Por Ricardo Cravo Albin –
“Qualquer cronista jamais deixará em branco uma folha posta à máquina. Escreverá sempre. Mesmo que seja um de seus dados pessoais.” (Marques Rebello em depoimento para o MIS)
Quando o cronista se senta frente ao papel para escrever e diz que quer rasgar a folha ainda virgem por falta de assunto, está certamente perpetrando uma mentira. Temas e causos sempre borboleteiam em cabeças de qualquer escritor.
Agora mesmo estava certo de que o tema principal a abordar hoje seria o resultado das eleições deste domingo. Até que recebi nervoso telefonema de minha antiga colega de trabalhos no Banco Internacional de Desenvolvimento, o BID, a declarar quase aos gritos em Washington que uma guerra estava por explodir com as ameaças da Rússia ao anexar territórios da Ucrânia. – “E as eleições desta noite no Brasil, você não pauta mais, você tão interessada pelo que ocorre por aqui?” perguntei um tanto incrédulo. A resposta veio pronta e seca – “é bom saber que toda gente de Washington só comentou, e mesmo assim sem prolongar o papo, sobre os desacertos das pesquisas eleitorais pelo Brasil, cujos resultados foram díspares em relação a todas as consultas de véspera. E lhe devo informar que todos nossos críticos se abismaram com o poder de fogo de Bolsonaro, catapultando a extrema direita, um fenômeno assustador para todo o resto da América Latina. Mas isso, meu caro, é quase abobrinha ante as declarações de expoentes do Departamento de Estado sobre as anexações ao território russo de parte da Ucrânia, além da ameaça de ela se filiar à OTAN, que pode se reapropriar dos territórios agora anexados, ou seja, territórios considerados russos por Putin. Que em sua defesa ameaçou (com todas as letras) disparar armas nucleares contra o Ocidente. Desde o episódio de Cuba nos anos 60 uma guerra total nunca amedrontou tanto o povo americano. E você trate de por as barbas de molho porque comenta-se por aqui que Bolsonaro estaria ao lado do ditador russo. Se isso se concretizar a América perdeu o Brasil.”
De fato, para que a anexação considerada ilegal dos quatros territórios ucranianos seja formalizada resta apenas que os acordos sejam ratificados pela Federação Russa e pelo Parlamento, o que se não já estiver ocorrendo deve se concretizar nas próximas horas. Os acordos – é o que se comenta em Washington – serão assinados pelas autoridades nomeadas pelo Kremlin nas quatro regiões ocupadas, correspondentes a 15% do território ucraniano. As autoridades russas, informam as agências internacionais, instalaram outdoors e um enorme telão na Praça Vermelha. Cartazes com os nomes das regiões a serem anexadas foram espalhadas por toda Moscou. E não só: todo o país se viu inundado há dias por uma tempestade de folhetos patrióticos prevendo uma síntese da futura tragédia, “quem atacar nossas terras, ataca o coração do Kremlin.” Esses esbirros nacionalistas de Putin intimidam para valer seu povo. E levou à fuga do país cerca de 200 mil cidadãos em idade de serviço militar, já que Moscou há dias anunciou o recrutamento de 300 mil reservistas.
Todo o desenho de uma pré-guerra foi consolidado.
Corri a confirmar se as inquietações apregoadas por minha interlocutora de Washington reverberam também em Moscou. E da capital russa confirmei temores ainda piores, alguns beirando histerismo quase atordoante. E na Ucrânia, como estaria a situação? Ainda mais tensa e aflitiva, segundo Zelensky, que convocou a imprensa internacional para declarar a situação no limite mais intimidador desde o começo da guerra. E mais: segundo ele não faria agora sentido a Ucrânia retornar às negociações para um “cessar fogo”. Os movimentos belicistas de Moscou estão a se converter em petardos psicológicos para toda a América do Norte. E por certo para toda a Europa. De fato, o Kremlin segue o mesmíssimo padrão da anexação da Crimeia, no Mar Negro em 2004. Com uma diferença essencial: à época não havia lá uma guerra declarada na região. Além do que a população era majoritariamente russa.
Tudo isso, essa perfeita situação de conflito no fio da navalha, faz meus interlocutores de Washington pensarem até em abandonar a capital americana. E já me consultam para obter um pouso no Rio. Disse-lhes que deveriam esperar o resultado das eleições no dia 30 deste mês. Caso Bolsonaro ganhe, o Brasil possivelmente se porá ao lado da Rússia.
Afirmei-lhes que um de nossos amigos dos jornalões americanos deveria entrevistar Lula e lhe questionar de suas preferências sobre Putin e a Ucrânia.
Só então eles decidirão se embarcam mesmo para o Rio. Fugindo de uma hecatombe nuclear onde moram.
E aí cabe a pergunta fatal – “adiantará fugir de guerra nuclear em direção a algum lugar seguro? Que lugar se dará ao luxo de se considerar infenso à tragédia nuclear? É o que já declarou prudentemente Biden – “em guerra nuclear, o vencedor não existe. Morre antes.”
É ou não intimidador o estado a que o mundo chegou?
E não adianta se beliscar para acordar. O pesadelo de fato ronda, insone, nossa imaginação.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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