A Guerra de Canudos, 07/11/1896-05/10/1897, um genocídio, que não deve ser excluído de nossa memória
Por José Macedo –
O fim da Guerra de Canudos deve ser lembrado como genocídio de uma comunidade, que ali se formou, com o objetivo de trabalhar, plantar, criar seus animais, rezar e viver em paz uns com os outros. Esse massacre, cuja motivação foi a de perpetuar a exploração econômica, politica e religiosa, completa, hoje, 123 anos.
Em minhas reflexões diárias, lembrei-me desse histórico episódio genocida, até porque, nasci na Região de Canudos e muito cedo tomei consciência política de suas motivações assassinas. O Estado brasileiro, omisso, representante das classes dominantes agente detentor do monopólio da força, conduziu e liderou esse injusto e desumano derramamento de sangue de milhares de trabalhadores sertanejos.
O Estado brasileiro, no curso desse tempo, não foi transformado, permanece agente do impulso punitivo contra a classe trabalhadora rural, não promoveu a Reforma Agrária, ao contrário, favorece a concentração de terras, cujos exemplos são o agronegócio, a devastação da Amazônia e a perseguição ao MST. Assim, a legião de pobres e de excluídos, no campo e nas cidades, decorrem da politica separatista e excluidora. Assim é que, o Brasil, nesses últimos 4 anos, retornou ao Mapa da Fome, segundo a ONU, apesar do País ser um grande produtor de grãos e de carne. O mercado de consumo interno não é satisfeito ou atendido, porque essa politica jogou milhões de brasileiros no ostracismo e no desemprego, consequentemente, excluídos do mercado de consumo. Produzimos alimentos para o mercado externo, soja e milho para alimentar animais de países ricos. A palavra chave da política neoliberal é a exclusão. O neoliberalismo, no meu sentir, fundado nas estatísticas existentes, gera o aprofundamento de frequentes crises e da pobreza. A crise sanitária e o pouco caso desse governo e a omissão comprovam o fracasso dessa administração, resultando em abissal desigualdade entre ricos e pobres.
Não vou contribuir para que Canudos permaneça esquecido e submerso nas volumosas águas do açude de Cocorobó, construído, no período da da ditadura de 1964, precisamente, no ano de 1969, represando as águas do Rio Vaza Barris. Ao que parece, a intenção era a de retirar de nossa memória a genocida guerra.
O Canudos do Conselheiro ou seu Belo Monte, no final do século XIX, no sertão da Bahia, atenderia à sensibilidade do Conselheiro e às necessidades econômicas de sertanejos excluídos. A UTOPIA, nos moldes do que imaginou THOMAS MORUS (1478-1535), ali se configurava como resposta e uma receita que estava dando certo. Era assim o Arraial de Canudos, o Belo Monte do líder popular e religioso, ANTÔNIO VICENTE MENDES MACIEL, o Conselheiro. A guerra aconteceu em um momento de consolidação da República, sob a presidência de seu primeiro presidente civil, PRUDENTE DE MORAIS. A recém República estava em aguda crise política e econômica, ainda entre monarquistas, florianistas (militar) e os civis, na pessoa do presidente Prudente de Morais. O interior do Brasil, vis-à-vis, o Nordeste brasileiro, era um ambiente fértil para insurreições e revoltas, uma Região oprimida e sugada pelo latifúndio, representado pelos “coronéis”. Estes criavam as leis e eles faziam com que os demais as cumprissem. Assim, de um lado, os “coronéis”, que formavam seus populosos jagunços (espécie de milícia), do outro lado, estavam os miseráveis, oprimidos sob o jugo pesado desses poderosos, donos da terra, do poder militar e da justiça.
