Por Lincoln Penna –
A rotina da violência e o desgaste da democracia.
É unânime a constatação de analistas e dos eleitores mais conectados com o processo eleitoral em curso de que o tema que mais preocupa o cidadão brasileiro em geral é o da violência. Sobre o que fazer para pelo menos reduzir a sensação de insegurança principalmente nas grandes metrópoles está na prioridade do eleitorado.
Contudo, focar a questão da violência e esperar que as forças policiais e militares resolvam a questão é uma expectativa que não vai encontrar a resposta satisfatória que esperamos, isso porque o que se passa em nossas grandes cidades já há algum tempo tem nome e sobrenome, chama-se guerra social. Não entender que nos encontramos nessa situação ou é ingenuidade que se explica por ignorar essa realidade, ou má-fé dos que desejam na verdade praticar o que muitos não aceitam como verdade, que é a faxina social ao juntar no mesmo rol o banditismo com as populações mais vulneráveis.
O que se passa no Rio de Janeiro e em São Paulo, especialmente, configura uma escalada nos confrontos entre os efetivos da segurança desses estados com a marginalidade cada vez mais ousada e presente nas instituições, e que vêm se tornando tão regulares a ponto de se normalizar essa situação. Esse cenário tenso e violento costuma acontecer nas sociedades que enfrentam guerras civis. Nesses casos, a população perde a sua liberdade de ir e vir, compromete os seus afazeres e eleva a sensação de total insegurança diante de uma disputa entre grupos que visam o controle do poder público pouco importando, na maioria dos casos, em defender o cidadão comum.
Mas, quando não há evidências de que se está diante de uma guerra civil e sim de constantes conflitos com organizações criminosas a tornar reféns os cidadãos e a violentar o seu cotidiano, se torna claro que o que acontece em nosso cotidiano é a presença de uma guerra social, sobretudo retratada nos espaços onde habitam em condições precárias uma população desassistida de serviços públicos essenciais.
Uma guerra social é fruto do nível mais agudo das lutas de classes, mesmo que os seus contendores não estejam conscientes do papel que exercem nesse processo de medição de forças antagonizadas de uma sociedade mais do que partida, confinada em face do quase esgotamento das condições mínimas de civilidade.
Acresce a isso a impossibilidade das classes dominantes cederem seus fartos recursos para atender às necessidades prementes das classes subalternas.
Não ter clareza dessa realidade estampada e que agride o bom-senso é algo inaceitável em um mundo povoado de recursos para serem mais bem divididos, iniciativa que não conta com o apoio de governantes que representam de fato a vontade política dos que detêm o poder, pois não basta ser representante do povo se não tiver condições de prover uma política redistributiva capaz de atender as demandas populares reprimidas.
Por outro lado, o uso da mídia em seus diversos campos se encontra permanentemente sob o controle dos poderes detentores de um sistema que já deixou para trás as políticas compensatórias ainda em vigor mas cada vez mais atropeladas pela ausência de uma inclusão que de fato reduza ao menos o grande contingente social que padece de dignidade social.
Resultado da exclusão social que vem se alastrando torna-se insuficiente manter tais políticas que não mudam as estruturas vigentes. E com o passar do tempo parece que já se foi o tempo dos programas sociais, tanto os regulares quanto os emergenciais, em razão do crescente e agudo mecanismo de concentração e acumulação de renda nesse atual estágio em que se encontra a economia sob o controle do capital.
Muito se têm falado da defesa da democracia contra as ameaças das tendências totalizadoras que parecem ter redobrado ultimamente os seus apetites em relação ao exercício do poder, o que é importante. Porém, é preciso enfatizar a necessidade da democracia social. Sem essa dimensão da democracia de pouca valia ter uma democracia institucional se ela não for capaz de promover transformações que atenda as demandas do povo em seus segmentos mais explorados. Ao contrário, se resume em fazer crescer as massas desamparadas que constituem uma reserva recrutada pelas organizações criminosas.
Com isso, assiste-se aos inúmeros confrontos que paralisam a vida de cidadãos das periferias e das comunidades onde esses embates acontecem e cujos habitantes ficam entregues à guerra social travada diariamente. Disputam-se territórios, impedem a mobilidade dos serviços públicos e particulares, e o ir e vir de seus moradores.
Nesse confronto que envolve a criminalidade mais organizada e os poderes do estado a cometerem igualmente crimes tidos apenas como “falha pontual dos protocolos”, o povo é a vítima de nossa democracia de pedaços, incapaz de se fazer presente onde deve estar.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Secretário Geral do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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