Por Siro Darlan

Processo de Kafka torna-se regra quando se pretende assassinar reputações.

Marielle não descansa em paz por vários motivos, dentre os quais pela inoperância das autoridades responsáveis pelas investigações, que a toda hora gira a roleta das probabilidades apontando diversos nomes, sem qualquer prova do que divulgam, como foi o caso do Vereador Marcello Secciliano, Orlando Curicica, a milícia do Campinho, dentre outros. Cada vez que apontam para uma pessoa destroem reputações e promovem humilhações aa terceiros não envolvidos, como familiares desses “suspeitos”, mas sobretudo os familiares das vítimas, que vêm nessa inoperância uma nova morte para seus entes queridos. Apontando a roleta russa para suspeitos, além de mostrar como as investigações estão perdidas, confirmam as estatísticas de que a cada 3 homicídios no Brasil, apenas um é solucionado e identificados seus autores. No Brasil a taxa de resolução de assassinatos, segundo o Instituto Sou da Paz, é de 35%, contra a média global de 63%.

Na maioria das tentativas de dar publicidade às investigações que deveriam ser sigilosas, mas são intencionalmente vasadas para não dar em nada, os investigadores investem contra pessoas atingindo sua reputação e sobretudo causando danos irreparáveis a seus familiares, que sofrem os efeitos colaterais desse teatro dos horrores. Não é que o aparato policial seja incompetente, trata-se de alguns agentes interessados em melar as investigações para não chegar aos responsáveis por esse bárbaro duplo crime político. Uma das causas é porque Marielle, por sua brava luta, e por que ela representava de mudança na política pertencia à categoria dos “matáveis”. E assim como milhares de cidadãos pobres e negros morrem diariamente vítimas desse tipo de violência, não interessa aos “responsáveis” encontrar os mandantes.

O Jardim Marielle Franco, em Paris (França), inaugurado em setembro de 2019. (Reprodução)

O law-fare, essa forma devastadora de destruir reputações age como um mecanismo que conduz os leitores e telespectadores a acreditar e agir contra seus próprios interesses pessoais e sociais. Essa engrenagem perversa não apenas promove que agentes mal-intencionados escolha seus inimigos de ocasião, como se utiliza da polícia, ministério público e da justiça, instituições republicanas da maior importância para promoção de seus interesses pessoais e egoístas.

Apresentando-se como paladinos da justiça, defensores dos cidadãos comuns, estão na verdade homologando seus instrumentos para destruir a cred9ibiliade das instituições espalhando mentiras e atirando contra qualquer um que esteja em seu caminho. O trágico é que muitas vezes os próprios cidadãos vitimados aplaudem esses modelos nazistas de ação policial, acelerando o processo que se volta contra si mesmo. Essa nova forma de tortura, chamada por algumas autoridades de moderno “pau-de-arara” que promove tortura física e psicológica, além de uma falsa impressão de competência profissional. Trata-se de uma guerra jurídico-midiática voltada para desestabilização de figuras públicas, políticas ou de outras atividades intelectuais, como professores e jornalistas sérios e comprometidos com a verdade.

A última vítima criada pela inoperância das investigações foi o Conselheiro Domingos Brazão, que foi entrevistado no dia 24 de janeiro pelo Portal UOL, sob o comando da apresentadora Fabiola Cidral e os colunistas Tales Faria e Josias de Souza, com mais de 5,9 mil visualizações, imagina-se a importância dessas informações para o público assistente. O Conselheiro estava como disse numa consulta médica, mas não se furtou a prestar os esclarecimentos. Pensar que o entrevistado era o Brazão é uma concessão que não corresponde à verdade, porque quase tudo que falava era contestado com argumentos falaciosos e despossuído de qualquer elemento probatório.

Logo se vê que o objetivo da entrevista não era que o “acusado” pelo Tribunal Midiático que estava sendo interrogado, interrogatório é uma peça de defesa, não podia dar sua versão porque seus inquisidores não deixavam, sobretudo um deles que parecia conhecer mais de direito que os Ministro do STJ que havia absolvido o Conselheiro de um fato que lhe fora atribuído. O julgamento era antigo e transitara em julgado, mas para os agentes do law-fare essa é uma técnica usual. O tema da entrevista é a todo momento desviado para confundir o entrevistado e induzir os assistentes a um posicionamento parcial como se nota dos comentários. A pergunta era porque seu nome aparece nas investigações sobre a morte de Marielle e Anderson, e por que Lessa o apontou como mandante?

Enquanto o entrevistado procura responder surgem fatos não relacionados como um debate parlamentar acalorado com uma deputada há mais de vinte anos e um crime atribuído ao Conselheiro quando tinha apenas vinte anos, já absolvido pelo judiciário. Como afirmou o Padre Antônio Vieira em 14 de março de 1655, no terceiro domingo da quaresma, na Capela Real de Lisboa: “Três dedos de uma pena na mão é o oficio mais arriscado que tem o governo humano. Quantos delitos são feitos com uma penada? Quantos merecimentos se apagam com uma risca? Quantas famas se escurecem com o borrão”? Já advertia Vieira naquela época o que hoje é uma prática corriqueira em grande parcela da mídia mundial. O que se constrói durante anos pode ser destruído com apenas uma live, uma like nas redes sociais.

O Processo de Kafka torna-se regra quando se pretende assassinar reputações. Não é mais preciso haver provas. Basta a palavra nada isenta de um criminoso na busca de reduzir sua pena, ou mesmo apagar o seu crime, para depois de torturado pela prisão justa ou não, resolver “negociar uma delação” envolvendo o eleito para o cadafalso. Não se questiona mais por provas, bastam convicções. Assim caminha a humanidade, apesar da advertência de Vieira em seus sermões.

Não importam quantas vítimas ficam pelo caminho, sejam adultos, crianças, idosos, doentes, desde que a sede dos abutres por noticiais espetaculosas continuem alimentando o circo dos horrores!

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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