Redação

Em carta aberta publicada na noite desta sexta-feira, dia 7, no site do jornal inglês The Guardian, artistas, intelectuais e personalidades afirmam que as instituições democráticas do Brasil estão “sob ataque” desde que Jair Bolsonaro assumiu a Presidência da República, em janeiro de 2019.

Intitulado “Democracia e Liberdade de Expressão sob ameaça no Brasil”, o artigo é assinado pelos cantores Chico Buarque, Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, os escritores Milton Hatoum, Paulo Coelho e Djamila Ribeiro, o historiador Boris Fausto, o fotógrafo Sebastião Salgado, a cineasta Petra Costa e mais de 2.700 pessoas.

APOIO  INTERNACIONAL – A campanha também ganhou o apoio de intelectuais e artistas de outros países, como o filósofo Noam Chomsky, o cientista político Steven Levitsky, o cantor Sting, o ator William Dafoe, o compositor Philip Glass e o escritor Valter Hugo Mãe.

“O regime de extrema direita do Brasil quer censurar livros didáticos, espionar professores e reprimir minorias e grupos LGBTQ+. Precisamos de apoio da comunidade internacional”, afirma o texto, que pede apoio da comunidade internacional para “condenar as tentativas do governo Bolsonaro de pressionar organizações artísticas e culturais” e “pressionar o Brasil a respeitar completamente a declaração universal dos direitos humanos e, assim, respeitar liberdade de expressão, pensamento e religião”.

DISCURSO POLÊMICO  – No texto, os autores fazem referências a episódios recentes do governo Bolsonaro, como o filme gravado pelo ex-secretário de Cultura, Roberto Alvim, que copiava temática nazista e citava textualmente trechos de um discurso do ideólogo nazista Joseph Goebbels.

A repercussão do caso levou Alvim a ser demitido horas após a publicação do filme em suas redes sociais no dia 17 de janeiro. “Alvim estava apenas dando voz ao projeto político de extrema direita de Bolsonaro, que continua com força total”, diz a carta publicada no The Guardian.

Outra demissão lembrada pelos autores é a do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim, Banco do Brasil. Em abril do ano passado, uma campanha publicitária que representava a diversidade racial e sexual do País foi tirada do ar a pedido de Bolsonaro.

MP CONTRA GLENN  – Os autores criticam a denúncia feita pelo Ministério Público Federal contra o jornalista Glenn Greenwald, pela suposta invasão de conversas de autoridades, que ele nega, e a publicação de um vídeo na conta oficial do Twitter da Secretaria de Comunicação que chama Petra de “militante anti-Brasil”.

Eles citam, ainda, relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que afirma que os ataques à imprensa cresceram 54% em 2019. “Tememos que esses ataques a instituições democráticas possam se tornar irreversíveis em breve.

AMAZÔNIA – Além das críticas à política cultural e à ideologia do governo Bolsonaro, há, no texto, queimadas na Amazônia, que levaram o Brasil a ser cobrado no Fórum Econômico Mundial, em Davos, no mês passado. “O governo está engajado numa perigosa guerra cultural contra ameaças internas artificiais. Ele nega o aquecimento global e as queimadas na Amazônia, despreza líderes que lutam pela preservação do meio ambiente e desrespeita comunidades indígenas”.

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ARTIGO TRADUZIDO :

As instituições democráticas brasileiras estão sob ataque. Desde que assumiu o cargo, o governo Jair Bolsonaro, ajudado por seus aliados de extrema direita, tem sistematicamente minado instituições culturais, científicas e educacionais no país, assim como a imprensa.

Logo no início, membros proeminentes do partido de Bolsonaro começaram uma campanha para encorajar estudantes de Ensino Médio e universidades a filmar secretamente seus professores e denunciá-los por “doutrinação ideológica”. Essa campanha persecutória, ameaçadoramente chamada de “Escola Sem Partido”, criou um ambiente de intimidação e medo em instituições educacionais, em um país há apenas três décadas fora de um regime militar opressivo. No mês passado, Bolsonaro sugeriu que o Estado deveria censurar livros didáticos para promover valores conservadores.

A gestão Bolsonaro deixou claro que não irá tolerar desvios de suas políticas e visão de mundo ultraconservadores. No ano passado, o governo demitiu o diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim, por criar uma campanha publicitária promovendo a diversidade e a inclusão, que foi censurada pelo governo. Mais tarde naquele ano, enquanto a Floresta Amazônica queimava em um ritmo alarmante, o governo Bolsonaro retaliou cientistas que se atreveram a apresentar os fatos. Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi exonerado de seu cargo por divulgar dados de satélite sobre o desmatamento na Amazônia.