O governo Central dava sustentação e omitia-se, até porque, necessitava deles, do apoio político, quando das eleições. Era uma Terra sem lei, onde predominava a vontade do mais forte e os fortes eram os donos da terra.. Nesse cenário de crise política e econômica da recém República, para que Antônio Vicente Mendes Maciel (O Conselheiro) exercesse sua liderança não ficou difícil. Antônio Conselheiro, primeiramente, um religioso, talvez nem percebesse sua liderança política, mas a exercia, porque aquele povo demandava um líder religioso, humano e sensível às necessidades, uma resposta de transformação e solidariedade, alternativa e condições de trabalho. Eles visualizaram um lugar que existisse terra disponível para produzir seu sustento, não só um lugar para rezar em paz. O Conselheiro indicou essa possibilidade. A criação do Belo Monte foi atendida de modo concreto por seu líder quando rumaram para Canudos, “A terra prometida”. Por que, a guerra? A guerra nasceu do conluio entre a igreja católica conservadora, que não mais aceitava as pregações daquele religioso leigo, um concorrente dos padres da Região, dos coronéis donos da terra, que perdiam aquela mão de obra vassala, quase de graça e escrava, temendo ainda invasões de seus latifúndios. Enquanto isso, via-se a garantia do governo, ausente, covarde e omisso, em função de interesses políticos.
Na guerra deflagrada, por ordem do governo Central, dezesseis Estados envolveram-se, com cerca de 12.000 militares, vários generais, contra mais de 20.000 sertanejos, liderados pelo Conselheiro, em legítima defesa. Mas, eis a surpresa: foram necessárias 4 expedições para derrotar e destruir, cruelmente, aquele povo, praticamente, desarmado, pobre e valente, porém consciente do que tinha a cumprir e ser feito, exercer seu direto de defesa do bem maior, a vida. A busca de sua utopia era assim: construir uma comunidade, igualitária, solidária, sob a bandeira do trabalho, da paz e da fé. Canudos, no início de outubro de 1897, há 123 anos, tornou-se um inferno e foi queimada pelo criminoso exército brasileiro. Porém morreram mais de 5.000 mil militares e 20.000 sertanejos, que não se renderam. Foi ou não um genocídio?
Os herdeiros de seus mortos, descendentes dos sobreviventes, olham, até aqui, para o açude, construído pela ditadura de 1964, com clara finalidade de submergir a Cidadela (A Canudos antiga), porque ê, ainda, motivo de vergonha, olhares de tristeza, o cheiro de pólvora e o gosto de sangue. Debaixo daquelas águas estão os mortos do massacre criminoso, massacre de um povo pacifico e sofrido, numa injusta e fratricida matança. Estive em Canudos, por várias vezes, a primeira, nos meus 8 anos e, há 2 anos, mas, em todas às vezes, senti ali a presença desses espíritos, como houvesse um grito de socorro e choro de crianças e até de cães em desespero pela morte de seus donos. O tema é árduo e longo por sua importância, complexidade, e motivações. A literatura sobre a guerra é ampla, mas poucos livros abordam com profundidade, isenção e autenticidade suas causas e efeitos.
Sugiro a leitura de OS SERTÕES, do escritor, Euclides da Cunha, lendo com cuidado, até por sua influência Lombrosiana, militar e positivista, leitura árdua, uma importante contribuição para os que desejam conhecer onde ocorreu a guerra e aquele momento de nossa história. Ainda, indico outro livro interessante do José Aras, descendente de sobrevivente da Guerra, nascido na Região. Seu livro: SANGUE DE IRMÃOS. Não consegui resumir o assunto, o que era minha pretensão. Estou sempre motivado, primeiro por ser filho da terra e, por fatores, como o de compreender a história do Brasil, um pais injusto e desigual, desde sua origem. Nessas circunstâncias, subjetivas e intelectuais, fiz esse relato, neste dia, cônscio de que não é de comemoração, mas de vergonha. Temos muitos escritores, narradores de fatos, mas, poucos procuram em suas escritas o contexto histórico, suas causas econômicas e políticas, atinentes ao episódio. Foi assim o que quis fazer, sempre, lembrando das variáveis que deram causa, não sei se me desincumbi. Mas, é uma missão difícil, tenho convicção, até porque o espaço me impede ser longo. Fugi de livros e teses acadêmicas, mas consciente de que sou filho de meu amado sertão. Por isso, fico feliz por essa coragem em tecer esse texto, espero que sirva de reflexão e de que outros possam estudar a guerra de Canudos e de nossa história.
Aprendi: para amar é preciso conhecer.
JOSÉ MACEDO – Advogado, economista, jornalista e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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