Por Ricardo Cravo Albin –
“O arrependimento é o acordar tardio da consciência. Breve é a loucura, longo será o arrependimento” (Friedrich Schiller)
Guardo no melhor escaninho da memória dos bancos escolares do Internato do Colégio Pedro II (Ah, o casarão amarelo de São Cristóvão inaugurado pelo próprio Imperador) uma frase de Euryalo Cannabrava, o melhor catedrático da matéria Filosofia que nós, os então adolescentes daquele final dos anos 50, poderíamos ter acolhido nos nossos verdes corações.
Mestre Euryalo pontificava, ao repetir como um mantra – “O arrependimento será sempre o acordar tardio da consciência”, que ele atribuía com orgulho ao alemão Schiller.
Isso era comum, em especial quando comentávamos em aula erros e acertos do tema preferencial daqueles tempos de temores, a construção de Brasília e os desequilíbrios que a inflação crescente parecia fazer desabar sobre o vertiginoso País de nossas esperanças, de nossas decepções, umas e outras temperadas pela fé no futuro, que deveria estar a bater às portas dos jovens que éramos, os estudantes. Mas que até hoje nunca chegariam…
Vejo agora essas sombrias reflexões tisnarem as contradições do atual governo, nos pontos seguintes:
1- O desastre ambiental provocado reiteradamente, e sem sombra de arrependimento, pelo teimoso Ministro do Meio Ambiente “será isso mesmo o que ele é, teimoso?”
Uma querida amiga de décadas, ambientalista doutorada por Harvard, também minha colega quando trabalhamos juntos na sede do BID em Washington entre 1963-64, duvida dessa irrefreável teimosia atribuída ao Ministro, e o fez ontem pelo telefone.
Recordo que ambos éramos orientados no Banco pelo diretor Evaldo Correia Lima, pai do hoje acadêmico Antônio Cícero.
Minha colega de sala era apaixonada pelo Rio. E quase sempre me instava a lhe repetir gírias de uso comum pela cidade. Que ela anotava com unção em pequeno caderno forrado de veludo vermelho, cujo título eu considerava mais uma excentricidade de intelectual com pouco a fazer: “Idiomatic Carioca Language”. Elacontinua a me telefonar vez por outra, porque ama o Brasil de verdade.
Há dias, me disparou pergunta fulminante – “mas quem é mesmo esse Ministro que se diz do meio ambiente?” – “macacos me mordam, mas ele até parece o Benedito- gíria de época”. Que fúria teimosa esse funcionário devota para destruir o que o Brasil tem de mais apreciável, ou tinha, que é a luxuriante diversidade de seu meio ambiente, que nós dois estudamos juntos no BID há tantas décadas.
A ligação foi encerrada com frase nostálgica – a cada semana procuro nos jornais a notícia de que Bolsonaro “lhe dê o boné- gíria de época”, para recuperar seu nome que não anda em alta por aqui.
E aduzi – “esse ato de gestão política seria tão conveniente, que Bolsonaro poderia aproveitar a machadinha (e, atenção, xô xô a moto serra!) e também “cortar o mal pela raiz” de um outro entrave a espantar o Brasil aos olhos do mundo, o inacreditável Chanceler. Ambos só diminuem o Presidente do seu País, nada, nadinha lhe acrescentando de positivo em troca.
Até por isso, faço abaixo breve perfil de ao menos dois contrassensos, diria melhor, duas insanidades desse Antiministro do Meio Ambiente, como lhe chamou há dias o colunista Bernardo Mello Franco. Pois bem. Toda a consciência viva da nação imaginou que depois da fatídica frase proferida na reunião de 11 de abril “aproveitemos a pandemia para ir passando a boiada sobre o meio ambiente”, o Ministro se calasse para sempre. Ledo engano. Nesta semana duas notícias alarmantes desabrocharam de seu coração intimorato.
A primeira, e gravíssima, ocorreria no Plenário semidestruído do Conselho Nacional do Meio Ambiente, agora manipulado pelo Governo, ao demitir quase 2/3 de ambientalistas de verdade, mantendo apenas 1/3 de funcionários que dizem amém aos caprichos especulatórios do Ministro. O CONAMA acabou de revogar normas sedimentadas que protegiam manguezais, restingas e reservatório de água.
O comentário mais indignado, minutos depois da tragédia consumada, veio da representante do Ministério Público Federal, Fátima Borghi, que tudo resumiu na frase – “foi um descalabro”.
O descalabro já apontava dois beneficiários certos, a indústria hoteleira e, atentem, a nunca ausente especulação imobiliária, que pressionaram nosso Presidente desde a campanha para construir condomínios milionários e resorts em áreas já protegidas. Fácil assim, pois não? Essa seria a primeira e escandalizada reclamação da amiga ambientalista do BID acompanhada pela frase-refrão – “mas será o Benedito?” que ressoaria como grito de horror por todo País civilizado, e mais que nunca desprotegido.
Essa invocação à antiga (e deliciosa, segundo Houaiss) gíria carioca se torna ainda mais agônica com a continuação do arder no Pantanal e na Amazônia, a partir de milhares de focos de devastação. O que, sabemos todos, nunca teria ocorrido em tal nível. E por quê? Dizer que só Deus explica será mentira, já que satélites monitoram toda região com lentes poderosas metro a metro. Aliás, registro minha comoção ao ver pela TV uma dezena de onças no Pantanal salvas do fogo. As patas queimadas, enroladas em pano branco, até pareciam botinhas surreais.
De chorar… Ou melhor, de ranger os dentes de puro desconsolo.
E o que faz, quando esbraveja e se vê chorar o Antiministro? (atenção, eu disse Antiministro e não Anticristo embora a tentação de aproximação seja muito forte).
Esta tentativa de pulverizar mais um bioma não é a primeira muito menos a última do tenaz destruidor do meio ambiente, caso não seja demitido. Em abril deste ano ele anistiou (por quê?) desmatadores ilegais da Mata Atlântica – outro bioma atacado para nada, demitindo (por quê?) dirigentes do IBAMA que lutavam com risco de vida contra a mineração ilegal em terras indígenas (por quê?).
O de espantar é que a justiça poderia “lhe dar um chega pra lá” (outra idiomatic expression de uso pela minha amiga do BID).
Vale informar, como Mello Franco apurou, que uma ação pública para repor o CONAMA em sua formação original continuava parada até anteontem na mesa da Ministra Rosa Weber.
Nem tudo é desolação. As pessoas por vezes parecem acordar das tantas pedradas assacadas contra nosso desprotegido País.
O Ministério Público teria pedido semana passada que o Ministro fosse afastado do cargo. Os Procuradores e todos sabemos dos riscos com ele à solta.
Termino esses amargores com a denúncia recentíssima feita pelo colunista José Casado sobre o afundamento de quatro bairros em Maceió provocados pelo desmoronamento dos poços de sal-gema perfurados abaixo do solo, e agora abandonados frente à Lagoa de Mundaú pela Braskem – Petrobrás, por conta da mineração criminosa que já coloca em risco 60 mil moradores.
E reitero aqui a sabedoria de Schiller – “breve é a loucura, longo será o arrependimento…” Que cabe como uma luva a volta da pandemia em países como Itália, Reino Unido, etc., que retomaram o confinamento.
Parece o Benedito, e é…
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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