Por Clarissa Garotinho –
Muitos historiadores apontam dois acontecimentos específicos como o início do atual colapso econômico do Rio de Janeiro: a transferência da capital federal para Brasília, em 1960, e a posterior fusão entre os antigos estados do Rio e da Guanabara. Sem a devida compensação na época pelos danos causados à nossa população, o que se viu, nas décadas seguintes, foi uma cronologia marcada por muitas adversidades. Entre elas, a falência da cidade do Rio, em 1988, intervenções nas áreas de Saúde e Segurança, em 2005 e 2018, respectivamente, e um rigoroso regime de recuperação fiscal, sob o qual nos encontramos hoje. Agora, a sociedade brasileira tem a possibilidade de reparar esse erro histórico.
Está nas mãos da Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição, de minha autoria, que, se for aprovada, vai representar uma oportunidade única para o Rio. Chamada de PEC da Reparação, a iniciativa vai garantir aos cofres públicos estaduais R$ 70 bilhões em uma década. Trata-se de mais uma batalha importante na luta para retirar o nosso estado da crise financeira em que se encontra.
Em linhas gerais, essa quantia seria viabilizada graças a uma medida simples: a repartição entre o Rio e Brasília dos recursos do Fundo Constitucional do DF, repassados hoje apenas à capital federal. Cada um dos dois estados ficaria com R$ 7 bilhões ao ano, e, ao fim de uma década, o fundo seria extinto. A partir de então, os recursos seriam repartidos por todos os estados, redistribuindo desenvolvimento de forma mais igualitária pelo país. Afinal, depois de tantos anos recebendo o auxílio, Brasília já pode caminhar sem os privilégios da União, pois arrecada impostos como estado e município, além de ter a maior renda per capita do país.
Não custa lembrar que o Rio sempre exerceu papel decisivo na formação do Estado brasileiro e da cultura nacional. Foi a primeira capital do Brasil emancipado, em 1808, e, desde então, veio se consolidando como a vitrine mais emblemática do país no exterior. Não por acaso, a cidade sediou alguns dos eventos mais importantes do mundo, tais como o Rio-92 e os Jogos Olímpicos de 2016. Infelizmente, tais credenciais não foram suficientes para que a União olhasse com o devido carinho para sua antiga capital.
Dessa forma, de vitrine, viramos também vidraça do país. Não falta quem esteja pronto para atirar a primeira pedra, alegando que somos vítimas dos nossos próprios erros do passado. Mas não é bem assim. Enquanto Brasília passou a contar com ajuda financeira para dar seus passos como novo centro do país, o Rio foi jogado à própria sorte após 1960. Perdemos de forma abrupta a ajuda federal que recebíamos para custeio da Justiça e Segurança, embora permanecêssemos, na prática, dividindo as funções de sede do país com Brasília por mais dez anos.
Diversos países, é bom que se diga, cuidam das suas antigas capitais de forma especial, seja transformando-as em áreas de especial interesse federal, seja fazendo a gestão da sua segurança. Na Alemanha, por exemplo, com o retorno da capital para Berlim, em 1990, a cidade de Bonn recebeu indenização de bilhões de euros, sendo transformada também na sede da ONU dentro do país. Há casos ainda de nações que optaram por ter mais de uma sede, a exemplo da África do Sul, onde Pretória, Cidade do Cabo e Bloemfontein são, respectivamente, centros administrativo, legislativo e judicial.
Enfrentar a crise do Rio pressupõe olhar para esses problemas históricos e corrigi-los. Não podemos aceitar que o nosso estado seja devedor de mais de R$ 118 bilhões à União, quando deveríamos ser tratados como credores da nação que tanto ajudamos a construir. Mais do que um aporte de recursos, a PEC da Reparação é uma oportunidade única de reparar uma injustiça que já dura quase 60 anos. O Rio precisa e merece.
*Clarissa Garotinho é deputada federal (PROS-RJ)
MAZOLA
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