Por Ricardo Cravo Albin –
Há poucos dias celebrou-se timidamente mais um aniversário da cidade do Rio de Janeiro. Portanto, tenho o prazer de mais uma vez registrar as considerações abaixo. Que dedico a Arno Welling, atento e permanente historiador do Rio.
Vale a pena não apenas lançar um olhar sobre o nosso passado, nem tão longínquo assim, mas também um registro sobre a insuperável beleza, história e tragédia da mais bela baía do Brasil. Guanabara é o primitivo nome tamoio que significa baia (guana) do rio (bará), se bem que alguns outros admitam o vocábulo como sendo tupi e com outro significado, “tribo que se pinta (gua – aná – bará)”, um possível vaticínio – quem sabe? – do surrealismo dos carnavais cariocas no século XX.
Já Rio de Janeiro foi o nome que os primeiros navegadores aqui aportados (André Gonçalves e Américo Vespúcio) deram à baía que parecia um grande rio. Era o dia 2 de janeiro de 1502, daí o Rio de Janeiro. Logo depois, a 1° de março de 1565, o Governador-geral do Brasil Mem de Sá, vindo de Salvador, fundou a cidade auxiliado por Estácio de Sá, seu jovem primo (e não sobrinho), que aqui já estava combatendo sem sucesso os franceses e que seria flechado pelos tamoios dentro da baía, na batalha final (nas imediações da Glória, mas morreria no esboço de vilarejo instalado no Morro Cara de Cão, na Urca).
Aliás, sem Mem de Sá o Rio seria uma cidade francesa e o Brasil fragmentado em dois. Não é à toa que o injustiçado estadia ta, que levou o Rio a expulsar os franceses de Villegaignon (encastelado na baía) e que também o levou para seu histórico destino a partir do Morro do Castelo (1567), chegou a ser celebrado por José de Anchieta como o “Afonso Henriques do Brasil e seu muy fiel fundador”.
De Mem de Sá para cá, o Rio se construiu e reconstruiu muitas vezes, especialmente muito mal nesses últimos cinquenta anos, com a desordem urbana dos gabaritos dos prédios, das invasões das encostas, da degradação dos serviços públicos (especialmente transporte coletivo), da falta de segurança, de moradia, etc., etc.
Mem de Sá foi o verdadeiro fundador do Rio de Janeiro e também por aqui inaugurou a dinastia dos Sás, que por muitas gerações governaram o Rio, tendo a Baía de Guanabara como pano de fundo. Eu costumo dizer que não há família de ascendência mais nobre e mais carioca que os Sás. Não é à toa que M. J. Gonzaga de Sá, conhecido personagem de Lima Barreto, dizia: “Eu sou Sá, sou o Rio de Janeiro”.
O Desembargador Mem de Sá, nomeado o terceiro governador-geral do Brasil por D. João III, governou o Brasil durante catorze anos, de 1558 a 1572. Foi ele que desfez o sonho da França Antártica e conseguiu derrotar as hostes de Villegaignon em 1560, eliminando os seus remanescentes em 1567. Pretendem os historiadores que a cidade do Rio tenha sido fundada em 1565 pelo capitão-mor Estácio de Sá, jovem de menos de vinte anos, que geralmente se afirma sobrinho de Mem de Sá. Estácio, contudo, havia chegado ao Rio a 1° de março de 1565 com a incumbência do governador-geral, seu tio, de varrer os franceses que ainda teimavam em aqui permanecer. Aqui permaneceu em lutas constantes, a maioria delas malsucedidas, até que, por interferência do Padre José de Anchieta, o Governador-geral Mem de Sá se dispôs a vir em socorro do sobrinho, ou primo. Mem pôs termo à aflitiva situação em 20 de janeiro de 1567, quando se tornou efetiva a fundação da cidade, sob a invocação de São Sebastião, seu padroeiro, e também com o sacrifício de Estácio de Sá, flechado em frente ao Rio Carioca – hoje Flamengo – e trazido para a vila do Cara de Cão, na Urca, onde morreria logo depois.
Fundada a cidade, seu primeiro governador foi Salvador Correia de Sá, um excelente administrador, que governou entre 1568 e 1572 e depois de 1577 a 1598, quando conquistou a confiança de Felipe II, durante a dominação espanhola. A Ilha do Governador passou a ser assim denominada por haver Salvador Correia de Sá construído ali um engenho de sua propriedade. Com Salvador de Sá começou a prosperidade dos Sás no Rio. No início do seu governo, ele era tão pobre que Mem de Sá chega a confessar no seu Instrumento: “Deixei, por Capitão da dita cidade do Rio de Janeiro a Salvador, meu sobrinho, o qual ainda sustento às minhas expensas”. A dinastia só fez engordar a fortuna dos Sás. Martim Correia de Sá, seu filho, governou a cidade de 1602 a 1607 e de 1623 a 1632, quando morreu (está sepultado na igreja do Convento do Carmo). Martim fez fama, mas não se deitou na cama, tanto que defendeu a cidade das possíveis investidas dos holandeses sediados em Recife, construindo várias fortalezas, como a de Santa Cruz, de onde escreveu carta (5/11/1624) em que se referia à cidade ganhada aos inimigos e povoada por seu pai. E acrescentava, com justo orgulho, que “esta cidade, dos Sás ganhada, não é bem que em tempo de um Sá se perca”. Outro Sá importante foi Salvador Correia de Sá e Benevides, filho de Martim, e que governou o Rio por três vezes, entre 1637 e 1661. O carioca Sá e Benevides viveu uma vida agitadíssima e sempre foi considerado um dos vultos mais atraentes da história luso-brasileira no século XVII. O último da única dinastia familiar carioca foi o capitão-general Artur de Sá e Menezes, cujo governo medeia entre 1697 e 1702.
O domínio dos Sás no Rio, portanto, foi longo e poderoso, perdurando por quase um século.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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