Por Jorge Folena

O assassinato de João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, espancado por seguranças no supermercado Carrefour, em Porto Alegre, na véspera do dia da consciência negra (20 de novembro), expressa o cinismo da classe dominante brasileira, atualmente representada no poder por Jair Bolsonaro (que se diz daltônico para negar a diferença racial no país) ou Hamilton Mourão, um negro que não se vê como negro e disse não existir racismo no Brasil.

Os atuais governantes da república são incapazes de expressar uma palavra ou um gesto em solidariedade ao povo, em especial aos setores mais vulneráveis da sociedade, dentre os seis milhões de infectados e quase cento e setenta mil mortos pela pandemia do Coronavírus, na sua maioria constituídos por negras e negros.

Os fatos sequer sensibilizaram o Governo Federal a apresentar uma política pública coerente de combate à pandemia, que parece estar iniciando uma segunda onda no país, que, segundo os infectologistas, poderá ser mais dura e grave do que a primeira.

O comportamento da dita elite brasileira revela a falta de sintonia com os valores e preceitos orientadores da Constituição Cidadã de 1988, que estabeleceu como objetivos fundamentais da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer formas de discriminação.

Porém, o que temos atualmente é um regime de governo que ignora tais princípios, da mesma forma que despreza com perversidade a pluralidade e a convivência pacífica e, em suas ações cotidianas, incita e estimula o povo brasileiro ao ódio e ao preconceito contra os seus irmãos.

Por isso, o assassinato do homem negro, espancado por seguranças do supermercado Carrefour, não provocou qualquer manifestação de repulsa por parte do governo, seja do presidente, do vice-presidente ou da suposta ministra dos direitos humanos; ao contrário, todos procuram apenas “passar pano” para impedir a percepção da exploração e dos abusos e crueldades praticados há séculos contra o povo negro do Brasil.

Ao naturalizarem o racismo, os atuais dirigentes da república incentivam subliminarmente o ódio e a violação à Constituição, que determina a punição de qualquer forma de discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais, como também impõe que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.

Em razão disso, a Lei 7.716/89 prevê punição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, decorrentes do ódio. O crime de ódio ou motivado pelo preconceito está diretamente relacionado ao desrespeito à pluralidade e à diversidade que devem existir numa sociedade.

Porém, quando o próprio Estado brasileiro nega proteção às minorias (como se vê em relação às violências diárias praticadas contra os povos indígenas) e faz vista grossa para a contaminação de pessoas encarceradas em lugares sem qualquer condição de dignidade, nos calabouços em que mulheres e homens jovens, negros e pobres são jogados à própria sorte, em total desprezo aos princípios universais dos Direitos Humanos, abre-se o caminho para a disseminação de mais ódio e prosseguimento do extermínio pelos aparelhos do Estado, deixando patente que algo de maléfico e muito errado ocorre no país.

A todo momento é necessário denunciar a equivocada conduta do chefe de Estado, sintomaticamente doentia e persistente no delito do ódio, que utiliza formas identicamente repressoras para ocultar, ameaçar e intimidar todos os que se arredem de sua prática belicosa, nos moldes dos experimentos de países condenados pelo Direito Internacional.

É preciso dizer um basta ao atual presidente e a todo o grupo que o cerca, bem como à classe dominante que patrocinou a chegada desse nefasto grupo ao poder, por meio de um golpe que contou com a participação direta de Sérgio Moro, da operação lava jato e da mídia tradicional, que se uniram para impedir a vitória de Lula da Silva na eleição de 2018. A vitória de Lula seria o resgate da representação do povo pobre, negro e indígena e simbolizaria a libertação de todos e todas que são humilhados e massacrados pelo ódio, nos dias de hoje, no Brasil.

Por tudo isto, Viva Zumbi! Salve 20 de novembro, dia da consciência negra e de todo o povo brasileiro, que é explorado, mas luta e constrói este país!


JORGE FOLENA – Advogado; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor e Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros. É colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre e dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.