Por Lincoln Penna

Há duas espécies de movimento em política: um, de que fazemos parte supondo estar parados, como o movimento da Terra, que não sentimos; outro, o movimento que parte de nós mesmos. Na política são poucos os que têm consciência do primeiro, no entanto, esse é, talvez, o único que não é uma pura agitação. (Joaquim Nabuco)

Foi com o nome de Fabiano que o general Quintus Fabius Maximus, ditador romano tornou-se figura lendária. Sua grande façanha foi ter derrotado Aníbal na Segunda Guerra Púnica. Viveu no século III A.C. (275-203). Logrou êxito nos confrontos com os seus adversários porque não os enfrentava aberta e diretamente, mas através de ganhos territoriais de pequena monta, de modo a poder avançar sobre os inimigos e os surpreender. Eram ações graduais que resultaria na vitória final.

No início do século XX os social-democratas que não haviam adotado a estratégia da ação revolucionária mediante o assalto ao poder, tais como os bolcheviques na Rússia em outubro de 1917, eram considerados socialistas fabianos em alusão ao general romano. De certa forma, os mencheviques assim poderiam ser considerados, como de resto a grande maioria dos partidos membros da Internacional Socialista criada em 1889.

Se a tática Fabiana se aplicou por longo tempo aos eventos das correntes socialistas ou social-democratas, uma vez que a vertente que rompeu com essa tradição fundara em 1919 a Internacional Comunista, por que não se aplicar também aos que no âmbito da extrema direita agem no sentido de golpear a democracia? Creio que essa possibilidade pode ser uma leitura possível para definir uma escalada gradualista na direção do desmonte das instituições democráticas. E esta inspiração tem tudo a ver com o que se passa no Brasil da presidência Bolsonaro.

Digo isso porque temos assistido a um projeto que visa eternizar, tanto quanto possível, a gestão hoje representada por um capitão da reserva em nome de uma corporação ou parte dela, que se julga representativa de uma cultura de desprezo aos ritos de um estado democrático de direito.

Isto em razão de entender tratar-se de poderes que não dizem respeito aos desejos da maioria da sociedade. Mas, diante da dificuldade hoje em dia de adotar ações mais diretas e cirúrgicas, como no passado, lançam mão de artifícios que visam minar as resistências legalistas.

Ao elegerem os obstáculos a essa sanha continuísta, tais como o STF, as representações partidárias de esquerda ou centro-esquerda, além de acusarem a todas essas instituições e forças sociais de estarem a serviço do comunismo, os ideólogos do atual governo pretendem pouco a pouco ganhar a simpatia dos eleitores que sufragaram essa corrente de extrema-direita, cujo único projeto é a destruição das representações democráticas, sobretudo a Constituição que está sempre na mira desses objetivos antidemocráticos.

Contra essa escalada fabiana, aparentemente inofensiva, é preciso fazer valer o despertar da consciência cívica da nação brasileira. Ela existe, muito embora nem sempre consiga se expressar de forma contundente a ponto de afastar essa ameaça que ronda o cenário político do país. O funcionamento da CPI, constituída para apurar o drama da pandemia no Brasil, cuja perversidade não ficou apenas por conta da proliferação da covid-19, mas da inação e desprezo orientado e praticado pelo atual governo, principalmente por Bolsonaro, é uma demonstração de que existe essa consciência de maneira a despertar a indignação nacional.

O golpe clássico, aquele que assume a direção dos grandes negócios sempre em detrimento do interesse da soberania nacional e do povo, este já foi dado faz tempo. Não há porque temer que se faça outro se aqueles que têm as rédeas do país continuam no poder. Mas a corporação militar que havia aderido ao golpe de estado em 1964 para impor tais interesses, ludibriando a opinião de cidadãos ingênuos a ponto de terem apoio, agora pretende não mais deixar a formalidade das regras eleitorais e democráticas sem o devido controle direto.

Essa corporação mesmo dividida deseja manter o papel de verdadeiros gestores da República e, nunca é demais insistir, que eles a consideram como sua realização. E somente sua. Qualquer reparo crítico de membros do mundo civil ou eventual punição aos seus quadros, em face de desvios no exercício de funções públicas, seus componentes alinhados a essa visão de pertencimento a um regime fundado por eles a consideram uma afronta.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


Tribuna recomenda!