Por Roberto Malvezzi –
Há uma explosão de vozes negras e indígenas – masculinas e femininas – no mundo contemporâneo, o que constitui um fenômeno inovador.
Uma das sugestões do Papa Francisco no Sínodo para a Amazônia é que tivéssemos a capacidade de ouvir a fala dos povos originários e tradicionais. Ele chega a afirmar no “Querida Amazônia” que, muitas vezes, a extinção de uma tradição cultural dessas, é tão ou mais prejudicial à humanidade que a extinção de uma espécie animal ou vegetal.
No ano passado passei a ler muito da literatura de autores indígenas, ainda não encontrei textos ou livros de autoras indígenas. Claro, acompanho com cuidado falas como a de Txai Suruí na ONU, ou das jovens mulheres indígenas que estão em diversos campos da sociedade no sentido de defender os interesses de seus povos. Às vezes tenho o privilégio de ouvir diretamente mulheres como a cacique Lucélia Pankará, de Itacuruba, Pernambuco. Sinto que grande parte das esquerdas têm imensas dificuldades de assimilar esses pensamentos e estilos de vida. São outras matrizes civilizacionais e elas não se encaixam nos nossos esquemas mentais ocidentais já consolidados.
Ler e ouvir pessoas como Ailton Krenak, Davi Kopenawa, tantos outros e outras, é entrar em outra leitura de mundo. Com eles e elas saímos da entediante lógica ocidental, com seu raciocínio frio e distante do resto da humanidade, principalmente os intelectuais orgânicos ao capital. Essa é a riqueza na qual mergulhamos. Melhor ainda, só confirmam que a questão desses povos não é só do passado, mas também do presente e para o futuro. “Aqueles que vivem nas bordas do planeta”, na expressão fantástica de Ailton Krenak, têm muito a dizer para a humanidade dominante nesse momento crucial da história humana na face da Terra.
Esse ano comecei lendo livros da literatura negra. O livro inicial foi “Lugar de fala”, de Djamila Ribeiro. Ali estão citados vários autores, principalmente autoras, que abrem um campo imenso para entender essas vozes negras, femininas, a partir de seu standpoint. Não sou muito de anglicismos, mas gostei da expressão. Ou, como diz Leonardo Boff, “cada ponto de vista é a vista de um ponto”. Então, elas falam de seu lugar na sociedade e na história. Como eu costumo dizer a respeito de mim mesmo, “nós brancos nunca saberemos o que é ser pele negra ou indígena nesse país chamado Brasil”. E vejo a repercussão dessas reflexões até mesmo nas Pastorais Socioambientais, quando as mulheres que fazem essas pastorais questionam os homens e seus companheiros pela reprodução machista e discriminatória no âmbito da Igreja e das próprias pastorais.
A humanidade consciente está buscando dois caminhos: os privilegiados querem manter seus lugares e, mesmo sabendo que estamos indo ao abismo, preferem seguir em linha reta, como ovelhas na direção do despenhadeiro. Eles julgam que suas riquezas e poderio militar os salvarão de um colapso global. Há outros, também conscientes, que ao menos tentam “adiar o fim do mundo”. É nesse campo que estão tantos pensadores e pensadoras do mundo indígena e negro.
Sou um homem branco que casou com uma mulher negra. Tivemos duas filhas e dois filhos multicores. Com ela aprendi muito sobre as sutilezas do racismo. Ela perdeu a vida para o Covid. Mas, eu quero continuar ouvindo o que esses e essas pensadoras têm a nos dizer para que “o céu não caia sobre nossas cabeças” e sobre a cabeça das gerações futuras.
Roberto Malvezzi (Gogó), possui formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Atua na Equipe CPP/CPT do São Francisco.
Publicado inicialmente no EcoDebate. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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