Por Ana Maria Iencarelli –
A justiça pratica alienação institucional contra a mulher/mãe, por meses, anos, sem nenhuma possibilidade recursal.
Precisei fazer um intervalo no tema do pai bom. Mais uma catástrofe contra crianças e mulheres/mães. Por que tanto ódio? A tristeza é profunda. A decepção enorme, apesar de não surpreender, pois conheço o potencial destrutivo das milícias psicológicas. A sofisticação das manobras sórdidas é cada vez mais antecipatória.
Ocorre que, hoje, está sendo comemorada uma nova armadilha que carece de decência científica. Foi aprovado um “protocolo” que colocará a criança na posição de julgador de sua mãe, a “alienadora”. Comecemos por sublinhar que o termo alienação parental não pertence à Ciência, ou seja, foi inventado por um médico pedófilo que se suicidou com várias perfurações, inclusive dilacerando seu órgão genital quando teve conhecimento de que o FBI, após investigação por acusações de abusos sexuais em crianças, estava fechando a sua intimação/prisão. Entre nós, o termo inventado por ele tornou-se lei, e tem seu nome referido na justificação dessa lei. Somos o ‘único’ país no mundo que mantém uma lei em cima de um termo de pseudociência.
Mas, por aqui, isso não importa. Ciência e seus rigores? Para quê? Os sofismas e as mentiras, travestidos de certezas, bastam. Fundamenta-se uma violência contra a criança e a mulher/mãe com dois palitos. A Violência Vicária habita a mente de pessoas que fazem questão de insistir em não ver a realidade. E o Estado não se nega, nem questiona nada que lhe chega como dogmático, e segue cometendo perversidades em crianças e mulheres invisibilizadas pelo instituto do segredo de justiça. A Perita Internacional Sonia Vaccaro escreveu importante obra sobre a “Violencia Vicaria, golpear donde más duele”. Mas a leitura também anda em baixa por essas bandas. Para que ler livro, artigo científico, para quê? É uma evidência que, em todos os campos humanos, a mentira ganhou da verdade. E, na nossa terra, mais ainda.
Há uma linha que começou na retaliação à Lei Maria da Penha, 2006, que aparece, misturada com o sangue de Joanna Marcenal, a primeira vítima letal desse termo, alienação parental, a lei, em 2010. Logo foi seguida pela lei da guarda compartilhada, 2012, que foi “aprimorada” em perversidade pela lei que instituiu a sua obrigatoriedade sob todas, todas, as circunstâncias, em 2015. Em 2017 colocaram a alienação parental no ECA através da lei da Escuta Especial, construída para acolher, sem revitimizar, crianças, adolescentes e testemunhas vítimas de abuso sexual. Foi plantada na nova lei que respeita a vítima e sua dor.
Em 2022, estabeleceram procedimentos investigativos na modificação da lei de alienação parental, em 2023 tentaram endurecer a lei de alienação parental introduzindo-a na Reforma do Código Civil, houve uma consistente reação, órgãos nacionais e internacionais de defesa de Direitos da Criança e da Mulher gritaram e está adormecido. Acho que hibernando, só. Então, formaram um “grupo de trabalho’ com pessoas de um lado só, e eis que surge esse “Protocolo de Escuta Especializada em alienação parental”. Tudo pronto, e nada do que vem sendo alertado e recomendado por órgãos internacionais e tratados importa, nem mesmo aqueles dos quais somos signatários.
O Protocolo da lei da Escuta Especial foi deformado e travestido em escuta especializada de alienação parental. Como pode acontecer uma coisa dessas? Se não existe alienação parental cientificamente, como um Órgão Nacional de justiça escreve 52 páginas sobre uma estratégia de massacrar crianças e mulheres? Sim, massacrar, porque esse procedimento, que já nasce obrigatório e mesclado com a perspectiva de gênero, não sabemos onde entra a proteção e respeito ao gênero, portanto, irá colocar a criança como julgadora da mãe dita, preconceituosamente, “alienadora”. Nessa perspectiva proposta, a criança irá fazer um julgamento e dirá se a mãe fala mal do pai ou não, simplificando.
Não me parece que seja a maneira justa com a condição de vulnerabilidade inerente à infância. É descabido pressionar a criança para que ela acaguete a mãe sobre uma suposta e já afirmada pelo examinador, porquanto é de alienação parental, está no título do protocolo, portanto, já feito acusação.
Estarrecida com a celeridade desse grupo de trabalho homogêneo, que matou dois coelhos com uma só cajadada. E vai matar milhares de crianças e mulheres/mães. A condenação, sempre prévia, por alienação parental da mãe patrocina a Privação Materna Judicial. Aliás é, no mínimo, curioso que uma alegação feita por um homem/genitor de que a mãe está praticando alienação parental move a justiça a garantir rapidamente a entrega da criança a ele, e a afastar a mãe. A justiça pratica alienação institucional contra a mulher/mãe, por meses, anos, sem nenhuma possibilidade recursal. Cada vez que a mulher/mãe faz uma petição, isso é entendido como mais uma “prova” de alienação. É uma lei circular, que pune com o mesmo motivo do processo. Dente por dente, olho por olho. Mas, o veio de ouro permeia esse desvio de propósito.
Com este golpe de hoje, o único instrumento de Escuta Especial, tão bem estudado e fundamentado pela Childhood Brasil durante quatro anos, foi, completamente, deturpado, e colocou de novo a criança na inquirição, no Poder de julgamento, expondo-a ao abuso sexual intrafamiliar, e legalizando, mais um pouco, a violência contra a mulher.
É a celebração do desamparo das nossas crianças. A pá de cal que faltava.
ANA MARIA BRAYNER IENCARELLI é psicóloga, psicanalista de criança e adolescente, graduada pela Faculdade de Filosofia do Recife da Universidade Federal de Pernambuco, pós graduada pela Université René Descartes, Sorbonne, e Formada pela International Psychoanalytical Association, autora do livro “Abuso Sexual, uma tatuagem na alma de meninos e meninas”, Presidente da Ong Vozes de Anjos e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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