Por Ricardo Cravo Albin –
Pesquisas sobre o Brasil – já me acostumei – trazem mais desgostos que alegrias. Afinal, o tamanho das desigualdades no país obrigaria todos nós a engolirmos o que não gostaríamos. Afinal, eis que chega uma declaração eloquente: a população brasileira, segundo o IBGE, se diz parda, e supera a de brancos. Declaram-se pardos 45,3% (92 milhões), brancos 43,5% (88 milhões), pretos 20% (20,5 milhões), indígenas 0,8% (1,7 milhões) e amarelos 0,4% (850 mil).
Confrontando-se com o Censo 2010 houve aumento de 6,5% da população brasileira, com destaque para o crescimento de 42% dos pretos e de 12% dos pardos. E um crescimento apenas de 3% dos brancos. Ou seja, os pardos cresceram em 10 milhões e os brancos perderam, 2,4 milhões. Não posso deixar de observar que o primeiro Censo (1872) interpretava o Brasil como país europeu, formado por maioria branca. Um trabalho persistente de conscientização ao longo de décadas permite agora essas outras conclusões. O nosso imortal poeta Vinicius de Moraes no seu Samba da Benção (com Baden Powell) já se definia com orgulho “o branco mais preto do Brasil”.
Cabe realçar aqui que até o ano de 2006 a maior parte da população se dizia branca. Mas as vozes igualitárias, as do orgulho negro (o black is beautiful), e mesmo os gritos internacionais da ONU promoveram um processo de desbranqueamento do Brasil. Seus habitantes passaram, aos poucos é verdade, a se enquadrar no processo que tudo estava a indicar uma verdade, a proclamação do desbranqueamento do país. Quero observar também que os parâmetros muitas vezes usados pelo IBGE embutiam – mesmo até não intencionalmente – induções a favor de que seria melhor para nosso país ser mais branco, e não mais pardo.
Agora mesmo soube por alguns de meus ex-assistentes da Sorbonne, que um grupo de investigadores jovens andou pesquisando artigos de defensores de embranquecimento do Brasil, ao começo da ditadura Vargas. Era o tempo infeccioso em que Hitler proclamava a supremacia racial, o tempo quando judeus, mulatos, negros e “Tutti quanti” eram lixo que destruiria a evolução da humanidade sadia e pura, branca por certo, apregoavam os puristas.
Ainda bem que alguns ex-ouvintes de minhas palestras na Sorbonne começaram a se debruçar sobre esse assunto delicado. Delicado é adjetivo diplomático para encobrir “explosivo”, em que cabem dezenas de preconceitos virulentos insuflados por “almas branquíssimas” que apregoavam sem qualquer pudor que o Brasil “será sim, um país branquíssimo, de gente alvíssima, guerreira e orgulhosa como nossos irmãos alemães agora ainda mais resolutos no combate à mistura de raças, cujas cores antagônicas provocam a existência de um sangue anêmico e infectado”. Mais ou menos assim, os arianos do Brasil foram pilhados e coletados em documentos investigados agora por futuros sociólogos da universidade da França.
Evoco aqui o que ouvi há décadas em conversas com o prof. Hermes Lima, de quem era monitor no primeiro ano da Faculdade Nacional de Direito. O mestre (foi “premier” e ministro) certa vez me disse, quase entre dentes:
– “Fui aconselhado por Santiago Dantas a não me referir mais em sala de aula aos defensores do arianismo no Rio e São Paulo, naqueles tempos tenebrosos em que alguns hitleristas de Getúlio punham as cabeças de fora, como Felinto Müller. Há dois anos o fiz em São Paulo e provoquei polemica que me aborreceu muitíssimo. O pior é que ainda hoje eles existem, pasme você meu caro, dirigindo a mim um olhar firme e algo raivoso. E, pior ainda, têm muitos seguidores. Que veriam com a alma radiante um Brasil branquinho e com separações raciais mais eloquentes, bem próximas (por que não?) ao apartheid sul-africano”.
– Mas, professor, quem são eles?
– Esquece, esquece. Mas o futuro, e você sabe que acredito nele, irá destruí-los.
– O fato é que a teoria do conde e ensaísta francês Joseph Arthur Gabineau (1874) atingiu em cheio brasileiros ilustres por aqui. O teórico francês asseverava – ao que os idiotas supremacistas tupiniquins batiam palmas – que o puro sempre é melhor, branco é branco, preto é preto. E ponto final.
De fato, as repercussões dos mal feitos do nazifascismo no Brasil foram alarmantes, a ponto de o país, tal como a Argentina, abrigar dezenas de criminosos de guerra, muitos dos quais capturados e justiçados por tribunais internacionais.
Retomo ainda a Hermes Lima, inesquecível personagem de minha vida, que disse, para meu horror, o seguinte: “Na verdade, eu que vivi essa época, sei muito bem que muitos mais nazifascistas vieram para o Brasil e para Argentina. Além do Uruguai, Paraguai e Chile. Não foram alguns, foram, meu caro, dezenas…”.
Houve até 1946, 47, uma suspeita de que Hitler tivesse escapado para um núcleo de devotos seus em Santa Catarina.
Sobre a essência desse artigo, volto agora ao Censo do IBGE. Para concluir que a população branca é assegurada sobretudo pelos mais velhos a serem pesquisados. Dizem-se mais brancas pessoas a partir de 45 anos em diante. Os dados mostram que esse grupo étnico perdeu predomínio na faixa dos 30 a 44 anos de idade, se compararmos com o Censo de 2010.
Os estudos concluem – eu concordo plenamente – que a ampliação da autodeclaração parda está na quebra progressiva de preconceitos raciais.
Somos nós todos, a imprensa à frente, que denunciamos as infrações e crimes contra raças e religiões que divirjam da branca e da Igreja de Roma.
A intolerância, comprovamos agora pelo Censo, quando combatida pela sociedade nos eleva de patamar moral e histórico.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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