Por Lincoln Penna –
Ser radical é entender as coisas pela raiz. (Karl Marx)
O Brasil tem se esmerado em criar expectativas de melhorias continuadas ao longo de sua história. A começar pela falsa ruptura com a metrópole em 1822, cuja independência foi muito mais um arranjo do que verdadeiramente um rompimento com Portugal. A única ruptura na América de uma colônia que uma vez formalmente independente assumiu as dívidas da metrópole.
Não demorou muito e os membros da dinastia Bragança, os irmãos Pedro e Miguel se enfrentaram pelo trono em Portugal deixando clara que a independência brasileira nunca existiu para o filho de D. João VI, cujo “Grito do Ipiranga” foi muito mais um gesto dissidente em relação às Cortes do que um ato de soberania. Repitamos, comparada a independência dos demais países do continente americano, nenhuma semelhança. Por aqui, depois e em função desses episódios, deu-se o golpe da Menoridade com a ascensão ao trono do jovem Pedro II com 15 anos de idade.
Ao longo do Império e, principalmente durante o Segundo Reinado, e após debelarem as insurgências ocorridas no período das regências (1831-1840), foi implantada a política da conciliação. Com ela o país passou a conviver com hipotéticas mudanças. Essa cultura política de se evitar a todo custo o confronto de ideias, na convicção de que há como convergir sempre em nome de uma pacificação que só interessa as suas classes dominantes se perpetuou.
Com a República novas esperanças surgiram nos horizontes de uma nação que parecia resignar-se. Sem alcançar a implantação de um governo de todos, tal como se espera de um regime republicano em função de seus fundamentos, permaneceu a prática política do arranjo. Com o tempo as ilusões esmaeceram e com ela ampliou-se a tendência à frustração e a resignação passou a ser uma constante. Todavia, não faltaram movimentos com vistas a buscar soluções que atendessem às expectativas costumeiramente renovadas. A primeira metade do século vinte registrou alguns deles. Em vão, no que diz respeito aos seus desdobramentos.
Tentativas, é verdade, não faltaram. O surgimento de um movimento operário ainda incipiente, porém combativo na segunda década do século anterior ao nosso; as insurgências militares como o Tenentismo, e seus desdobramentos como as ações desencadeadas pela Aliança Nacional Libertadora no ano de 1935; a União Nacional, com o propósito de barrar de vez a ameaça fascista em meio à Segunda Guerra Mundial; e o ressurgimento de partidos trabalhistas voltados para pautas mais avançadas na relação com o patronato. No entanto, bastaram essas iniciativas mais arrojadas ainda que estas últimas reformistas para que as classes dominantes entrelaçadas com interesses de fora apelassem para o golpe de 1964.
A resistência ao golpe produziu novas esperanças que acabaram seguindo o leito comum da conciliação de classes. A tão proclamada transição democrática, que não passou senão de retomada das franquias públicas sem fazer avançar as conquistas do passado recente, interrompidas pelos golpistas, resultou em governos de comportamentos democráticos.
Alguns com aspirações mais consequentes na busca de uma grande e real transição, mas rendendo-se ao dito presidencialismo de coalizão pela necessidade da manutenção de maioria no Congresso, de maneira a coexistir com o atraso das forças que a eles se juntara. As mudanças estruturais, com isso, foram deixadas de lado. Sem elas, o país sucumbe diante da história, implacável quando não se tem projetos alternativos de verdade para as gerações futuras.
Hoje vivemos o mais contundente retrocesso político ocorrido em nossa história em razão de impasses e contradições não enfrentadas. Este governo detentor de um projeto de demolição de antigos e novos direitos sociais e de entrega de nosso patrimônio nacional está diante de uma eventual transição política, uma vez que a sua reeleição representaria o maior suicídio de uma nação moderna. E de novo vem à tona a questão da transição ou da transação, problema que terá de ser encarado como uma questão de sobrevivência nacional.
No momento atual as hipóteses de terceira via parecem incorrer no mesmo desvio do passado. Isso porque o que é inadiável é a remoção de um entulho autoritário renascido com a presença de um agente da contravenção a serviço de interesses antipatrióticos. Não há terceira via que resolva o dilema crônico do país. Se o objetivo dessa tendência é evitar o pior, este pior tem nome e sobrenome, Jair Bolsonaro, o promotor do caos nosso de cada dia. Na verdade, a polarização que existe é a do povo contra ele. A partir de sua derrota, aí sim, definamos os rumos a seguir, e só há dois caminhos: a da democracia da farsa formal e abstrata; e a democracia social, tenha o nome que quiserem dar, mas que tem como patrono e destinatário o povo.
Quisera houvesse realmente uma opção com força eleitoral, que pudesse traduzir o desejo dessa democracia do povo, que está bem longe das mesmices de uma política do faz de conta. Este povo acumula um sentimento de revolta que atravessa gerações. Ele está mais do que convencido de que não existe nenhum salvador da pátria. O que deseja é assumir ele próprio o poder de decisão para atender as mais singulares reivindicações, aquelas que garantam comida decente e diária, moradia, emprego e trabalho dignos de modo a garantir a felicidade, bem maior de quem procura viver e compartilhar com os seus numa vida em comum. Para isso é preciso que se instaure o poder popular. Sem ele as transições serão permanentemente favoráveis aos que detêm os poderes de sempre.
O que falta nessa única alternativa de fato é a existência de um ou mais partidos representativos do povo, capazes de revolucionar o ambiente de uma política exclusivamente voltada para sua sobrevivência e amparada numa legislação que faculta a as suas legendas a se tornaram cada vez mais distantes do povo e de seus interesses. Afinal, em sociedades abertas e minimamente democráticas a presença de organizações político-partidárias é não só necessárias como imprescindíveis.
Contudo, e ao largo de um sistema partidário bem estruturado é possível e deve ser incentivado o crescimento de núcleos populares em condições de agregar integrantes de comunidades em defesa de seus direitos e de suas demandas. Existem vários experimentos bem sucedidos espalhados pelo território brasileiro. Articulá-los é uma tarefa para os partidos que possuem um projeto de revolucionar não somente a política como a sociedade brasileira, tão carente de soluções em prol das novas gerações.
Por último, não basta alimentar esperanças, mas contribuir para que elas possam de fato acontecer. Do contrário caímos na acomodação a nos levar para a passividade, que só garante a continuidade das coisas como elas se encontram. O bom combatente é aquele que faz da luta o tempero da vida e busca incessantemente a verdadeira paz entre as pessoas, aquela que atende pelo nome de justiça social, como princípio básico de uma sociedade que aponta para a plenitude do ser humano.
Essa, sim, é a transição que precisamos construir para o Brasil e o mundo.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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