Por Ricardo Cravo Albin

“O Brasil é feito por nós, está na hora de desatar esses nós”. (Barão de Itararé)

As boas notícias, convenhamos, andam esquálidas, quando não encapuçadas e fugidias. Mas a altíssima expectativa do mundo civilizado sobre decisões da COP26, promovida pela ONU em Glasgow-Escócia, provocou um suspiro de alívio no coração do planeta e acabaria por contrariar a frase antológica do Barão de Itararé: “de onde pouco se espera, daí é que não sai nada”. Evoco o nosso grande Aparício Torelli porque o mundo já estava quase se acostumando aos insultos de gente de cabeça oca como Trump, contra a defesa do meio ambiente e do acordo de Paris. Surpresa: os Estados Unidos agora com Biden e a China, aparentemente irreconciliável com seu maior rival, assinam uma declaração conjunta que fez o mundo respirar.

No documento, as superpotências, ambas como sabemos mercados prioritários para o Brasil e que travam entre si disputas em quase todos os campos, prometeram trabalhar juntas para reduzir as emissões de gazes estufa nesta década, considerada decisiva por todos os cientistas para deter o sangramento de vida de que nosso planeta vem sendo vítima. E aí embute aquilo que eu considero uma ajuda ao Brasil, embora oblíqua na visão de alguns: uma condenação ao desmatamento incluiu o termo “ilegal”, usado por nossa política externa para designar o desmate a combater. Ou seja, China e Estados Unidos finalmente se aliam para reconhecer que a eliminação do desmatamento ilegal global contribuiria significativamente para o esforço de atingir as metas do Acordo de Paris, defendido com unhas e dentes pela ONU e pelo seu recentíssimo braço, a COP26. Os dois lados vão se tornar parceiros no apoio à eliminação do desmatamento ilegal global.

Como e quais objetos de pressão serão empregados? “Por meio da aplicação efetiva de suas respectivas leis de proibição de importações ilegais”, assinala com vigor antes nunca visto o texto sino-americano.

Cabe relembrar aqui que isso se refere à declaração assinada por mais de cem países em Glasgow e à qual o Brasil se apressou em aderir. O texto pretende zerar o desmatamento mundial das florestas até 2030.

Presidente dos EUA, Joe Biden, na conferência da ONU sobre o clima em Glasgow – 01/11/2021. (Adrian Dennis/Reuters)

Agora, louvado seja Deus!, o presidente da república fica absolutamente livre para obrigar os fiscais do Ibama a funcionar e para quebrar promessas eleitorais por ventura estabelecidas ao longo da campanha na qual foi eleito com enorme votação.

O comunicado dos dois países líderes tem peso decisivo para fazer o governo federal cumprir à risca o que pretendem nossos parceiros preferenciais. Até porque define uma alvissareira mudança na posição da China, que só admitiria uma eventual parceria com os Estados Unidos desde que Biden diminuísse suas críticas à questões nevrálgicas para o China Continental como Taiwan, o Mar da China, os direitos humanos, e até Hong Kong.

Cabe aqui, para fechar uma rara boa notícia ao meio de tantas incertezas, como os caminhos a trilhar para a conclusão da pandemia e os reclamos do povo Ianomâmi, que são de provocar soluços de dor e angústia em todos nós, relembrar um pensamento profético de José Saramago, único prêmio Nobel da Literatura a escrever em português, ao lançar em Paris seu último livro –“A cegueira mais dolorosa é aquela causada não por olhos mortos, mas por corações apodrecidos”.

P.S: Um brinde pela entrada há dias na ABL de Paulo Niemayer, filho e sobrinho de dois enormes Niemayer, Paulo Pai e Oscar.

RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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