Redação

No primeiro ano de governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, o Ministério da Defesa foi privilegiado com o maior reforço de orçamento. A pasta encerrou 2019 gastando R$ 6,3 bilhões a mais do que havia sido previsto inicialmente. Três outras pastas superam a Defesa em ampliação, mas são casos extraordinários.

Economia e Cidadania reuniram sob seu orçamento diversas pastas, e pelos cofres de Minas e Energia passaram os recursos oriundos do leilão de cessão onerosa do petróleo —o que não significa gasto.

PROTAGONISMO – A melhor situação financeira foi acompanhada de outras vitórias dos militares, como o protagonismo dentro do governo e a aprovação de uma reforma previdenciária especial e de carreira próprias, pleitos de duas décadas.

Com 8 de 22 ministros oriundos das Forças Armadas, Bolsonaro tem um dos governos mais militarizados da história. Após um período de baixa no embate com a ala ideológica, que gira em torno dos filhos do presidente, o grupo militar na administração ganhou renovado fôlego com a entrada do general Walter Braga Netto na Casa Civil.

O orçamento de Defesa em 2019 registrou R$ 109,9 bilhões em gastos, segundo o Siga Brasil, sistema de acompanhamento de receitas e despesas federais do Senado. Isso coloca a pasta como a quarta maior em termos de verbas. O valor é 10,9% maior do que no ano anterior e provavelmente é um dos maiores da história em termos nominais —a base do Siga Brasil só tem dados comparáveis até 2001.

INVESTIMENTOS MILITARES – Neste século, contudo, o gasto militar tem sido quase constante em porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto). O maior salto ocorreu em investimentos, de R$ 9,5 bilhões para R$ 15,9 bilhões, ou 14,5% do orçamento total.

Não é muito perto do registrado por nações avançadas no campo militar, como EUA (29%), mas é mais que os 11,8% registrados em 2018, já em valores corrigidos pelo IPCA. É o maior valor destinado a investimentos do orçamento total da União, 28%.

Já a fatia de despesas com pessoal segue a tendência histórica de dominar o gasto militar: 73,3% foram para a rubrica, ou R$ 80,5 bilhões. Desse valor, R$ 47,7 bilhões são destinados aos inativos militares, inclusive o pagamento de pensões.

PROBLEMA ESTRUTURAL – “Somos um anão militar por conta da pequena fatia do gasto em defesa aplicada em investimentos. Portanto, há um problema estrutural com o orçamento de defesa”, escreveu Octavio Amorim Neto, professor da Fundação Getúlio Vargas, na edição mais recente do “Boletim Macro” do Instituto Brasileiro de Economia.

Já custeio consumiu R$ 13,4 bilhões em 2019, invertendo sua posição no ranking com os investimentos. O gasto militar brasileiro tem se oscilado, nos últimos anos, em torno do 1,5% do PIB —em 2019, foi, 1,51%.

É um valor compatível com níveis europeus, onde a meta da Otan (aliança militar ocidental) é um dispêndio de 2% do PIB com defesa, mas por lá os inativos não entram na conta final.

11º EM GASTOS BRUTOS –  No ranking mais respeitado do ramo, o do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, o Brasil aparece em 11º lugar em gasto bruto com seus militares.

Puxou o aumento nos investimentos uma decisão política de Bolsonaro: agradar a Marinha, que estava preocupada com a viabilidade de seu programa de construção de fragatas leves, essencial para evitar um apagão de patrulhamento do Atlântico Sul.

Com isso, o governo vai ampliar uma operação que já havia feito em 2018, capitalizando com R$ 7,6 bilhões a Emgepron, uma estatal da Força destinada a programas navais.

DÉFICIT PÚBLICO – A operação é polêmica, pois aumenta o déficit público na prática, mas fica fora do teto de gastos federais, e foi defendida como política de governo pelo Ministério da Economia.

O Tribunal de Contas da União chegou a contestá-la quando ela foi engendrada em 2018, ano em que foram injetados R$ 2 bilhões na empresa.

Com isso, a construção de quatro navios, um contrato de pelo menos US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 7,1 bilhões), ficou assegurada para o período de 2024 a 2028. E outros programas poderão ser feitos.

EMBRAER DEFESA – Respirou aliviada a Embraer Defesa, a divisão principal que restará da atual Embraer quando a compra da linha e aviões comerciais da empresa tiver sua venda concluída para a Boeing americana. Ela é sócia do estaleiro alemão TKMS no projeto.

Técnicos da área militar defendem a operação, dizendo que ela não significa o rompimento do teto na realidade, já que o gasto em si será executado de forma parcelada, lá na frente, quando os contratados para fazer os navios começarem a receber os valores.

Amorim vê cálculo político na manobra. “Os militares sabem que um próximo governo que não seja bolsonarista vai cancelar boa parte dos ganhos que têm obtido desde 2019. Ou seja, melhor agora do que nunca. Talvez isso explique por que os R$ 7,6 bilhões foram aportados à Emgepron em apenas um ano, não ao longo de três”, escreveu.


Fonte: Folha, por Igor Gielow e Gustavo Patu