Por Aderson Bussinger –
Existem fatos, episódios cotidianos que acontecem em determinadas situações e que não dizem somente pelo que são em si, mas pelo sinal e mensagem que se apresentam para o tempo futuro. Refiro-me aos dois mais marcantes acontecimentos, recentes, no Brasil, em relação ao desrespeito de direitos humanos, sendo o primeiro referente a menina capixaba de 10 anos que foi vítima de terrível violência por turbas de evangélicos majoritariamente bolsonaristas, respaldados oficialmente, inclusive, pela Ministra Damares, que arbitrariamente tentaram impedir que esta criança fizesse uso de um aborto legal. E o segundo fato, referente ao jovem músico negro, preso arbitrariamente em Niterói, quando retornava de uma apresentação artística, sob a chancela de um juiz de direito que havia decretado equivocadamente sua prisão, sem nunca sequer tê-lo ouvido sua voz, visto seu rosto em um depoimento, ou mesmo minimamente o intimado da existência do processo.
Tratam-se de duas situações em que, ambas as vítimas estavam absolutamente sob o amparo da lei, seja para o aborto legal, no primeiro caso, seja para não ser passível de prisão, na segunda ocorrência, e que, por sabermos que não são situações isoladas, devem servir para fazer-nos refletir do porquê estarem acontecendo com maior incidência no último período de governo da extrema-direita no país, a despeito de sabermos que tais arraigadas violências sempre se abateram covardemente sobre os pobres em governos passados. O fato é que, dentro do atual contexto de um governo pró-militarismo, estes fatos demonstram mais uma vez que o autoritarismo está em marcha.
Estes dois fatos são como as abomináveis queimadas que estão ardendo na Amazônia ou no Pantanal mato-grossense, que todos sabem que não nascem exclusivamente do fogo, mas tem origem nas mãos do latifúndio, agronegócio e mineradoras que precedem as labaredas na mata. Pois assim são estas violações de direitos humanos, em sua maioria absoluta endereçadas a jovens pobres e negros, e que vem se agudizando de tal modo no país que, pela recorrência e impunidade, passam a fazer parte do “normal”, um verdadeiro padrão de tratamento das camadas pobres da população, que setores ainda sensíveis da classe média expressam sincera indignação, mas que infelizmente não sofre nenhuma objeção de uma grande parcela de apoiadores de uma agenda elitista, falso-moralista e exaltadora da “segurança” em lugar da justiça social.
Com efeito, neste sofrido ano de 2020, estas arbitrariedades tem origem e são instigadas a partir de um polo de extrema-direita na sociedade brasileira, fortalecido após a derrubada do governo petista em 2016 que, com suas ramificações na polícia, judiciário, imprensa, igrejas, escolas, legislativos e executivos, vem apostando em um novo cenário para o país: uma mudança do regime democrático, ainda que inconsistente e limitado, para um outro tipo de regime, de caráter autoritário, motivo pelo qual tanto se incentiva uma cultura de negação de direitos humanos e da diversidade, conforme vemos em todos os setores, cultural, educacional, ambiental, religioso e político. Afora aqueles que efetivamente ganham dinheiro, contratos e cargos com a “nova politica” reinante, as pessoas vem sendo atraídas para este projeto, seja pelo antipetismo, pelos apelos á segurança, idolatria ao comportamento tosco de Bolsonaro e, mais recentemente, a velha e utilizável politica assistencialista, o novo “renda brasil” que outrora era chamado de “farelo” pelos que hoje habitam o Palácio do Planalto.
Não é meu desejo ser alarmista, mas estamos assistindo, sem nos dar totalmente conta, que avança sobre o povo brasileiro um novo militarismo ’reacionário-evangélico-anticomunista´, que não fala exatamente em adoção do “regime militar”, mas, ao contrário, diz cultivar o respeito á democracia e a constituição, enquanto incentiva a perseguição á imprensa, restringe a transparência das informações públicas, produz relatórios de opositores, privilegia, através de orçamento e nomeações, um setor fiel de seguidores nas forças armadas, ao mesmo tempo em que abastece de dinheiro as igrejas de seus pastores e bispos fieis. E isto sem contar as relações com milicianos, fato notório que difícil o bolsonarismo contestar, por mais que, como sabemos, possua o mal hábito de negar até a necessidade de simples máscaras de proteção contra o covid-19, o que somente demonstra do que são capazes em termos da defesa de absurdos.
Tudo isto é repetir o que já está sendo noticiado nos jornais diariamente, dirão alguns ao ler este artigo. E outros, (que ainda apoiam Bolsonaro), nutrirão dúvidas de que tudo isto não passa de “coisa dos petistas’, “comunistas” ou de Lula. Mas como negar o que vem sendo feito com o meio ambiente, educação, saúde pública, onde inclusive, em relação a este último item, o militarismo vem substituindo o sanitarismo e a ciência médica, em plena pandemia. Trata-se, para além das brutalidades, retrocesso de direitos trabalhistas e previdenciários, a exaltação de costumes morais de um cristianismo punitivo, de um “novo normal” que se pretende impor ao Brasil, cujo “normalidade” nada tem a ver com direitos democráticos, pluralismo ou tolerância, mas, como disse acima, um novo regime despótico, por dentro do arcabouço do Estado de Direito de 1988 e, nisto, a atual pandemia está auxiliando a consecução deste projeto, ao passo que serve de amarras á mobilização popular, única saída para conter este verdadeiro monstro, que possui todos os instrumentos autoritários de imposição, (intactos desde o fim do regime de 1964) mas ainda não ganhou os corações e mentes da maioria. Felizmente.
Encerro dizendo que a lição destes dois fatos horrendos que vitimaram uma criança e um jovem musico, deve ser que precisamos urgentemente acelerar a construção da resistência efetiva ao bolsonarismo, que, como sabemos, são de vários tipos e matrizes, desde o militar, passando pelo religioso e paramilitar, dentre outras vertentes não menos perigosas. É preciso resistir nos sindicatos, associações, universidades, OAB, igrejas comprometidas com os direitos democráticos, e, nesta eleição municipal que se avizinha, elegermos candidatos comprometidos com valores e direitos democráticos, a afirmação dos direitos sociais e humanos, antifascistas em sua essência, sob pena de não aprendermos com os fatos. O autoritarismo está em marcha, – e acelerada !- e se os socialistas nunca foram majoritários no Brasil, (nem nos governos petistas), cumpre lembrar que a extrema direita já o foi em um passado recente: quando conseguiu em 1964 subverter o regime democrático iniciado em 1946.
ADERSON BUSSINGER – Advogado sindical, diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, conselheiro da OAB-RJ, membro efetivo da CDH, membro do IAB, ABJD e ABRAT (Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas). Colunista e membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre, integra a Comissão Nacional eleita de Interlocutores do Fórum Nacional em Defesa da Anistia Constitucional.
MAZOLA
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