Por Alcyr Cavalcanti

Genro de Castor, Fernando Iggnácio morre fuzilado.

Castor de Andrade era o Capo da contravenção, manejava como ninguém os conflitos inevitáveis pelos lucros dos jogos proibidos. Advogado, conhecia os meandros da justiça e privava da amizade (às vezes velada) de juízes e desembargadores. Sua rede de relacionamentos também se estendia há alguns setores das Forças Armadas. Criado no meio de futebol, por meio de seu pai Eusébio de Andrade foi patrono e apaixonado pelo Bangu Atlético Clube. Essa paixão levaria o Bangu a formar um supertime de futebol que levaria o clube a um vice campeonato brasileiro em 1985. Mas a sua grande paixão era a Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, que durante sua gestão foi campeã algumas vezes e tinha sua quadra recheada de socialites e figuras do cinema e da televisão. Seu camarote  era sempre farto e muito bem frequentado. A morte de seu genro Fernando Iggnácio em  novembro de 2020 na plena luz do sol às 13h30 em um heliporto no Recreio dos Bandeirantes é mais um assassinato que envolve a disputa pelo espólio do Capo da contravenção, Castor de Andrade.

(Foto: Alcyr Cavalcanti)

Castor gostava também da vida noturna e durante um tempo era frequentador privilegiado da Boate  Régine’s.  Durante seu reinado, conseguiu controlar as inevitáveis disputas pelo domínio territorial, onde após um pacto firmado em uma reunião obteve o juramento de todos que as áreas loteadas seriam respeitadas pelo bem geral. Não havia entrado ainda de forma massiva o narcotráfico que viria desequilibrar muitos relacionamentos. A droga seria um elemento impuro, que iria contaminar a todos então o negócio passaria a ser profundamente imoral, segundo os chefes da contravenção. Como nas velhas famílias mafiosas, o sentimento religioso era uma norma que presidia as reuniões decisivas.

(Fotomontagem: TIL)

A influência do jogo do bicho no “Mundo do Samba” sempre foi de muita relevância, com uma grande diferença. No início era a paixão pela “Sua Escola”, mas aos poucos se transformando em uma imensa fonte de lucro e poder, perfeitamente inserida no sistema, onde o lucro vem sempre em primeiro lugar. Os donos do jogo do bicho, verdadeiros mecenas pós-modernos financiam orfanatos, agremiações esportivas, policiais e mesmo políticos. O promotor Eckel Sérvio de Souza que conhece a fundo as artimanhas dos banqueiros de bicho afirma que  o mecenato seria apenas um artifício para manipular a opinião pública. Seus agentes criaram um empresariado para dar suporte financeiro aos desfiles no Sambódromo, inaugurando a era do luxo e da espetacularização no Carnaval ao colocar as escolas de samba em uma dimensão social, econômica e política, que veio a se tornar uma importante moeda de troca.

(Foto: Caio Barbosa/UOL)

As disputas territoriais sempre foram resolvidas pela Cúpula, em reuniões intermináveis, onde as palavras dos mais velhos sempre eram respeitadas. Com morte dos banqueiros tradicionais, Castor de Andrade, Miro Garcia, Aroldo Saens Pena e a entrada de novos atores em um negócio altamente lucrativo, começa a haver uma nova configuração do jogo do bicho devido a novos métodos, onde a violência extremada substitui as longas e exaustivas reuniões. O fator de desequilíbrio veio a ocorrer em definitivo em meados dos anos oitenta com a entrada das máquinas caça-níqueis e disputas de sangue. As maquininhas de aparência inocente, um mero passatempo foram trazidas pelo francês Julien Fillipedu, que seria ligado à Máfia Corsa. Castor e os membros da Cúpula, de início foram contrários, mas depois ao vislumbrar uma excelente fonte de renda aprovaram em bloco. A matança em série começa aí, a disputa pela herança da contravenção vai causar ainda muitas vítimas.


ALCYR CAVALCANTI – Fotógrafo, jornalista, professor universitário, ex-presidente da ARFOC, ex-secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como as Organizações Globo, Última Hora e o jornal O Dia.