Por Siro Darlan –
O poeta Jose Carlos Mattos escreveu em 1985: “O pivete não tem futuro nem passado/ Sua a vida é o eterno presente/ Seu dia é uma experiência inteira/ O pivete corta a rua/ feito os astros cortam a noite/ Absolutamente só no espaço/ seguindo a sua órbita, o seu rumo, / voando solto no espaço/ até a sua destruição”.
Chegou a Constituição Cidadã de 1988 e o Brasil se adequou à corrente de humanização da Declaração das Nações Unidas sobre o Direito da Criança de 1959, que afirmou sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano para que toda criança tivesse uma infância feliz e gozar dos direitos e as liberdades. Pensamos, não mais trataremos crianças como “pivetes”, nem seremos negligentes com elas. Ainda quando eu estava na ativa, as mais altas autoridades do judiciário chamavam as crianças de “sementes do mal”, quando o mal estava nelas e continua em seus julgamentos espúrios.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) foram criados organismos para efetivação dos direitos das crianças brasileiras, dentre os quais os Conselhos Tutelares, que são órgãos autônomos, permanentes, não jurisdicionais distribuídos em todos os municípios brasileiros para tutelar e garantir a efetivação dos direitos fundamentais da infância e dos adolescentes. A lei estabelece que a cada 200 mil habitantes, deve haver pelo menos um Conselho Tutelar. Cada Conselho é constituído por cinco membros, eleitos pela comunidade local com essa finalidade. Esse é o espirito da Carta Maior que distribui a responsabilidade com a família, o poder público e a sociedade. Para cumprir essa meta, a sociedade se organiza através dos Conselhos Tutelares eleitos e com a responsabilidade de efetivar os direitos fundamentais. E os Conselhos de Direito, encarregados de deliberar políticas públicas para os cidadãos infanto-juvenis.
Como ficam então as crianças da Cidade Maravilhosa com essa tutela das crianças? Pela norma deveria ter instalados 70 Conselhos Tutelares (um a cada 200 mil habitantes) tem apenas 19, cujos conselheiros acabaram de tomar posse para um mandato de quatro anos. A esperança é que esses Conselheiros atuem na garantia da efetivação dos direitos fundamentais. A pergunta é ainda que capacitados e qualificados pela representação popular todos têm na mente essa responsabilidade de construir o presente (e não mais o futuro) dessas crianças? Sendo afirmativa a resposta, estão materialmente aparelhados com sede, equipe técnica, transporte, mobilidade, comunicação suficientes? Certamente que não. Ainda que todas as respostas fossem afirmativas, são em número suficiente para tão árdua tarefa? Outra vez a resposta é não.
Diante desse quadro de abandono institucional das crianças cariocas, como exigir que sejam cidadãos responsáveis e respeitadores das regras, se suas regras de tutela não são respeitadas pelos adultos, sobretudo pelos administradores públicos? Voltemos, pois, diante de tanto avanço legislativo civilizatório para nosso poeta Jose Carlos, porque a realidade pouco mudou e continua: “O palco de pivete é a rua, a calçada/ Lá ele contracena com o mundo, / ele rouba e foge/ é preso e é solto/ mata e é morto/ A vida é breve para o pivete/ A violência não deixa tempo para a reflexão/ A vida é matar ou ser morto/ Fugir ou ser preso/ Viver é uma experiência incivilizada. ”
Se queremos efetivamente sermos uma sociedade civilizada, devemos começar pela proteção integral de nossas crianças e com prioridade absoluta providenciar que todas as crianças brasileiras tenham acesso garantido a uma escola de horário integral para educação universal, indo muito além de três horas de ensino formal, para uma alimentação sadia, assistência médica gratuita e universal, esporte nas mais diversas modalidades e muita cultura e convívio social e comunitário. A família das crianças deve também ser chamada, já que muitos não tiveram essa oportunidade, a participar do processo inclusivo da educação, sendo a escola um ambiente para os filhos e para os pais.
Candelária nunca mais, inclusão pela educação já!
SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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