Por Jeferson Miola –
Flávio Dino saiu do Poder Executivo para assumir o cargo de ministro do STF, mas parece que o governo ainda não saiu dele.
É louvável e plena de méritos a preocupação do ministro Flávio Dino, como de todo cidadão brasileiro, em ver colocadas em prática ações urgentes do governo para combater o que ele próprio denominou ser uma “pandemia de incêndios”.
A imprensa noticiou que “Dino determina ao governo Lula a convocação de mais bombeiros para o combate a queimadas”.
Dino atua como relator nas ADPFs [Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental] 743, 746 e 857, que foram promovidas no ano de 2020 pelo PSB, PT e Rede Sustentabilidade.
As ADPFs são conexas com a ADO [Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão] nº 54, impetrada contra o governo Bolsonaro ainda em agosto de 2019 pela Rede, há cinco anos; e com a ADPF 857, de autoria do PSOL, de junho de 2021.
Tais iniciativas “cobram a elaboração de um plano governamental para preservação dos biomas Amazônia e Pantanal”, que ardiam em brasas com a conivência do governo fascista-militar.
Na época, os partidos agiram junto ao STF devido ao avanço descontrolado das queimadas, da derrubada de florestas, do garimpo e produção de drogas em terras indígenas, além de outras intervenções humanas criminosas aprofundadas pela omissão e cumplicidade do governo Bolsonaro, que estimulou a criminalidade econômica e sucateou a institucionalidade de proteção ambiental do país.
É certo que o agravamento da seca aumenta a propensão a queimadas, mas o dado concreto é que durante o governo Lula se observa um salto significativo de focos de incêndio. Este fenômeno tem relação direta, também, com queimadas criminosas e, supostamente, orquestradas, em todas regiões do país.
A Agência Brasil informa que “o Brasil está prestes a ultrapassar a marca de 160 mil focos de incêndio em 2024. O número é 104% maior em comparação ao mesmo período de 2023, com quase 78 mil focos”. Com essa realidade, o país é responsável por 76% dos focos de incêndio na América do Sul.
A situação exige uma ação governamental urgente da União, liderada e articulada pelo Ministério do Meio Ambiente, em coordenação com Estados e Municípios.
O Governo federal dispõe de instrumentos legais e pode decretar ritos administrativos excepcionais para enfrentar situações de catástrofes, calamidades e emergências.
Nessas situações, e sem que o STF mande e/ou autorize, a União pode recrutar pessoal e ampliar efetivos de trabalho, convocar Estados e Municípios e entidades privadas, remanejar o orçamento, abrir créditos extraordinários etc, e também requerer ao Legislativo autorização para excepcionalizar da contabilidade do arcabouço fiscal os gastos concernentes, assim como outras medidas necessárias.
Por mais meritória que seja a atuação individual do ministro Flávio Dino com o endosso institucional da Suprema Corte, o fato é que compete ao Poder Executivo, e não ao STF, determinar e executar as medidas adequadas para enfrentar esta situação crítica.
O Brasil, como de resto praticamente todos os países do mundo, estão negligenciando o enfrentamento do estado de emergência climática que já não é eventual, porque é permanente.
Esta devastação terrível evidencia que o Estado brasileiro está desequipado e despreparado para enfrentar este novo normal catastrófico.
Ao invés do Brasil ver consumidas suas riquezas, seus fundos públicos e seu orçamento em esquemas corruptos de emendas parlamentares, no pagamento de cerca de 700 bilhões de reais de juros obscenos da dívida e em desonerações e privilégios tributários de quase 600 bilhões ao ano, o país deveria canalizar um esforço prioritário na mudança da matriz produtiva, numa verdadeira transição energética, na preservação das florestas, na defesa civil, e em investimentos para a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro.
Embora o foco crítico e emergencial desses dias sejam as queimadas, é preciso não deixar de anotar que no governo Lula continua acontecendo a catástrofe humanitária e ambiental nos territórios indígenas, provocada pela continuidade de formas econômicas ilegais e criminosas que precisam ser duramente combatidas. A esse respeito, não há razão para se esperar alguma ordem ou autorização da Suprema Corte.
O governo, e não o STF, deve governar a “pandemia de incêndios” e presidir o esforço de salvar o Brasil e o povo brasileiro do desastre catastrófico que já está acontecendo neste futuro antecipado pela destruição contínua da natureza.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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