Por Lincoln Penna –
Tendes ouvido falar de concessões feitas pela América Latina ao capital estrangeiro, mas não em concessões feitas pelos Estados Unidos ao capital de outros países. Os Estados que fazem concessões, correm o risco de ver os interesses estrangeiros influenciarem dominantemente os seus negócios. Uma tal situação pode chegar a ser intolerável. (Woodron Wilson, presidente dos EUA, em 28 de outubro de 1913)
Com o título acima escrevi um livro, no qual abro com a mesma epígrafe que utilizo na abertura deste artigo. O livro é sobre o movimento O Petróleo É Nosso! Nele destaco dois protagonistas, os militares e os comunistas, na mais extraordinária campanha em defesa da autoestima brasileira e da necessidade de contarmos com um poderoso instrumento com vistas a nossa efetiva emancipação econômica. Assim, de 1947 a 1953, as principais capitais do país contaram com núcleos proativos em torno da bandeira do monopólio petrolífero, que resultaria na criação da Petrobras.
Retomo esse momento importante para a trajetória da economia brasileira em razão da proximidade dos 70 anos do decreto 2004 de 3 de outubro de 1953, data histórica que deu início à Petrobras. E ao mesmo tempo registrar as perspectivas que tal fato ensejou trazendo esperanças e reunindo também as forças sociais vivas de modo a juntar tanto civis como militares, embalados em torno desse desfecho vitorioso, apesar das pressões contrárias movidas pelos trustes que operavam na exploração do petróleo.
A chamada Era Vargas deu início a um processo de modernização do estado e com isso iniciou um arranco calcado na ênfase à industrialização, de modo a romper, pelo menos em parte, com a economia agroexportadora até então absolutamente dominante no tocante às trocas internacionais. Em consequência dessa orientação imprimida desde o início da década de trinta e reforçada com o período do Estado Novo, cuja adoção de um regime político ditatorial acabou por levar adiante essa política, porquanto o Brasil passou mais do que nunca a depender dos recursos energéticos, dentre os quais a exploração de jazidas petrolíferas se encontrava no horizonte estratégico dessa política.
A Carta outorgada do Estado Novo de 1937 assegurava as jazidas de propriedade inalienável e imprescritível da União Federal. E o decreto – Lei número 395, de 29 de abril de 1938, declarava de utilidade pública a importação, exportação e transporte, além do refino e comércio do petróleo bruto e seus derivados. E esse mesmo decreto criou o Conselho Nacional do Petróleo, cujo titular nomeado foi exatamente o grande batalhador da causa do nosso monopólio, o general Horta Barbosa.
O problema estava na concepção do instrumento que pudesse agilizar essa necessidade de o país contar com essa fonte indispensável para tocar a industrialização de forma acelerada e contínua. Havia a tendência de buscar ajuda do capital estrangeiro, como pensavam e defendiam alguns, e os que se batiam para que o estado cumprisse esse objetivo, nem que, em associação com o empresariado brasileiro, como chegou a ser cogitado e defendido pelos comunistas na crença da existência de uma burguesia nacional vocacionada para cumprir essa tarefa.
Coube a um segmento militar e dos estudantes recém organizados em torno da União Nacional dos Estudantes (UNE) o lançamento da tese do monopólio estatal. Entre os militares envolvidos se destacava a figura do general Júlio Caetano Horta Barbosa, que no Clube Militar sustentava calorosamente a defesa de uma empresa sob o controle do estado nacional e chegava a dizer que o petróleo ou é estatal ou é controlado pelo pool das grandes e poderosas empresas que dominavam sua exploração e distribuição.
Os debates acirrados dentro e fora dos ambientes em que eram travados exerceram influência no governo à época. Afinal, vivia-se uma conjuntura do imediato pós-guerra e uma repaginação do cenário mundial ainda devastado e sofrendo as implicações de mudanças ocasionadas pelo desfecho da guerra. E nesta conjuntura a Guerra Fria se instalara como decorrência da vitória dos Aliados em plena disputa pelo exercício da hegemonia mundial.
No Brasil, já havia quem desde cedo defendesse a tese da necessidade de o Brasil assumir uma postura mais firme na busca do petróleo, como Monteiro Lobato, convicto de que o país possuía reservas cobiçadas pelas grandes irmãs que formavam o truste petrolífero no mundo já carente dessa energia indispensável para a expansão de suas economias. A campanha movida por Lobato teve êxito, mas faltava um movimento de fôlego que abraçasse essa sua luta marcada por convincente obstinação e coragem cívica. Lobato chegou a endereçar a Getúlio Vargas uma carta a respeito e em seu primeiro parágrafo dizia:
Amanhã é dia de seus anos. Quero dar-lhe um presente. Esse presente é uma ideia. Essa ideia é a seguinte: Assim como o governo formou a Cia. Nacional Siderúrgica (sic) com 500 mil contos de capital, por que não funda também a Cia. Nacional de Petróleo com outros 500 mil de capital? Era o meio de ao mesmo tempo solver os problemas do ferro e do petróleo, de igual importância.
Ao longo desse tempo, a Petrobras tem conhecido várias ataques por parte dos que possuem ligações com o capital internacional dado a intenção não totalmente disfarçada que consiste em criar um clima favorável para a sua privatização. Os argumentos são também variados. Há os que veem nela uma possibilidade que depende da alocação de recursos, daí a ideia de retirar do estado o papel de detentor de suas atividades; e, os que usam o argumento da corrupção, baseado sempre na acusação de que essa prática tem sempre lugar no estado brasileiro, o que pode ter fundamento e deve ser combatido, mas não para justificar a entrega de nosso maior legado público.
A Petrobras é um patrimônio do povo brasileiro. Pretender entregá-la a interesses privados qualquer que seja o pretexto é um ato de violação de nossa autodeterminação, que só ganhará mais corpo com o apoio inestimável das forças vivas da nação em busca de sua reafirmação como país soberano.
No instante em que ela se aproxima de suas sete décadas de existência é preciso que continue a contar com a determinação daqueles que se bateram no passado e se batem no presente pela nossa independência nacional.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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