O governo também é perigosamente hostil contra a imprensa. Em 21 de janeiro deste ano, o Ministério Público Federal abriu uma investigação sem base contra o jornalista americano Glenn Greenwald e sua equipe por participar de uma suposta conspiração para hackear o telefone de autoridades brasileiras. A denúncia, um evidente ataque contra a liberdade de imprensa, foi uma resposta a uma série de exposições que Greenwald e o The Intercept publicaram dizendo respeito a uma possível corrupção do círculo íntimo de Bolsonaro.

Esse não foi um caso isolado. Oficiais do governo espalhados pelo país, de tribunais estaduais à Polícia Militar, tomaram para si a tarefa de defenderem ideologicamente Bolsonaro e reduzir a livre-expressão de ideias. Apenas em 2019, foram reportados 208 ataques contra a imprensa e jornalistas no Brasil.

Em 16 de janeiro, Bolsonaro e o secretário-especial de Cultura, Roberto Alvim, filmaram juntos uma live que divulgou seus planos ideológicos para o país. Eles elogiaram a “virada conservadora” e o “renascimento da cultura” no país. No dia seguinte, Alvim foi além: durante um vídeo dedicado a anunciar um novo prêmio nacional das artes, ele fez alusões evidentes a princípios nazistas e enunciou frases do ministro da propaganda nazista Joseph Goebbels.

A indignação nacional e a condenação internacional causaram a demissão de Alvim. Mas Alvim apenas deu voz ao projeto de extrema-direita de Bolsonaro, que segue em força total: uma contínua afronta à liberdade de expressão, sob a justificativa da cultura nacional. Instituições públicas que representam a herança multicultural do Brasil – Conselho Superior do Cinema, Ancine, Biblioteca Nacional, Iphan e Fundação Palmares para a Cultura Negra – enfrentaram censura, corte de verbas e outras pressões políticas.

A cineasta Petra Costa, diretora do documentário Democracia em Vertigem, atualmente tem a oportunidade de tornar-se a primeira mulher latino-americana a vencer um Oscar. No entanto, a Secretaria de Comunicação de Bolsonaro recentemente usou o canal oficial no Twitter para disseminar um vídeo atacando Costa como uma antipatriota que espalha mentiras sobre o governo Bolsonaro. De forma semelhante, os filmes Bacurau, A Vida Invisível e Babenco foram internacionalmente aclamados nos festivais de cinema de Cannes e de Veneza, mas Bolsonaro declarou que nenhum bom filme brasileiro tem sido produzido no país em um bom tempo.

A gestão Bolsonaro também trabalha para reverter diversas conquistas sociais das últimas duas décadas, incluindo ações afirmativas. Entre 2003 e 2017, a proporção de estudantes negros entrando em universidades brasileiras aumentou em 51%; o regime Bolsonaro quer voltar atrás nesse progresso. Bolsonaro e seus ministros depreciam de forma rotineira minorias étnicas e a comunidade LGBT+ – tudo isso enquanto ignoram a violência e a criminalidade de milícias paramilitares de direita.

Esse é um governo que não tem nenhum plano de desenvolvimento para seu povo. Em vez disso, o governo Bolsonaro está engajado em uma guerra cultural contra ameaças internas fantasiosas. É um governo que nega o aquecimento global e as queimadas na Amazônia, menospreza líderes que lutam pela preservação do ambiente e desrespeita a preservação da natureza e da cultura trazida por povos indígenas.

Nós tememos que tais ataques às instituições democráticas possam, dentro de um futuro próximo, tornarem-se irreversíveis. Baseado nos princípios conservadores mais extremos e limitados, o projeto de Bolsonaro é alterar o conteúdo de livros didáticos e filmes brasileiros, restringir o financiamento para bolsas e pesquisa, e intimidar intelectuais, jornalistas e cientistas. Pedimos à comunidade internacional para:

– Expressar solidariedade pública

– Condenar as tentativas do governo Bolsonaro de colocar pressão política em organizações culturais e artísticas

– Pressionar o Brasil para respeitar completamente a Declaração Universidade de Direitos Humanos e, portanto, respeitar a liberdade de expressão, de pensamento e de religião.

Finalmente, convocamos organizações de direitos humanos e a imprensa internacional para jogar luzes no que ocorre no Brasil. Este é um momento político grave. Devemos rejeitar a ascensão do autoritarismo.


Fonte: Estadão