Por Jorge Folena –

A condenação do deputado fascista pelo STF foi necessária para se manter o mínimo de dignidade moral do que ainda restou nas instituições brasileiras.

O deputado metido a valentão, seguindo a orientação da base fascista à frente do governo, ameaçou a Constituição, a ordem democrática, o Supremo Tribunal Federal e seus ministros. Inclusive tentou envolver os militares na sua agressão a um poder constituído da República.

Não poderíamos esperar outra decisão do STF, senão a condenação do agressor, com perda da liberdade e dos direitos políticos, pois não se pode admitir que a liberdade de expressão atente contra a ordem jurídica e institucional do país, como faz o chefe do executivo federal, desde o início do seu mandato, junto com seus liderados fascistas.

Relembremos a reunião de 22 de abril de 2020, realizada no Palácio do Planalto pelo presidente, com a presença de todo os integrantes do seu governo. Nesse encontro foram proferidas as mais indignas provocações contra o Supremo Tribunal Federal e as demais instituições; e o vídeo com seu conteúdo somente veio a público por decisão do ex-ministro Celso de Mello.

Aquele episódio deveria ter sido suficiente para a destituição imediata deste governo, com os seus integrantes levados a responder por seus atos, palavras e até mesmo omissões, por não terem censurado os que atacaram a ordem constitucional com tanta vilania.

Ciente de que é curta e seletiva a memória nacional, aproveito para reavivar na mente de todos o que foi dito pelos participantes naquela reunião, deplorável sob o aspecto institucional e republicano, quando causou espanto o nível das palavras de baixo calão empregadas, sendo essas o menos importante em todo o ocorrido.

Espantosas foram as mostras de imoralidade contidas nas revelações e mentiras apresentadas pelos participantes e, em particular, pelo ocupante da Presidência da República. Este último, valendo-se do cargo e sem margem para dúvida, expôs sua intenção de intervir na Polícia Federal e utilizar um serviço de informação privado, ou seja, um serviço de espionagem particular, para proteger seus interesses; e também fez ali uma interpretação deturpada do artigo 142 da Constituição, sobre a GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que supostamente lhe permitiria uma intervenção militar na vida política do país.

O mais grave, porém, foi o ocupante da presidência ter afirmado no mencionado encontro que continuaria armando a população (na verdade, seu grupo de seguidores), visando uma luta armada contra as demais instituições e os governos estaduais e municipais que a ele se opusessem.

Plenário debateu sobre prisão de Silveira (Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

A afirmação do chefe do Poder Executivo tanto agradou aos presentes que um deles (presidente da Caixa Econômica Federal) falou que usaria sua coleção de mais de uma dezena de armas para enfrentar os governos estaduais e municipais que ameaçassem restringir sua suposta liberdade de circulação. Ele referia-se às medidas tomadas pelos executivos locais durante os períodos mais críticos da crise sanitária da COVID-19, pandemia que exigiu isolamento social e sacrifício de todos para evitar o contágio e propiciar seu controle.

Ocorre que o fascismo se utiliza o tempo todo de truques semânticos para deturpar o real sentido dos termos, dos princípios e até mesmo do conteúdo da constituição e das leis, ressignificando-os a seu bel prazer para justificar as agressões ao Estado democrático de Direito. É deste modo e nesse contexto que deve ser vista a indevida concessão de indulto em favor do deputado recentemente condenado pelo STF.

Conforme manifestado na mencionada reunião, na presença dos ministros militares, inclusive o da Defesa, que se calaram, o armamentismo promovido pelo presidente e seu grupo visa a “luta política e ideológica”; ou seja, a promoção de uma guerra civil, o que ofende frontalmente o monopólio do exercício da força, que é exclusivo do Estado; atenta diretamente contra a segurança interna do país; e possibilita a formação de grupos paramilitares, o que é vedado pela Constituição.

Entre as mentiras ditas por Paulo Guedes, o ministro inicialmente afirmou que não havia dinheiro público para ajudar na crise sanitária, e, ao final da reunião, disse que o governo deveria “vestir uma peruca loira para implodir”, ou seja, mentir descaradamente e colocar “uma granada no bolso dos servidores públicos”, deixando-os sem aumento. Ele mesmo assim expôs: “vamos ganhar muito dinheiro usando recursos públicos para ajudar grandes empresas”, “mas vamos perder dinheiro ajudando empresas pequenininhas.”

Ou seja, de acordo com o ministro Guedes, o governo tem recursos no orçamento, mas devem ser direcionados para as “grandes empresas”. Por outro lado, ele afirma que não vale a pena investir nas pequenas e médias empresas, pertencentes aos muitos que vão para as ruas vestidos de verde e amarelo para defender o atual presidente.

Guedes e Bolsonaro. (Mauro Pimentel/AFP)

O festival de horrores prosseguiu quando o então ministro do meio ambiente propôs uma fraude legislativa para aprovar legislação passando por cima do Congresso Nacional, de modo a permitir a devastação ambiental na Amazônia, “deixar a boiada passar”, “aproveitando o momento em que a mídia só fala no covid (sic)”.

A criminosa proposição do referido ministro contou com a silenciosa aquiescência do vice-presidente da República, responsável pelo programa de proteção da floresta amazônica, e foi integralmente subscrita pelo presidente do BNDES.

A ministra dos direitos humanos disse que mandaria prender governadores e prefeitos, ou seja, lançou ameaça sobre os que estavam trabalhando no combate à proliferação do vírus e para garantir a vida da população. No mesmo passo, o então ministro da educação pregou a prisão dos ministros do STF, que considerava “um bando de vagabundo (sic)”.

O chefe do executivo fechou a reunião determinando ao presidente do Banco do Brasil da época que o plano de privatização da instituição só fosse revelado em 2023, para esconder dos eleitores a intenção de vender mais um importante ativo do patrimônio público, para não prejudicar sua campanha por reeleição, na qual trabalha desde o primeiro dia no cargo.

Como se vê, as provocações do presidente não são novidade nem terminarão agora, está claro desde a sua posse que ele fará de tudo para romper com a ordem institucional; sendo o governo que mais violações promoveu contra a Constituição.

A concessão de graça em favor de Daniel Silveira, em nítida retaliação ao STF, é, sem dúvida, inconstitucional, por desvio de função da forma em que foi empregado o mencionado instituto e por constituir clara violação à separação dos poderes, pilar fundamental da democracia.

O que está em jogo é a possibilidade de implantação de um regime ditatorial, defendido por fascistas de plantão, na medida em que as instituições não estão funcionando como prevê a Constituição, sendo urgente a retomada da ordem democrática.

Por isso é essencial a união de todos os democratas, que devem manifestar-se nos espaços públicos em resistência a esse desgoverno tirano, apoiado por fascistas declarados, que o tempo todo promovem atos em desrespeito à democracia e às instituições do país. Não dá mais para a sociedade ficar restrita a notas de repúdio, sem sentido diante de agressões e ameaças elevadas ao nível do absurdo.

Antes que seja tarde e se declare a guerra civil tão desejada pelos apoiadores fascistas, armados pelo ocupante da presidência, é preciso que sejam imediatamente afastados do poder!

Até quando prevalecerá o cinismo das instituições do país, que se calam diante dos descalabros do homem que jamais negou sua adoração à tortura e a torturadores, pregador da ditadura e incentivador contumaz do ódio?

As semelhanças não são meras coincidências! Objetivos do atual governo foram claramente expostos desde a campanha de 2018. Não agir para impedir a violência premeditada por eles contra a sociedade civil é caminhar como cordeiros, primeiramente rumo ao gueto e depois, às câmaras de gás.

JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.


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