifando, um a um. Daquele pessoal do Clube dos Repórteres Políticos, agora somos apenas três – Sebastião Nery, Haroldo Holanda e eu. Guardo preciosas lições de cada um dos que já se foram, especialmente do Antonio Vianna, editor do Globo que na véspera do AI-5 enfrentou Roberto Marinho e o fez recuar para seu gabinete, um lance inesquecível.

Com Helio Fernandes aprendi a ser combativo e não ter medo da verdade. É o suficiente.


CARLOS NEWTON é jornalista, editor do blog Tribuna da Internet / Enviado por Paulo Peres da Silva – Rio de Janeiro (RJ)

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